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Da incidência de imposto sobre aluguel de hardware

3.6 Incidência tributária sobre hardware

3.6.2 Da incidência de imposto sobre aluguel de hardware

O aluguel de hardware também é pratica comum no mercado, com utilização

predominante no mercado interempresarial. As operações incluem computadores de diversos

tipos, portes e desempenho e equipamentos de rede para compor a rede corporativa, tais como,

centrais telefônicas, convencional ou VoIP, LAN switches e roteadores. O local de instalação

pode ser nas unidades do cliente, sejam escritórios, galpões ou unidades industriais – sendo

chamados de CPE

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–, ou ainda em datacenters, sejam do próprio cliente ou de terceiros. Os

contratos de aluguel de hardware são frequentemente acompanhados de contratos de serviços

de operação e manutenção, muito embora tal associação não seja necessariamente obrigatória

e ínsita à natureza da transação, como é o caso dos contratos de arrendamento mercantil ou

leasing. A operação dos equipamentos é usualmente realizada à distância, a partir de um centro

118 HPC – High Performance Computers

119 O mercado interempresarial é também referido como mercado business-to-business ou B2B e o mercado de consumo como business-to-consumer ou B2C

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de serviços compartilhados do provedor, e inclui configuração dos equipamentos, monitoração,

detecção de falhas e correção de falhas à distância ou acionamento da manutenção. Os serviços

de manutenção podem incluir a substituição de equipamentos defeituosos por sobressalentes e

o envio de equipes de campo para o reparo.

Em função de sua natureza como bem móvel tangível, a incidência de impostos sobre

locação de hardware é alcançada pela polêmica judicial erigida ao Pretório Excelso por

intermédio do Recurso Extraordinário 116.121/SP, cujo Acórdão redundou na edição da

Súmula Vinculante nº 31: “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de

qualquer natureza - ISS sobre operações de locação de bens móveis” (Grifamos). Ora,

levando-se em conta (a) a vedação expressa na decisão sumulada e (b) que as operações de

locação não se subsumem hipótese constitucional de “circulação de mercadorias”, CF/88, Art.

155, II, e tampouco, e consequentemente, à hipótese congênere do Art. 2º, I, da Lei

Complementar nº 87 de 1996, conclui-se que não há incidência de qualquer imposto sobre o

aluguel de bens móveis, ou seja, nem ISS, nem ICMS. Tal conclusão, todavia, não é extensível

às contribuições sociais dispostas na CF/88, Art. 149 e Art. 195, I, ‘b’.

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O teor do debate doutrinário em torno do tema, empreendido pelos Eminentes Ministros

da Suprema Corte, é de profunda relevância para a discussão em torno da incidência de

impostos sobre software. Aprofundemos, então...

Conforme relatório do Min. Relator Octavio Gallotti, o Extraordinário se origina em

embargos à execução fiscal, opostos pela Ideal Transportes e Guindastes, contra a Prefeitura

Municipal de Santos, decorrente do lançamento de ISS sobre a locação de guindastes, com

questão prejudicial de inconstitucionalidade do item 52 da Lista de Serviços da Lei Municipal

correspondente por negativa de vigência dos Arts. 24, I e II da Carta Magna com a redação

121 Constituição Federal de 1988

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituircontribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

[...]

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: [...]

b) a receita ou o faturamento; (Grifamos)

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conferida pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969 e do Art. 110 da Lei nº 5.172 de 1966,

Código Tributário Nacional. O Eminente Ministro Relator faz referência à jurisprudência

assentada na Corte Suprema e ao relatório da Procuradoria Geral da República, favoráveis a

incidência do gravame sobre a operação em tela, conforme excerto extraído do julgamento do

RE nº 112.947-6/SP:

TRIBUTÁRIO. ISS na locação de bens móveis. O que se destaca, utilitatis causa, na locação de bens móveis, não é apenas no uso e gozo da coisa, mas sua utilização na prestação de um serviço. Leva-se em conta a realidade econômica, que é a atividade que se presta com o bem móvel, e não a mera obrigação de dar, que caracteriza o contrato de locação, segundo o artigo 1.188 do Código Civil.122

(STF, 2000, p.674)

Congruentemente com seu posicionamento já expresso em julgados precedentes, o Min.

Relator perfila-se a favor da incidência do ISS sobre as operações de bens móveis, em linha

com o Acórdão do Min. Oscar Corrêa, Relator no RE nº 115.103/SP, admitindo que “a locação

de bens móveis, embora”

[...] não seja de serviços ou fornecimento de trabalho, constitui venda de bem imaterial (serviço). Na locação de bens móveis, o objeto do contrato é a coisa (o bem móvel), jamais o fornecimento de trabalho, embora exista intimamente ligada à locação a função acessória de se manter a coisa a ser locada em estado de bem servir ao seu destino econômico. O que existe, já dissemos, é a venda de um bem imaterial (venda do direito de uso e gozo da coisa, fato que constitui serviço).

A incidência do ISS sobre a locação de bens móveis é de fácil justificativa. [...] Como inexiste transferência de propriedade do bem material, [...] não pode haver incidência de ICM. O legislador não desejou que a locação de bens móveis deixasse de ser onerada. Daí coloca-la no campo de incidência do único imposto (ISS) que poderia abranger.

(STF, 2000, p.678) (Grifamos)

O Min. Octávio Gallotti reconhece a primazia da vontade do legislador sobre a natureza

jurídica da transação, indicando ser esta a orientação aceita pela Corte no tocante ao item 52 da

Lista de Serviços do Decreto-Lei nº 834 de 1969, que convalidaria o item congênere da Lei

Municipal do Recorrido, em que pesasse a estranheza levantada por Geraldo Ataliba quanto à

ampliação da carga semântica do Texto Magno a partir da dicção e da interpretação de diploma

infraconstitucional. O voto do Min. Relator, no sentido do não provimento do Extraordinário,

reflete uma exegese que admite o alargamento da hipótese de incidência tributária com base na

instrumentalidade econômica, como se uma operação assessória de prestação de serviços

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pudesse contaminar uma operação combinada – composta de aluguel e prestação de serviços,

justapostas no negócio jurídico porém tributariamente independentes – amalgamando as duas

operações em uma única incidência, curiosamente a de menor valor. É nítida a conveniência

desta postura para o ente público tributante, na qual maximiza a expressão do símbolo de

riqueza e, consequentemente, de potencial arrecadatório, ao arrepio, entretanto, da segurança

jurídica.

A posição do Min. Relator, embora acompanhada por outros membros da Corte

Máxima, não logrou maioria ante o voto em dissenso do Min. Marco Aurélio.

O voto condutor da decisão, precioso pela concisão e precisão exegética, é centrado na

perquirição da natureza jurídica da operação de locação de bens móveis e a verificação de sua

subsunção à norma tributária em berço constitucional.

[...] entendo que as noções são diversas: a relativa à prestação de serviços, em si, e a inerente à locação de bem móvel.

Na espécie, o imposto (ISS), conforme a própria nomenclatura revela e, portanto, considerado o figurino constitucional, pressupõe a prestação de serviços e não o contrato de locação. [...]

Em face do texto da Constituição Federal e da legislação complementar de regência, não tenho como assentar a incidência do tributo, porque falta o núcleo dessa incidência, que são os serviços. [...]

Em síntese, há de prevalecer a definição de cada instituto, e somente a prestação de serviços, envolvido na via direta do esforço humano, é o fato gerador do tributo em comento (ISS). Prevalece a ordem natural das coisas cuja força surge insuplantável; prevalecem as balizas constitucionais e legais, a conferirem segurança às relações Estado-contribuinte; prevalece alfim, a organicidade do próprio direito, sem a qual tudo é possível no agasalho de interesses do Estado [...]

(STF, 2000, p.705) (Grifamos) (Incluímos)

O voto condutor do Acórdão, predecessor da jurisprudência vinculante, reafirma o

primado da natureza jurídica da operação, como elemento a ser considerado para na análise de

subsunção à regra de incidência tributária, e o faz em obséquio à segurança jurídica.

Neste mesmo sentido, reverbera o Min. Celso de Mello ao afirmar:

[...] a qualificação da “locação de bens móveis”, como serviço, para efeito de tributação municipal mediante incidência do ISS, nada mais significa do que inadmissível e arbitrária manipulação, por lei complementar, da repartição constitucional de competências impositivas, eis que o ISS somente pode incidir sobre obrigações e fazer, cuja matriz conceitual não se ajusta a figura contratual da locação de bens móveis. [...]

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Insista-se, portanto, na asserção de que, para efeito de configuração do contrato de locação de coisas (locatio rerum, que se distingue, juridicamente, da locatio operarum e da locatio operis faciendi), a entrega

de coisa não fungível constitui, nos termos de nosso estatuto civil (art. 1.188 c/c o art; 1.189, I)123, um dos essentialia negotii, como acentua MARIA HELENA DINIZ [...]

(STF, 2000, p.708-710)

O rigor quanto à caracterização da natureza jurídica da operação, à luz do direito civil,

como critério-mor para a aferição da subsunção tributária – ou mais especificamente, ao critério

da regra-matriz de incidência plasmada na norma tributária – superpondo-se, inclusive a

critérios teleológicos e econômicos, tão caros ao direito constitucional e ao direito político e

econômico, poderia, em análise superficial e apressada, ser alvo de críticas doutrinárias por

incorporar um viés por demais positivista. Se assim fora, não seria infundada a surpresa com o

seu prevalecimento no julgado em comento. Todavia, considerando que a atividade tributante

é das invasivas na esfera do cidadão – atrás, possível e tão somentemente, da persecução penal

– há que se impregná-la de temperança e de conservadorismo hermenêutico em face do imenso

poder coercitivo do Estado. Assim, não surpreende que ambos os julgadores retrocitados

ressaltaram o reconhecimento do próprio legislador quanto ao rigor exegético em matéria

tributária, plasmado no Código Tributário Nacional, Art. 110 e o escólio de Aliomar Baleeiro:

Combinado com o art. 109, o art. 110 faz prevalecer o império do Direito Privado – Civil ou Comercial – quanto à definição, conteúdo e ao alcance dos institutos, conceitos e formas daquele Direito [...]

Para maior clareza da regra interpretativa, o CTN declara que inalterabilidade das definições, conteúdo e alcance dos institutos, conceitos e formas do Direito Privado é estabelecida para resguardá-los no que interessa a competência tributária. O texto acotovela o pleonasmo para dizer que as “definições” e limites desta competência, quando estatuídos à luz do Direito Privado, serão as deste, nem mais, nem menos. 124

(BALEEIRO, 2010, p.687-688) (Grifamos)

Todavia, o debate doutrinário intenso, como revelado pelo apertado placar de 6 x 5 a

favor do posicionamento do Min. Marco Aurélio, não se esgotou com a decisão e, diga-se de

passo, ainda segue vivo, opondo, de um lado, os entes públicos responsáveis pela

123 Artigos do Código Civil de 1916 124 Código Tributário Nacional

Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários. Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas

de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

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regulamentação e aplicação do direito tributário e, de outro lado, os agentes econômicos,

predominantemente privados. Misabel Abreu Machado Derzi, em nota de atualização da

referida obra de Baleeiro, reporta a experiência pendular germânica sobre o tema:

A chamada interpretação segundo critério econômico, consiste em apreender o sentido das normas, institutos e conceitos jurídicos, de acordo com a realidade econômica subjacente. [...]

Depois de um período de franco declínio na Alemanha, em que, [...], a jurisprudência adotou a tese da primazia da “estrutura normativa do direito civil” e da concepção da unidade do ordenamento jurídico, ressurgiu, nos últimos 20 anos, depurada e renovada, a interpretação, que se norteia, em certas situações especiais, pelo critério econômico. O método teleológico forneceu-lhes os fundamentos e o princípio da igualdade, os valores. Sim, o novo método se situa “no campo de tensão entre a igualdade da tributação e o imperativo da segurança do direito” [...] O que é importante observar é que a interpretação “impropriamente chamada de econômica”, que tem prestígio na jurisprudência dos tribunais germânicos,

objetiva a apreensão teleológica da norma tributária, norteando-se por meio do princípio da igualdade. Pretende que situações econômicas idênticas submetam-se a idêntico tratamento tributário, repelindo simulações e fraudes jurídicas. [...] Mesmo assim, não se pode perder seus limites, porque perdê-los seria o arbítrio e a insegurança.

(BALEEIRO, 2010, p.689) (Grifamos)

O embate transcende o campo doutrinário, ferindo a realidade prática da dinâmica

econômica. Insegurança jurídica, longe de ser um conceito dogmático etéreo, é um fator de

aumento de custos de transação, na medida em que prolifera a atividade litigante, que, no âmbito

tributário, se desdobra em, pelo menos, duas esferas: administrativa e judicial. A mera análise

do relatório do Min. Relator do Extraordinário 116.121/SP revela o emprego sistemático de

uma “interpretação econômica imprópria” – parafraseando Derzi – do direito tributário em

todas as esferas decisórias até às portas da Corte Suprema. Não fora a persistência irresignada

do contribuinte, a demanda teria sido selada com base em interpretação substantivamente

apartada dos ditames do Código Tributário Nacional. O custo da escalada das esferas recursais

é comparável a uma dor constante e não diagnosticada. Parece invisível mas debilita nos agentes

econômicos privados, tanto em decorrência dos custos diretos dispendidos com a litigância,

quanto com as expressivas provisões contábeis que reduzem o desempenho presente, mercê da

prudência à futuro.

Neste contexto, há que se festejar a decisão do Pretório Excelso em favor a orientação

emanada do Estatuto Tributário, cuja ementa se transcreve:

"Ementa: Tributo - Figurino constitucional. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. Imposto sobre serviços - Contrato de locação. A terminologia

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 114/226 constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação.

Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil,cujas definições são de observância inafastável - artigo 110 do Código Tributário Nacional." (RE 116121, Relator para o acórdão Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgamento em 11.10.2000, DJ de 25.5.2001) (STF, 2016)125 (Grifamos)

Em resumo, a tributação sobre aluguel de hardware é composta exclusivamente pelas

contribuições sociais e demais contribuições enumeradas na CF/88, Art. 149, aplicáveis

conforme disposto em lei, não havendo incidência de nenhum imposto sobre a operação, nem

ICMS, nem ISS.