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Da Fiscalização Marítima, Aeroportuária e de Fronteira

No documento Lei de Migração Comentada (páginas 140-148)

CAPÍTULO IV

DA ENTRADA E DA SAÍDA DO

Já no corpo da Lei de Migração, a terminologia “estrangeiro”

dá lugar a “migrante”, e a expressão “admissão” é mencionada apenas três vezes no Capítulo IV. Desse detalhe é possível perceber que foi reduzido o critério de barreira imposto pelo Estatuto do Estrangeiro, que atribuía à imigração um caráter de possibilidade, não de direito inerente à situação do migrante.

Com a retomada do regime democrático, a Constituição Fe-deral de 1988, recebeu o Estatuto do Estrangeiro em seus caráteres formal e material, abreviando o processo de criação de uma eventual nova lei. Em Direito Constitucional, a figura da “recepção consti-tucional” no caso em tela causou bastante celeuma, uma vez que se estaria admitindo tacitamente a compatibilidade do Estatuto do Es-trangeiro com os novos princípios Constitucionais o que, à visão das autoras deste trabalho, não se configura.

No cenário internacional atual se discute a possibilidade de nacionalidades tridimensionais, que envolveriam não só aquela atri-buída ao sujeito pelo nascimento ou por sua vontade - relativa aos Estados - mas também em âmbito regional e global.

A edição e promulgação na Nova Lei de Migração, portanto, se coaduna com os princípios constitucionais brasileiros e com os tratados internacionais, se adequando aos Direitos Humanos global-mente reconhecidos. Feitas essas observações, passa-se à análise dos dispositivos.

Art. 38. As funções de polícia marítima, aeroportuária e de fron-teira serão realizadas pela Polícia Federal nos pontos de entrada e de saída do território nacional.

Parágrafo único. É dispensável a fiscalização de passageiro,

tri-pulante e estafe de navio em passagem inocente, exceto quan-do houver necessidade de descida de pessoa a terra ou de subi-da a bordo do navio.

Dispositivo correspondente na Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil (“Estatu-to do Estrangeiro”):

Art. 22. A entrada no território nacional far-se-á somente pe-los locais onde houver fiscalização dos órgãos competentes dos Ministérios da Saúde, da Justiça e da Fazenda.

O Estatuto do Estrangeiro estabelecia que somente seria pos-sível a entrada em território nacional em locais que possuíssem, con-juntamente, a fiscalização dos Ministérios da Saúde, da Justiça e da Fazenda (artigo 22). A nova Lei atribui a função fiscalizadora somen-te à Polícia Federal.

Como já aludido, durante o regime militar, o estrangeiro era tratado como um inimigo com potencial de colocar em risco o cida-dão nacional. Esse risco não dizia somente respeito à violência, mas também à exposição a doenças que poderiam ser trazidas para o Bra-sil. Hoje em dia, com o avanço dos estudos imunológicos, se perdeu um pouco o alerta em relação à essa questão.

Ademais, diante da dificuldade encontrada desde a implemen-tação do Estatuto do Estrangeiro em compor um corpo multidiscipli-nar em todo e qualquer ponto de controle migratório, se atribuiu a competência a somente um órgão responsável pela proteção do ter-ritório nacional.

O parágrafo único traz a razoabilidade para a implementação de fiscalização. Se tratam de situações que não colocam o país em ne-nhum tipo de risco, não se fazendo necessário fiscalizar todo e qual-quer meio de transporte que adentre o território nacional.

A mencionada “passagem inocente” é matéria de Direito do Mar, que foi regulamentada pela Organização das Nações Unidas (ONU) por ocasião da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), em 1982 na cidade de Montego Bay (Jamaica).43 O documento regulamenta o direito de as embarcações de um Estado navegarem sobre o mar territorial de outro Estado, “com o intuito de: a) atravessar esse mar sem penetrar nas águas interiores nem fa-zer escala num ancoradouro ou instalação portuária situada fora das águas interiores; b) dirigir-se para as águas interiores ou delas sair ou fazer escala num desses ancoradouros ou instalações portuárias.”

(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1982).

Art. 3944. O viajante deverá permanecer em área de fiscalização até que seu documento de viagem tenha sido verificado, salvo os casos previstos em lei.

Este artigo não trouxe nenhuma inovação no plano prático, pois a necessidade de se aguardar em área de fiscalização já era

adota-43 O Brasil assinou o mencionado Tratado Internacional no mesmo ano de sua edição, mas só veio a ratificá-lo em 1987, e a promulgá-lo em 1985. A passagem inocente já fazia parte dos costumes do direito marítimo, e o documento veio a positivá-lo. No caso do Brasil, por ser direito costumeiro, a passagem inocente não se interrompeu entre a data da assinatura e a final promulgação do tratado. Tal fato explica por que a doutrina consi-dera os costumes como fontes do Direito Internacional.

44 Não há dispositivo correspondente específico na Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil (“Estatuto do Estrangeiro”).

da pelo Estatuto de Estrangeiro e também é prática comum em qual-quer país que se tente adentrar.

Ainda que os parâmetros para a admissão do estrangeiro tenham sido flexibilizados, ainda existe a necessidade de verifi-car os documentos de sua viagem e verifiverifi-car a legalidade de sua pretensão de adentrar o território nacional. Enquanto não seja verificada a conformidade, se requer que o migrante esteja sujeito à autoridade migratória.

O mesmo ocorre para a saída do território nacional. Logo, fica evidente que os procedimentos não dizem respeito somente à segu-rança nacional, mas sim para se manter a ordem internacional tam-bém. Um exemplo é a verificação da condição de legalidade do menor de idade que viaja desacompanhado, imprescindível para a segurança do próprio menor, que pode ser brasileiro ou não. Mais um fator que permite concluir que a nova Lei de Migração se preocupa em garantir direitos a todos os seres humanos, sem fazer distinção sobre a nacio-nalidade do sujeito em questão.

Art. 4045. Poderá ser autorizada a admissão excepcional no País de pessoa que se encontre em uma das seguintes condições, desde que esteja de posse de documento de viagem válido:

I - não possua visto;

II - seja titular de visto emitido com erro ou omissão;

45 Não há dispositivo correspondente específico na Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil (“Estatuto do Estrangeiro”).

III - tenha perdido a condição de residente por ter permanecido ausente do País na forma especificada em regulamento e dete-nha as condições objetivas para a concessão de nova autoriza-ção de residência;

IV - (VETADO); ou

V - seja criança ou adolescente desacompanhado de respon-sável legal e sem autorização expressa para viajar desacom-panhado, independentemente do documento de viagem que portar, hipótese em que haverá imediato encaminhamento ao Conselho Tutelar ou, em caso de necessidade, a instituição in-dicada pela autoridade competente.

Parágrafo único. Regulamento poderá dispor sobre outras hi-póteses excepcionais de admissão, observados os princípios e as diretrizes desta Lei.

O artigo 40 traz as possibilidades de, ainda que diante de algu-ma irregularidade foralgu-mal nos documentos adicionais de viagem de um migrante, ainda assim poderá ser admitida a admissão em ter-ritório nacional, desde que esteja munido de documento de viagem válido. O dispositivo busca não interromper o trajeto por um vício que não seja grave. O inciso IV, vetado pelo Presidente da República, Michel Temer, dispunha: “IV - seja criança ou adolescente que esteja acompanhado de responsável legal residente no País, desde que ma-nifeste a intenção de requerer autorização de residência com base em reunião familiar”. A justificativa para o veto foi de que tal dispositivo criaria situação favorável ao sequestro internacional de menores.

Art. 4146. A entrada condicional, em território nacional, de pessoa que não preencha os requisitos de admissão poderá ser autorizada mediante a assinatura, pelo transportador ou por seu agente, de termo de compromisso de custear as despesas com a permanência e com as providências para a repatriação do viajante.

Ainda que a Lei de Migração esteja permeada de exceções que podem ser conferidas aos migrantes, existe também uma preocupa-ção orçamentária sobre essas situações. Assim, o artigo 41 configura espécie de disclaimer sobre a responsabilidade de arcar com os gastos da entrada condicional, de modo que a responsabilidade é transmiti-da a terceiro.

Art. 4247. O tripulante ou o passageiro que, por motivo de força maior, for obrigado a interromper a viagem em território na-cional poderá ter seu desembarque permitido mediante termo de responsabilidade pelas despesas decorrentes do transbordo.

O artigo 42 é também uma exemplificação do já disposto nos comentários ao artigo 41, vez que também isenta o Estado brasilei-ro de despender recursos com o viajante que é obrigado, por força maior, a desembarcar no país.

46 Não há dispositivo correspondente específico na Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil (“Estatuto do Estrangeiro”).

47 Não há dispositivo correspondente específico na Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil (“Estatuto do Estrangeiro”)

Vale notar que o dispositivo somente se aplica às hipóteses em que o desembarque é causado por motivo de força maior. Por força maior se entendem os fenômenos que independem da vontade hu-mana, como fenômenos naturais estranhos ao local ou também falhas que impedem o exercício de qualquer atividade, como um black out no centro de comando, dentre outras situações.

Art. 4348. A autoridade responsável pela fiscalização contribui-rá para a aplicação de medidas sanitárias em consonância com o Regulamento Sanitário Internacional e com outras disposi-ções pertinentes.

Ainda que não seja mais mandatória a presença de posto do Ministério da Saúde, isso não significa um abandono total de preo-cupação com regulamentos sanitários. A aplicação do Regulamento Sanitário Internacional, ainda que em território nacional, confere ao Brasil uma reciprocidade com as demais nações que adotam tal regu-lamento, pois a preocupação em também aplicar normas internacio-nais viabiliza, no plano prático, mais parcerias com demais nações, que não sentiriam receio, já que são atendidos os mesmos parâmetros necessários no outro Estado.

48 Não há dispositivo correspondente específico na Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil (“Estatuto do Estrangeiro”).

Seção II

No documento Lei de Migração Comentada (páginas 140-148)