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Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico

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Academic year: 2022

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Universidade Presbiteriana Mackenzie

Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico

Sergio Paulo Gomes Gallindo

M ARCO C IVIL DA I NTERNET E S ERVIÇOS NA N UVEM

Hermenêutica jurídica e tributação como indutores de inovação tecnológica

São Paulo

2016

(2)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 2/226

Sergio Paulo Gomes Gallindo

M ARCO C IVIL DA I NTERNET E S ERVIÇOS NA N UVEM

Hermenêutica jurídica e tributação como indutores de inovação tecnológica

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito.

O

RIENTADOR

: Prof. Dr. Eduardo Marcial Ferreira Jardim

São Paulo

2016

(3)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 3/226

G169m Gallindo, Sergio Paulo Gomes.

Marco Civil da Internet e serviços na nuvem : hermenêutica jurídica e tributação como indutores de inovação tecnológica / Sergio Paulo Gomes Gallindo. – 2017.

222 f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2017.

Orientador: Eduardo Marcial Ferreira Jardim.

Referências bibliográficas: f. 215-223.

1. Marco Civil da Internet. 2. Neutralidade da rede. 3. Sopesamento de princípios. 4. Serviços na nuvem. 5. Hipótese de incidência tributária.

6. Direito econômico. I. Título.

CDDir 340.0285

(4)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 4/226

(5)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 5/226

A todos que, motivados por mentes

inquietas, encontram na reflexão

acadêmica o instrumento e o espaço para

dar vazão à punção de busca do

conhecimento e da verdade, em prol do

bem social e para a realização de uma

existência racional digna e significativa.

(6)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 6/226

A

GRADECIMENTOS

A Deus, pela existência.

A Deus, pela razão.

A Deus, pela existência racional.

A Lidia, amor da minha vida, instigadora da minha jornada no Direito, pelo companheirismo nas reflexões.

A Gabriel e Michelle, filhos do amor, alvos do amor, pela reciprocidade no amor e pelo futuro.

A Lucio e Cleida (in memorian), amor de pai e mãe, pelo amor ao educar e à educação.

A Eduardo e Arianny, amor fraternal, por momentos em família, musicais e tecnológicos.

A Ana Carolina, Guilherme, Juliana e Felipe, sobrinhos amados, pela esperança no futuro.

A Nicinha, querida e especial cunhada, pela contagiante alegria de viver.

A Rosane e Arlindo, cunhados queridos, pelos vínculos indeléveis.

Aos amados, in memoriam, tio Gilson e tia Vani, por vibrarem comigo em cada passo trilhado.

Aos queridos afilhados do coração, oficiais e oficiosos, e seus queridos, pelo amor de família.

A Dr. Fernando e Regina, anjos da saúde e da fé, pela amizade e os cuidados transfronteiras.

Aos queridos Ester e Josmeyr, Natália, Eliana e Cícero (in memoriam), pela amizade sincera.

Ao Rev. Longuini e ao Rev. Jouberto, companheiros de reflexões teológicas, pela vivência.

Ao Dr. Ronaldo e ao Dr. Rassi, mestres, primeiros, no direito, pela amizade para além da cátedra.

À Brasscom, pelo apoio nesta jornada acadêmica e por suscitar a reflexão a partir da prática.

À Universidade Presbiteriana Mackenzie, por ter me acolhido, filho tardio do Direito, o mais jovem mackenzista.

Ao Prof. Dr. Eduardo Marcial Ferreira Jardim, orientador e amigo, pelo apoio de primeira hora e companheirismo no desenvolvimento destas reflexões.

Ao Prof. Dr. Alessandro Serafin Octaviani Luis, amigo e visionário, por descortinar o Direito Econômico da Inovação Tecnológica, pavimentando o caminho e qualificando estas reflexões.

Aos mestres e colegas do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pelo ambiente aberto, receptivo e estimulante.

Aos queridos companheiros de reflexão, de labuta, de fé, de sonhos e de realizações, que não

caberiam em muitas e muitas folhas, mas que cabem todos no coração e na razão.

(7)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 7/226

Resumo

A Lei Nº 12.965, de 23 de abril de 2014, usualmente referida no Brasil como Marco Civil da Internet e no exterior como The Internet Bill of Rights, representa uma importante experiência legislativa. A rede mundial tornou-se um serviço essencial para os cidadãos, os Estados e os negócios, em função do seu alcance geográfico, vocação de universalidade e ambiente aberto propiciador de acelerado compartilhamento de informações e desenvolvimento de aplicações. Na medida em que o Marco Civil da Internet começa a produzir seus efeitos no mundo jurídico e sobre os atores sociais que operam neste complexo ecossistema no âmbito pátrio, aumenta a necessidade de aprofundar-se a exegese do diploma.

Tradicionalmente, equipamentos informáticos são comercializados como mercadoria, em transações de compra e venda mediante a tradição do bem. Programas informáticos (software) são comercializados mediante licença de uso perpétuo. Em ambos os casos, o modelo comercial é usualmente de preços não recorrentes e a compra é contabilmente depreciável como ativo. Devido à expansão da Internet e à evolução tecnológica, novos modelos de negócio têm surgido em torno de certo conceito denominado, mercadologicamente, Serviços na Nuvem (Cloud Services). Tais ofertas disponibilizam, através da Internet e na medida da necessidade, capacidade de processamento e licenças de software, pagas mensalmente conforme o uso.

Este trabalho apresenta reflexões sobre a hermenêutica jurídica aplicável, à Lei 12.965 de 2014, empreendidas com base no conceito de princípios jurídicos e na técnica de sopesamento de princípios colidentes, deitando foco especial sobre a Neutralidade de Rede e investiga as hipóteses de incidência tributárias (fatos geradores) aplicáveis às modernas soluções de tecnologia da informação e comunicação levando em conta a natureza jurídica. As reflexões têm como pano de fundo a perspectiva do Direto Econômico e as formas de atuação do Estado na economia, em especial a forma indutiva.

Palavras-chave

Marco Civil da Internet; Neutralidade de Rede; Sopesamento de Princípios; Serviços na

Nuvem; Hipótese de Incidência Tributária; Direito Econômico.

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 8/226

Abstract

Brazilian Law 12.965, 23 April 2014, referred to as The Internet Bill of Rights (Marco Civil da Internet in Brazil), represents an important landmark in Brazil´s legal system. Given its geographical reach, universality and its open environment, conducive to information sharing and development of applications, the Internet has become an essential service to citizens, to governments and to the business, transcending national borders. As The Internet Bill of Rights starts producing effects within Brazilian legal environment and upon social actors operating in such a complex ecosystem, there is a growing need to deepen the exegesis of the legal diploma.

Traditionally, hardware is sold as merchandise in buy-and-sell transactions concluded perfected by the equipment delivery. Software as commercialized as perpetual right of use license. In both cases, the commercial model is usually based in non-recurring prices, and the purchase is accounted as asset subject to depreciation. Given the Internet expansion and the technology evolution, new business models have emerged around a certain concept, known in the market as Cloud Services. Such offerings make available processing capacity and software licenses, through the Internet, in accordance to the customer´s need, and paid on recurring charges based on the usage.

This work presents considerations about interpretation applicable to Law 12.965/2014, undertaken on the basis of its own legal principles and on the weighting of colliding principles, focusing on Net Neutrality and investigates taxation regimes (tax incidence hypotheses) applicable to new information and communication technologies, taking into account the juridical nature of the solutions. Considerations hereto presented rely on Economic Law as backdrop, regarding, in particular, ways in which the State intervenes in the economy, especially using the inductive form.

Keywords

The Internet Bill of Rights; Net Neutrality; Weighting of Principles; Cloud Services;

Taxation; Economic Law.

(9)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 9/226

Gráficos

Gráfico 1 – Investimentos (capex) e custos operacionais (opex) em datacenters ... 168

Gráfico 2 – Proporção das operações comerciais dos Serviços na Nuvem ... 169

Gráfico 3 – Controvérsias tributárias sobre Nuvem do Exterior e Cargas Tributárias ... 175

Gráfico 4 – Controvérsias tributárias sobre Nuvem Local e Cargas Tributárias... 178

Gráfico 5 – Relação entre Demanda e Preço ... 184

Gráfico 6 – Impacto linear de uma terceira variável sobre a Demanda ... 185

Gráfico 7 – Relação entre Oferta e Preço ... 187

Gráfico 8– Impacto linear de uma terceira variável sobre a Oferta ... 187

Gráfico 9 – Equilíbrio entre Demanda e Oferta ... 189

Gráfico 10 – Novo equilíbrio entre Demanda e Oferta devido a Demanda Forte ... 190

Gráfico 11 – Desequilíbrio demanda-oferta causado pela tributação ... 191

Gráfico 12 – O novo equilíbrio demanda-oferta em face a tributação ... 193

Gráfico 13 – Variação de Preço Unitário x Quantidade no tempo para TIC... 200

Gráfico 14 – Decomposição da Demanda de TI em f(p) e u(t) ... 203

Gráfico 15 – Estratégias de tributação ... 206

Imagens Imagem 1 – Nuvem de palavras da Lei 12.965/2014, Marco Civil da Internet ... 17

Imagem 2 – Softwares “de prateleira”: invólucros, mídias e palavras-chave ... 140

Imagem 3 – Lojas virtuais (esq. p/ dir.): Google Play, Apple App Store, e Microsoft Store 148 Imagem 4 – Portais de Comércio Eletrônico: Alibaba e Submarino.com ... 148

Imagem 5 – Lojas Virtuais como Apps de smartphone: Submarino, Alibaba e Kalunga ... 151

Imagem 6 – Comercialização de licenças de software por tempo definido ... 152

Imagem 7 – Arquitetura de Datacenters definidos por Software ... 159

Imagem 8 – Configuração da oferta de computação na nuvem Amazon EC2 ... 160

Imagem 9 – Precificação e pagamento da computação na nuvem Amazon EC2

144

... 161

Imagem 10 – Liderança do mercado de computação na nuvem, base 3T-2016 ... 162

Imagem 11 – Softwares na nuvem: TOTVS (ERP); Salesforce (CRM); Dropbox. ... 163

Quadros Quadro 1 – Histórico dos marcos jurídicos pertinentes a ICMS sobre software ... 123

Quadro 2 – Aumento de carga tributária decorrente do Decreto nº 61.522/2015-SP ... 133

Quadro 3 – Incidência Tributária sobre Nuvem com Procedência do Exterior... 174

Quadro 4 - Incidência Tributária sobre Nuvem com Procedência Local ... 176

Quadro 5 – Desempenho dos perfis de tributação ... 207

(10)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 10/226

Abreviaturas

ADI ou ADIn Ação Direta de Inconstitucionalidade ADSL Asymmetric Digital Subscriber Line Anatel Agência Nacional de Telecomunicações

CF/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Cofins Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social CPE Customer Premise Equipment

CRTC Canadian Radio-television and Telecommunications Commission CTN Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, Código Tributário Nacional CTS-FGV Centro de Tecnologia e Sociedade

Fundação Getulio Vargas Direito Rio

FUST Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações GPS Global Positioning System (Sistema Global de Posicionamento) IaaS Infrastructure as a Service (Infraestrutura como Serviço) IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Serviços, disposto da CF/88, Art. 155, II.

IOF Imposto sobre Operações Financeiras, a saber, o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários disposto da CF/88, Art. 153, V.

IP Internet Protocol (Protocolo da Internet) IPTV TV over IP (Televisão sobre IP)

ISSQN ou ISS Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, disposto da CF/88, Art.

156, III.

MCI A Lei Nº 12.965 de 23 de abril de 2014, Marco Civil da Internet MPLS Multi-Protocol Label Switching

NIST National Institute of Standards and Technology U.S. Department of Commerce

PaaS Platform as a Service (Plataforma como Serviço) PIS Programa de Integração Social

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios QoS Quality of Service

RE ou RExt Recurso Extraordinário REsp Recurso Especial

SaaS Software as a Service (Software como Serviço) STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça TI Tecnologia da Informação

TIC Tecnologia da Informação e Comunicação

VoIP Voice over IP (Voz sobre IP)

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Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 11/226

Sumário

Resumo ... 7

Palavras-chave ... 7

Abstract ... 8

Keywords ... 8

1 Introdução - A relevância da Internet e seus desdobres jurídicos ... 13

2 Neutralidade de Rede no Marco Civil da Internet ... 16

2.1 Marco Civil da Internet à luz do Direito Econômico ... 16

2.2 Colisão e sopesamento de princípios ... 20

2.3 Dos princípios do Marco Civil da Internet (Art. 2º) ... 32

2.4 Das garantias do Marco Civil da Internet (Art. 3º) ... 35

2.5 Da preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede (Art. 3º, V) ... 37

2.6 Da liberdade dos modelos de negócio promovidos na Internet (Art. 3º, VIII) ... 39

2.7 Princípios teleológicos, econômicos e sociais e (Art. 2º, Art. 3º e Art. 4º) ... 40

2.8 Neutralidade de rede como princípio (Art. 3º, IV e Art. 9º) ... 46

2.9 Priorização de tráfego e neutralidade básica de rede ... 56

2.10 Subsídio comercial e princípios sociais da Internet ... 59

2.11 Ordem-moldura, ordem-fundamento e espaços de discricionariedade ... 66

2.12 Normativos conceituais para regulamentação do Marco Civil da Internet ... 71

2.13 Considerações finais sobre Neutralidade de Rede ... 74

3 Tributação sobre Serviços na Nuvem... 76

3.1 Serviços na nuvem, o novo fenômeno econômico na Internet ... 76

3.2 A importância de uma tributação adequada ... 77

3.3 Natureza técnica do hardware e do software ... 79

3.4 Natureza jurídica do hardware e do software ... 85

3.4.1 Natureza jurídica do hardware ... 85

3.4.2 Natureza jurídica do software ... 86

3.4.3 Natureza jurídica do software no direito internacional ... 93

3.5 Relevância dos princípios da legalidade e da tipicidade tributárias ... 98

3.6 Incidência tributária sobre hardware ... 104

3.6.1 Incidência tributária sobre hardware conforme a Constituição ... 104

3.6.2 Da incidência de imposto sobre aluguel de hardware ... 108

3.7 Incidência tributária sobre software ... 114

3.7.1 Tributação sobre software conforme ordenamento complementar ... 114

3.7.2 Controvérsias concernentes a tributação de software ... 121

3.7.3 Incidência tributária sobre software conforme a Constituição ... 137

3.8 Incidências tributárias constitucionais sobre serviços na nuvem ... 157

3.8.1 Controvérsias tributárias sobre a nuvem e efeitos na carga tributária ... 170

4 Tributação ótima sobre produtos de Tecnologia da Informação ... 180

4.1 Funcionamento teórico do mercado e o efeito da tributação ... 182

4.1.1 Demanda e oferta ... 182

4.1.2 Demanda e oferta em mercados perfeitamente competitivos ... 188

4.1.3 Impacto da tributação sobre o equilíbrio demanda-oferta ... 190

4.1.4 Demonstrações relevantes ... 194

4.2 Otimização da tributação de bens e serviços de TI e TIC ... 196

4.2.1 Marco teórico aplicável à questão... 196

4.2.2 Ciclo de vida mercadológico de bens e serviços de TI e TIC ... 198

4.2.3 Preço e utilidade como propulsores da demanda ... 200

(12)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 12/226

4.2.4 Função indutora e extrafiscalidade ... 203

4.2.5 Análise comparativa de estratégias tributárias de viés extrafiscal ... 205

4.3 Considerações finais sobre tributação ótima ... 207

5 In Fine - Hermenêutica, contribuições e conjecturas ... 209

Referências ... 218

(13)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 13/226

1 Introdução - A relevância da Internet e seus desdobres jurídicos

A Internet é um importante fenômeno tecnológico, econômico e social desdobrado em escala global. A partir de um projeto com foco em defesa, empreendido nos Estados Unidos na década de 1960, a Internet expandiu-se ao ser absorvida pelas universidades e empresas de alta tecnologia norte-americanas, transformando-se em tecnologia multifacetada, viabilizadora e impulsionadora de várias atividades, e que evolui permeando inúmeros aspectos da vida social e econômica. É inegável o papel da Internet como o mais ágil e abrangente meio de conexão entre pessoas e empresas, possibilitando a livre circulação de ideias, informação, conhecimento e cultura. Transformou-se também em um espaço de negócios, no qual transações de compra e venda são realizadas, hodiernamente, com rapidez sem precedentes, chegando a incríveis intervalos de milissegundos, como é o caso das transações financeiras através de redes de baixa latência. A Internet se tornou um espaço de ativismo político, tendo sido essencial para os movimentos sociais conhecidos como Primavera Árabe, eclodidos no norte da África e no Oriente Médio em 2010 e nas manifestações populares ocorridas no Brasil em 2013.

De acordo com o portal Internet World Stats, a Internet conectava cerca de 3,1 bilhões

de usuários no mundo em meados de 2014, representando uma penetração de 42,3% em relação

à população mundial de 7,2 bilhões de pessoas. De acordo com a PNAD, Pesquisa Nacional

por Amostra de Domicílios do IBGE, publicada pelo portal Teleco, o Brasil encerrou 2013 com

85,6 milhões de usuários conectados à Internet, representando 49,4% da população com idade

igual ou superior a 10 anos. Tal percentual é superior à média mundial, mas substantivamente

inferior à penetração na América do Norte, Austrália/Oceania e Europa, com 87,7%, 72,9% e

70,5% respectivamente. Todavia, segundo dados da Anatel, publicados pelo portal Teleco, ao

final de 2014 o Brasil contava com 180,6 milhões de acessos banda larga, sendo 22,7 milhões

de acessos fixos, 6,4 milhões de acesso máquina-a-máquina e os restantes 151,5 milhões de

acesso via celulares 3G e 4G. Ou seja, o Brasil teria entrado em 2015 com cerca de 85,9 acessos

banda larga para cada 100 habitantes, posicionado logo atrás da América do Norte. A

comparação entre número de usuários de internet e a quantidade de acessos banda larga

demonstra haver concentração da disponibilidade de acesso em detrimento de acesso

universalizado. Há, portanto, que se continuar fomentando a Internet no Brasil como meio de

integração social e desenvolvimento condizente com a era da economia do conhecimento.

(14)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 14/226

O Marco Civil da Internet comporta ampliação de escopo de pesquisa em várias outras áreas, das quais destacamos direito consumerista, defesa da privacidade e proteção aos dados pessoais e conflitos de jurisdição internacional.

A Lei Nº 12.965, de 23 de abril de 2014, usualmente referida no Brasil como Marco Civil da Internet e no exterior como The Internet Bill of Rights, representa, no tocante ao Internet como fenômeno econômico e social, uma importante experiência legislativa. A rede mundial tornou-se um serviço essencial para os cidadãos, os Estados e os negócios, em função do seu alcance geográfico, vocação de universalidade e ambiente aberto propiciador de acelerado compartilhamento de informações e desenvolvimento de aplicações. Na medida em que o Marco Civil da Internet começa a produzir seus efeitos no mundo jurídico e sobre os atores sociais que operam neste complexo ecossistema no âmbito pátrio, aumenta a necessidade de aprofundar-se a exegese do diploma, principalmente em relação à temas polêmicos, como é o caso da Neutralidade de Rede e os novos modelos de negócio desenvolvidos na rede mundial.

A incidência tributária sobre os fatos jurídicos de origem tecnológica também passa a ser um desafio. Tradicionalmente, equipamentos informáticos são comercializados como mercadoria, em transações de compra e venda mediante a tradição do bem. Programas informáticos (software) são comercializados mediante licença de uso perpétuo. Em ambos os casos, o modelo comercial é usualmente de preços não recorrentes e a compra é contabilmente depreciável como ativo. Devido à expansão da Internet e à evolução da tecnológica, novos modelos de negócio têm surgido em torno de certo conceito denominado, mercadologicamente, Serviços na Nuvem (Cloud Services). Tais ofertas disponibilizam, através da Internet e na medida da necessidade, capacidade de processamento e licenças de software, pagas mensalmente conforme o uso. Tal evolução tem sido fonte de insegurança jurídica do seio de interpretações díspares por parte de entes federados, desaguando em bitributação. Se faz mister, portanto, o aprofundamento dos fatos jurídicos de origem tecnológica para a determinação de incidências tributárias que sejam estabelecidas em conformidade com o Sistema Tributário Constitucional.

Este trabalho (i) apresenta reflexões sobre a hermenêutica jurídica aplicável, à Lei

12.965 de 2014, empreendidas com base no conceito de princípios jurídicos e na técnica de

sopesamento de princípios colidentes, deitando foco especial sobre a Neutralidade de Rede,

(ii) investiga as hipóteses de incidência tributária (fatos geradores) aplicáveis às modernas

(15)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 15/226

soluções de tecnologia da informação e comunicação levando em conta a natureza jurídica dos

fatos tecnológicos e (iii) explora os efeitos da tributação sobre a economia, a partir da teoria

microeconômica do equilíbrio oferta-demanda, deitando luzes sobre o uso da extrafiscalidade

como instrumento de maximização do benefício econômico-social agregado para bens de

tecnologia da informação e comunicação. Estas reflexões têm como pano de fundo a perspectiva

do Direto Econômico e as formas de atuação do Estado na economia, em especial a forma

indutiva.

(16)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 16/226

2 Neutralidade de Rede no Marco Civil da Internet

2.1 Marco Civil da Internet à luz do Direito Econômico

O Marco Civil da Internet é naturalmente atrelado aos grandes ramos do direito que se tratam da proteção dos direitos dos usuários, tanto de viés consumerista quanto relativamente à privacidade, bem como o disciplinamento da responsabilidade civil dos próprios usuários e dos atores envolvidos com o provimento de serviços, conexões ou aplicações, nos casos de usos indevidos causadores de danos a terceiros ou de perpetração de condutas ilícitas. Temas pressupostamente mais técnicos, tais como estabilidade e neutralidade de rede, sobressaem-se, em uma primeira aproximação do texto legal, mais pelos efeitos protetivos e assecuratórios em favor dos usuários, do que por quaisquer implicações econômicas que possam ensejar, em que pese serem admitidas de forma genérica.

Uma rápida análise sobre a frequência com que termos e expressões aparecem no texto da lei confirma a ênfase em certos temas em detrimento de outros. A alta incidência dos termos provedor(es), com 16 ocorrências, e usuário(s), com 10 ocorrências, revela foco nos atores sociais envolvidos com a Internet, seus direitos e suas condutas. Com efeito, a palavra direito aparece 17 vezes no texto legal. Os aspectos tecnológicos também merecem destaque no texto, como evidenciado pelo aparecimento da palavra tecnologia em 8 circunstâncias. O foco nos aspectos pessoais dos usuários também se faz realçar pela ocorrência de 5 repetições da palavra intimidade e 4 da palavra privacidade, quase sempre acompanhadas da palavra proteção que é repetida 8 vezes. Todavia, a importância da Internet como fenômeno econômico é indubitável, de tal sorte que não seria razoável supor a ausência do indispensável olhar do direito econômico sobre o tema. Neste sentido, o termo econômico(a) aparece 6 vezes no texto e as expressões correlatas livre iniciativa, livre concorrência e negócios, aparecem uma vez. São também significativas as 2 ocorrências da palavra inovação, que congrega significado técnico e de negócios com desdobre econômico.

Esse tipo de levantamento quantitativo tornou-se muito frequente no âmbito da própria

Internet, sendo importante ferramenta de análise de tendências nas redes sociais. O resultado é

comumente expresso com um gráfico denominado nuvem de palavras (word cloud), no qual as

palavras mais frequentes aparecem com mais destaque. A Imagem 1, mostra, à guisa de

exemplo, dentre as estatísticas suprarreferidas as mais relevantes para estas reflexões.

(17)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 17/226 Imagem 1 – Nuvem de palavras da Lei 12.965/2014, Marco Civil da Internet

Ao aproximar o Marco Civil da Internet do Direito Econômico se faz mister perscrutar o seu posicionamento em face a atuação econômica pretendida pelo Estado. Primeiramente, de acordo com a categorização dos instrumentos de execução de política pública proposto por Fábio Konder Comparato, estamos diante de ato de império materializado por uma norma impositiva, denotando forma de intervenção direta.

1

Todavia, os dispositivos concernentes aos aspectos econômicos, que situam-se nos Arts. 2º, 3º e 4º da lei, ao consubstanciarem o conjunto principiológico do diploma, fogem ao figurino impositivo vislumbrado por Comparato, que inclui disposições bastante mais prescritivas, tais como, emissão, valor e circulação de moeda, crédito, sistema bancário e de seguros, entre outros. Princípios são normativos particulares, que cumprem papel diferenciado no âmbito do direito e que, por esta razão, são objeto de hermenêutica própria, tema que abordaremos com mais detalhes em seções subsequentes deste texto. No tocante à classificação esboçada por Eros Grau

2

e esposada por Alessandro Octaviani

3

, não resta dúvida de que o Marco Civil da Internet, com base em seus princípios

1 “Na execução de sua política econômica, o Estado pode agir unilateralmente, exercendo prerrogativas de imperium ou entrar em colaboração com os agentes privados da economia, numa posição de relativa igualdade. Atuando da forma imperativa sobre as estruturas econômicas, o Estado poderá agir

diretamente ou por intermédio de entidades públicas de descentralizadas. No primeiro caso, a ação estatal traduzir-se-á por um conjunto de normas impositivas, disciplinando [...]” (COMPARATO, 1978, p.467) (Grifamos)

2 “Passa o Estado a dinamizar técnicas específicas de atuação, técnicas que – a partir do direito brasileiro – assim classifico: 1. Atuação na economia: 1.1 atuação por absorção, quando o Estado assume, em regime de monopólio, o controle dos meios de produção e/ou troca de determinado setor; 1.2 atuação por participação, quando o Estado assume parcialmente (em regime de concorrência com agentes do setor privado) ou

participa do capital de agente que detém o controle patrimonial de meios de produção e/ou troca de

determinado setor; 2 atuação sobre a economia: 2.1 atuação por direção, que ocorre quando o Estado exerce pressão sobre a economia, estabelecendo normas de comportamento compulsório para os agentes

econômicos; 2.2 atuação por indução, que ocorre quando o Estado dinamiza instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados. (GRAU, 2008, p.27) (Grifamos)

3 “(vi) o direito econômico, surgido desse quadro tenso, ainda quando não chegue ao ponto de ser postulado como reformulador do próprio modo de produção capitalista, terá em suas hipóteses de incidência os principais eixos da acumulação econômica, submetendo-os, via de regra, a normas gerais obrigatórias, de

(18)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 18/226

econômicos, é instrumento de atuação sobre a economia, visto que não propugna, absorção ou participação direta na atividade econômica relacionada à Internet, muito embora, tampouco vede a atuação participativa. No tocante à participação do Estado por absorção, ainda que não tenha sido explicitamente vedada no texto do Marco Civil da Internet, deve ser considerada tacitamente ab-rogada, pois, do contrário, precisaria ser explicitamente disposta em lei, uma vez que equivale a atuação monopolista, excluindo a participação da iniciativa privada.

Questão relevante se apresenta ante a dificuldade de se enquadrar mandamentos principiológicos nas categorias erigidas por Grau. Não resta dúvida quanto ao aspecto imperativo dos princípios, o que poderia, de antemão, fazer pressupor, como decorrência, uma atuação por direção. Todavia, a efetiva aplicação de princípios é limitada pela sua própria generalidade. É a projeção de sua generalidade sobre à especificidade de casos concretos que faz exsurgir sua própria aplicação. Neste sentido, repita-se, embora mandamentos imperativos, princípios não são prescritivos por natureza, sendo, não raro, moduladores da prescritividade de outros normativos. Assim sendo, embora os princípios do Marco Civil da Internet se enquadrem como instrumentos de atuação por direção, estão longe de constituir normas compulsórias a moldar condutas específicas. Neste sentido, a diretividade da atuação ganha contornos de orientatividade, no sentido de ser comando de viés mais aspiracional do que literalmente mandatório. Sem embargo do exposto em que pese características peculiares das normas principiológicas, parece pertinente a caracterização do Marco Civil da Internet como ferramenta legal de atuação por direção. Esta conclusão, porém, poderia induzir a conclusão precipitada sobre a não caracterização do diploma da Internet como instrumento de atuação por indução, seja por mera exclusão, ou pelo entendimento de que princípios, por serem normativos imperativos, ou normas-objetivo, não agasalham facultatividade, característica nuclear identificada por Octaviani.

4

Com efeito, a facultatividade não é da natureza dos princípios, principalmente de princípios constitucionais, como são vários dos enunciados no Marco Civil da Internet. Todavia, ao atuar como moduladores de outros dispositivos legais e infralegais, os princípios acabam por propiciar, aos atores sociais interessados, um amplo espaço de escolha de condutas e, decorrentemente, de defesa das mesmas em caso de contestação judicial.

Observa-se, então, um efeito similar ao da facultatividade, a saber, a escolha de condutas a

cunho cogente (atuação do Estado SOBRE o domínio econômico por direção ou atuação Estado NO domínio econômico por absorção ou por participação), ou de normas gerais de adesão individual e facultativa (atuação do Estado SOBRE o domínio econômico por indução)” (OCTAVIANI, 2014, p.17) (Grifamos)

4 Ibidem, p.17, in fine.

(19)

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adotar e a não adotar, por parte dos atores sociais, possibilitada por certa latitude jurídica ex legis. Neste sentido, princípios são análogos ao sistema de transmissão automotivo. Quando confrontado com o desafio de subir uma ladeira, o motorista tem à sua disposição a possibilidade de reduzir a marcha para aumentar o torque. Ao ver superado o aclive e vendo-se em uma autoestrada, o condutor passa a elevar as marchas, buscando maior velocidade

5

. Assim sendo, já de plano se pode considerar que a conjugação e a aplicação harmoniosa dos princípios do Marco Civil da Internet constituem, também, forma de atuação sobre a economia por indução. Os efeitos evidenciadores de tal caracterização serão explorados ao longo deste texto.

Comparato e Grau realçam a importância do planejamento como instrumento de atuação do Estado sobre a economia. Com efeito, ainda hodiernamente, é pela via do planejamento e de sua materialização em ordenamento legal e infralegal que se leva a efeito a implementação de muitas políticas públicas com objeto econômico. Há que se desafiar este senso comum com base no substantivo aumento de complexidade dos diversos ecossistemas de atores sociais envolvidos em temas econômicos e a velocidade com que tais atores e seus ecossistemas se comunicam, tanto intra quanto interssistemicamente, tomam decisões, colaboram e competem, produzem e vendem, contratam e rescindem, buscando sempre permanecer sob o manto da segurança jurídica. Cada vez mais, alarga-se a base dos destinatários de normas e princípios, alcançando, para além dos atores sociais diretamente envolvidos com as questões de certo desafio econômico, tais como, produtores e consumidores, um universo mais abrangente de atores dotados de algum poder de influência ou até mesmo de diretividade, tais como, operadores do direito (juízes e desembargadores, Ministério Público e advogados), agências reguladoras, autoridades policiais, órgãos de defesa do consumidor, organizações representativas da sociedade civil, dentre outros. Os princípios e as normas do Marco Civil da Internet alcançam todos os possíveis atores interessados e a sua interpretação é, indubitavelmente, indutora de condutas, que poderão ser melhores ou piores, no sentido da consecução dos objetivos político-econômicos, quão mais bem harmonizadas e balanceadas as próprias interpretações estiverem teleologicamente. Neste sentido, o aspecto funcional do direito econômico acaba por transcender a ação pressupostamente direta e objetiva que embasa a concepção e a execução de um plano econômico, influenciando percepções individuais e

5 Analogamente, se consideramos princípios jurídicos como semelhantes a ingredientes de uma receita de bolo, o sopesamento é a dosagem de cada ingrediente em função do resultado buscado: (i) mais açúcar para um bolo doce, (ii) mais fermento para um bolo grande e fofo, (iii) menos manteiga para um bolo mais “seco”. Com os mesmos ingredientes pode-se produzir um bolo pequeno, massudo e dulcíssimo ou um bolo grande, aerado e delicadamente suave.

(20)

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coletivas sobre fenômenos econômicos de grande alcance social, cada vez mais corriqueiros nas economias de massa, tanto em ambiente político democrático ou não.

A par de todos os demais propósitos que o motivaram ou que dele tenham decorrido, o Marco Civil da Internet é, com efeito, um poderoso instrumento de Direito Econômico, sendo imperioso considerá-lo como tal. Necessário se faz, destarte, o empenho em aprofundar a reflexão sobre as técnicas jurídicas apropriadas, visando maximizar a eficácia dos seus efeitos.

2.2 Colisão e sopesamento de princípios

A questão da neutralidade de rede surgiu nos Estados Unidos na década de 90 a partir de denúncias de práticas de bloqueio ou retardamento de tráfego realizadas por operadoras de telecomunicação de forma discriminatória em relação à certos provedores de aplicação, notadamente, conferências de voz ou vídeo, ou replicação e compartilhamento de conteúdo, usualmente música ou filmes. Deste então o tema tem se avultado, tanto como debate técnico quanto jurídico. No Brasil o tema polarizou o debate durante a tramitação do projeto de lei do chamado Marco Civil da Internet, terminando por ser positivado nos artigos 3º e 9º.

Àqueles menos afetos à interpretação jurídica, princípios aparentam ser dicções vagas, quase meramente ideológicas. Outros poderiam vê-los como fruto da prudência do legislador, que, por receio de incorrer em omissões quanto à aspectos relevantes, enuncia dispositivos genéricos com base no senso comum para promover certo nível de completude ou exaustividade ao texto da lei. Alguns se questionam se asserções assim genéricas são aplicáveis de plano.

Longe de tais impressões equivocadas, princípios e garantias são elementos essenciais de sistemas jurídicos, tendo incorporado importância crescente, como técnica legislativa e como balizadores da hermenêutica jurídica, tanto em sede de direito constitucional, quanto nos vários outros ramos do direito nos quais são empregados.

Quanto à sua natureza princípios são enunciados mandamentais do alto nível de abstração que se prestam a nortear um sistema normativo. Neste sentido, vemos a perspectiva de Celso Antonio Bandeira de Mello:

É por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

(BANDEIRA DE MELLO, 1995, p.537)

(21)

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De plano, salta aos olhos a noção de sistema que nos remete à conceituação de Hans Kelsen sobre a natureza sistêmica de ordens jurídicas que comungam o mesmo fundamento de validade.

6

Em especial neste ponto, é importante não perder de vista que estamos diante da Ordem Constitucional Brasileira, ordem esta, de tipo dinâmico

7

que tem como critério de validade o poder constituinte originário de 1988, mas que agrega, na sua essência, o tipo estático,

8

que se manifesta pela pressuposta expectativa de coerência lógica. Os princípios constantes no texto magno, projetam seus efeitos normativos próprios por todo o ordenamento pátrio, legal ou infralegal, com base no mesmo fundamento de validade e, portanto, de forma equipotente. Tais efeitos se desdobram em dois aspectos distintos. O primeiro, realçado no escólio de Bandeira de Mello, diz respeito à compreensão do próprio sistema por intermédio da interpretação das diversas normas que o compõem, que devem ter, nos princípios, fundamento e balizamento. O segundo, não transparecido no referido excerto, é a necessária vinculação que a produção normativa a jusante de uma norma – ou conjunto de normas – conferidora de validade deve ter com esta norma hierarquicamente superior. Tal vinculação é, conforme Kelsen, consequência da estrutura escalonada da ordem jurídica

9

que se desdobra nos âmbitos formal e material, aquele em função da criteriosa observância da competência e dos ditames do processo legiferante e, este, mercê da coerência lógica que as normas derivadas por dependência devem necessariamente ter com as correspondentes normas superiores. Embora relevantes no tocante aos requisitos de validade incidentes sobre produção normativa, é na coerência lógica – ou de espírito, como alegoriza Bandeira de Mello – que os princípios exibem extraordinária importância e alcance.

Não sem razão, portanto, a dogmática constitucional relacionada a direitos fundamentais é permeada pela discussão em torno de princípios jurídicos. Observa-se

6 “Uma ‘ordem’ é um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo fundamento de validade.” (KELSEN, 2006, p.33)

7 “O tipo dinâmico é caraterizado pelo fato de a norma fundamental pressuposta não ter conteúdo senão a instituição de fato produtor de normas, a atribuição de poder a uma autoridade legisladora.” (KELSEN, 2006, p219)

8 “O princípio estático e o princípio dinâmico estão reunidos numa e na mesma norma quando [...] uma autoridade legisladora... ou uma outra por ela instituída não só estabelecem normas pelas quais delegam noutras autoridades legisladoras mas também normas pelas quais se prescreve uma determinada conduta dos sujeitos subordinados às normas e das quais – como o particular do geral – podem ser deduzidas novas normas através de uma operação lógica.” (KELSEN, 2006, p.220)

9 “A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante [...]” (KELSEN, 2006, p.247)

(22)

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significativa profusão conceitual nesta seara, alcançando também o direito econômico, compendiada por Grau

10

em sua interpretação e crítica da ordem econômica da Constituição de 1988. Iniciando pela distinção entre princípios explícitos, princípios implícitos e princípios gerais de direito, o autor prossegue fazendo referência a três juristas representativos das tradições jurídicas norte-americana, europeia e brasileira. De Dworkin, destaca a distinção entre princípios e diretrizes (“policy”), e a proximidade conceitual entre diretrizes e o seu próprio conceito de norma-objetivo. De Canotilho, enumera a classificação dos seus princípios jurídicos constitucionais, a saber: (a) princípios jurídicos fundamentais, (b) princípios políticos constitucionalmente conformadores, (c) princípios constitucionais impositivos e (d) princípios- garantias. Por fim, de José Afonso da Silva aproveita a distinção entre normas constitucionais de princípio, normas constitucionais de princípios gerais (normas-princípios) e princípios gerais de direito constitucional. Sem embargo da valorização do papel das taxonomias no entendimento científico de questões complexas e multifacetadas, Dworkin, na mesma obra citada por Grau, sugere que a distinção inicialmente proposta pode ser integralizada sob uma perspectiva utilitarista na qual princípios de justiça são objetivos disfarçados em enunciados jurídicos. De tal perspectiva, congruente com o conceito de norma-objetivo de Grau, reluz uma característica essencial e altamente relevante dos princípios: sua natureza teleológica. Tratam- se de enunciados jurídicos que visam moldar as condutas dos atores sociais, sem excetuar o Estado, direcionando-as à consecução e materialização de resultados pretendidos. Princípios são, portanto, o elo jurídico de mais alto nível entre abstração e concretude, entre intenção e realização, entre mandamento e finalidade. Representam, também, o primeiro indício da função que se pretende exercida pelo direito, ante as dicotomias aludidas por Bobbio,

11

a saber, entre (i) a função repressiva ou distributiva-promocional versus (ii) a função de conservação- estabilização ou inovação. Ora, o aspecto finalístico e funcional se mostra fulcral no diploma vertido sobre um fenômeno tecnológico, econômico e social da envergadura da Internet, do qual se espera expressiva evolução, tanto pelos efeitos da massificação do uso quanto pela continuidade da inovação tecnológica, mesmo considerando-se o expressivo impacto evolutivo já logrado até então.

Harmonia, em sentido musical, é o encadeamento de acordes, dentro de um sistema tonal, segundo certo padrão estético, de modo a constituir-se em uma sucessão agradável de

10 Ref. (GRAU, 2010, p.154-159)

11 Ref. (BOBBIO, 2008, p.108-109)

(23)

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sons.

12

O conceito pressupõe consonância, congruência e beleza. Quando aplicado ao direito, como no excerto de Bandeira de Mello, o conceito é desafiado pelo fato de que sistemas jurídicos não são imunes a contradições que emergem tanto do próprio processo democrático – do qual deriva a atividade legiferante – quanto do próprio conflito de interesses que o direito visa disciplinar com o fito de gerar paz social. Tais conflitos, quando plasmados no ordenamento, geram antinomias, que são ameaças à pretendida harmonia sistêmica no âmbito jurídico.

Ronald Dworkin, filósofo e constitucionalista norte-americano, em um deliberado e manifesto ataque ao positivismo, observa que, ao desenvolver arrazoado em sede de litigâncias envolvendo direitos e obrigações, em particular nos casos mais desafiadores nos quais ambos os conceitos demonstram-se agudamente problemáticos, advogados lançam mão de referenciais (standards) que não figuram como regras, pois, de modo diverso, operam como princípios jurídicos, diretrizes (policies) ou ainda outros tipos de referenciais, tais como, éticos, morais ou consuetudinários. Discorrendo sobre exemplos jurisprudenciais,

13

nos quais as cortes norte- americanas decidiram com base em princípios, Dworkin conclui que a diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica, pois, embora ambas se consubstanciem em referenciais balizadores de decisões sobre direitos e obrigações in casu, diferem no modo com as norteiam:

Rules are applicable in all-or-nothing fashion. If the facts a rule stipulates are given, then either the rule is valid, in which case the answer it supplies must be accepted, or it is not, in which case it contributes nothing to the decision.

(DWORKIN, 1978, p.24) 14 […]

12 Ref. a verbetes do dicionário Aurélio digital e do mini Houaiss, 4ª edição, 2010

13 No caso Riggs v. Palmer a corte americana decidiu que o sucessor assassino do próprio avô não receberia sua herança. Tal decisão, a despeito da inexistência de dispositivo proibitório nas leis testamentárias, foi baseada na consideração de que leis e contratos têm sua operação e efeitos sujeitos a máxima da Common Law de que ninguém pode lucrar com a própria fraude, ou auferir vantagem do próprio ilícito ou ainda postular direito com base na própria iniquidade.

No caso Henningsen v. Bloomfield Motors, Inc. o demandante logrou-se bem sucedido com base em conjecturas principiológicas que atenuaram a imutabilidade contratual (pacta sunt servanda) tais como: (i)

“Existe um princípio mais familiar e mais firmemente imbricado na história do direito anglo-americano que a doutrina na qual as cortes não se permitirão ser usadas como instrumentos de inequidade ou injustiça?” e (ii)

“Mais especificamente, as cortes geralmente recusam-se a sustentar a manutenção de uma “barganha” na qual uma parte auferiu injusta vantagem da necessidade econômica da outra...”

14 Cf. (DWORKIN, 1978, p.24)

Tradução livre do autor: “Regras são aplicadas no ‘tudo ou nada’. Se os fatos estipulados pela regra ocorrem, então ou a regra é válida e, nesta hipótese, o que ela prescreve deve ser aceito, ou a regra não é válida, e, nesta hipótese, ela não contribui em nada para a decisão.”

(24)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 24/226 Principles have a dimension that rules do not – the dimension of weight or importance. When principles intersect (the policy of protecting automobile consumers intersecting with principles of freedom of contract, for example), one who must resolve the conflict has to take into account the relative weight of each. This cannot be, of course, an exact measurement, and the judgment that a particular principle or policy is more important will often be a controversial one. Nevertheless, it is an integral part of the concept of a principle that it has this dimension that it makes sense to ask how important or how weighty it is.

(DWORKIN,1978, p.26-27)15 (Grifamos)

Dworkin identifica significativa aceitação, por parte das cortes norte-americanas, de princípios gerais da Common Law, máximas de cunho moral e, até mesmo, de posicionamentos assentados sobre o conceito de justiça, representando um alto grau de permeabilidade a fontes de direito estranhas ao meramente estatuído em lei, com força até mesmo para balizar decisões intrincadas. Tal constatação leva Dworkin a reconhecer uma técnica decisória particular empregada na apreciação destes referenciais jurídicos não positivados, que não são enquadráveis no critério binário de aplicabilidade versus irrelevância in casu. Os ditos referenciais, reunidos em suas diversas fontes e formas sob o conceito de princípios, são apreciados pelas cortes a partir de um critério de avaliação de importância, na qual cabe gradação. Ou seja, ao se levar em conta princípios como balizadores de uma decisão, as cortes norte-americanas avaliam a sua importância, relativamente a outros princípios e até mesmo relativamente a textos legais ou contratuais. Dworkin não só reconhece a prática como também a subscreve como adequada, como forma de “se levar os direitos à sério”.

No mesmo sentido apontado por Dworkin, e a partir da experiência jurisprudencial do Tribunal Constitucional Federal alemão, o jurista e filósofo do direito Robert Alexy sistematizou sua teoria dos direitos fundamentais na qual figura, com clareza, a técnica de hermenêutica jurídica de princípios. A perspectiva do autor é a de que a distinção entre regras e princípios está no âmbito das diferenciações teorético-estruturais, sendo a mais importante para a resolução de problemas que envolvem restrições de direitos fundamentais. O autor ressalta também que a referida distinção é instrumento que permite clarear as questões de competência entre as cortes constitucionais e o poder legiferante. Após discorrer sobre os

15 Cf. (DWORKIN,1978, p.26-27)

Tradução livre do autor: “Princípios têm uma dimensão que regras não têm – a dimensão do peso ou de importância. Quando princípios se intersectam (a diretriz de proteger o consumidor de automóveis intersecta com princípios da liberdade de contratar, por exemplo), aquele que deve resolver o conflito tem que levar em conta o peso relativo de cada um. Isto, claramente, não pode ser uma medida exata e o julgamento de que um certo princípio ou diretriz é mais importante será frequentemente controverso.

Todavia, é ínsito ao conceito de princípio que ele tenha tal dimensão, de modo que faz sentido questionar o quão importante ele é ou o quanto ele pesa.”

(25)

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critérios que tradicionalmente são empregados para distinguir regras de princípios, o pensador enuncia o seu próprio:

O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas de ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é o determinando pelos princípios e regras colidentes.

Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. [...] Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa e não uma distinção em grau.

Toda norma é ou uma regra ou um princípio.

(ALEXY, 2015, p.90-91) (Grifamos)

A denotação de princípios como mandamentos de otimização traz à tona duas características importantes. A primeira, de natureza operativa, é expressa pelo próprio autor como o fato de que a aplicação dos princípios não se dá de forma binário-proposicional, como é o caso das regras. Ainda que não se constituam em variáveis matemáticas, passíveis de assumir valores diversos em função de condições de contorno, o atendimento do ditame emanado de certo princípio deve ser objeto de gradação que leve em consideração a situação fática que evocou sua aplicação e a confrontação com outros princípios, de natureza distinta, também aplicáveis à referida situação em tela. Tal operatividade é observada no caso Lebach, apresentado a título de exemplo pelo autor, no qual se contrapõe a proteção da personalidade com a liberdade de informar via radiodifusão.

16

A segunda caraterística vem à luz ao perscrutarmos o que se pretende otimizar, que vem a ser o efeito que o direito produz no mundo fenomênico, seja por intermédio de sua aplicação pela via jurisdicional para pacificação de conflitos – que a paz alcançada seja a mais perene e abrangente possível –, seja pela sua materialização através das condutas de atores sociais ou de políticas públicas, redundando em efetivo e abrangente benefício social ou econômico. Trata-se aqui de uma otimização do resultado produzido a partir da aplicação do direito, ou seja, uma otimização de viés finalístico.

Em função da distinção conceitual entre princípios e regras, Alexy introduz, também, uma terminologia própria e distintiva para qualificar as antinomias verificadas no âmbito dos dois tipos de norma, definindo-as como colisões, quando incidentes sobre princípios, e

16 Cf. (ALEXY, 2015, p.164)

(26)

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conflitos, quando envolvem regras. Desta sorte, a diferenciação se torna mais aguda a partir da elaboração dos processos de resolução de antinomias. No caso de conflito de regras, o critério é o da mútua-exclusividade, a saber, ao final e ao cabo do processo exegético somente uma regra se mantém como juridicamente válida em relação à situação concreta e, por conseguinte, passível de ser aplicada:

[...] o conceito de validade jurídica não é graduável. Ou a norma jurídica é válida, ou não é. Se uma regra é válida e aplicável a um caso concreto, isso significa que também sua consequência jurídica é válida. Não importa a forma como sejam fundamentados, não é possível que dois juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si sejam válidos. Em um determinado caso, se se constata a aplicabilidade de duas regras com consequências jurídicas concretas contraditórias entre si, e essa contradição não pode ser eliminada por meio da introdução de uma cláusula de exceção, então, pelo menos uma das regras deve ser declarada inválida.

A constatação de que pelo menos uma regra deve ser declarada inválida quando uma cláusula de exceção não é possível em um conflito entre regras, nada diz sobre qual das regras deverá ser tratada desta forma. Esse problema pode ser solucionado por meio de regras como lex posteriori derrogat legi priori e lex specialis derogat legi generali, mas também é possível proceder de acordo com a importância de cada regra em conflito.

(ALEXY, 2015, p.92-93) (Grifamos)

No tocante aos princípios, Alexy defende que, ante a situações fáticas sobre as quais dois ou mais princípios são aplicáveis, ao invés de se buscar regras de exceção que invalidem juridicamente todos os princípios colidentes a menos do que restar aplicável, procura-se avaliar a relevância com a qual se reveste a aplicação de cada princípio colidente in casu, para determinar aquele que, pelo grau de relevância relativa, se apresenta preponderante sobre os demais.

As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre por exemplo quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com outro, permitido – um dos princípios tem que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. [...]

Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do peso.

(ALEXY, 2015, p.93-94) (Grifamos)

Como já observamos, a noção de peso é também identificada por Dworkin como uma

característica intrínseca dos princípios jurídicos e neste ponto observamos congruência entre os

dois autores.

(27)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 27/226

Alexy propõe uma lei de colisão que resolve o choque entre dois princípios em função de um condicionante decorrente do caso concreto que suscita a colisão. O resultado deste método é a prevalência de um dos princípios colidentes sobre o outro. Podemos sumarizar esta lei por intermédio de duas asserções proposicionais, a saber:

17

Considerando que P

1

e P

2

são princípios jurídicos distintos e que C

A

e C

B

são condicionantes fáticos relativos a situações fáticas, também distintos, temos:

Asserção I: Se ocorrer C

A

então (P

1

colide com P

2

) e (P

1

prevalece sobre P

2

).

Asserção II: Se ocorrer C

B

então (P

1

colide com P

2

) e (P

2

prevalece sobre P

1

).

O autor acrescenta que, da precedência (ou prevalência) de um certo princípio sobre o outro decorre uma norma jurídica aplicável à situação fática caracterizada, a saber, aquela abstratamente descrita no condicionante. Nos casos que deram origem à conceituação de colisão de princípios, tais consequências são decisões judiciais do Tribunal Constitucional Federal alemão, mas vemos a mesma mecânica nas decisões das cortes norte-americanas citadas como exemplos por Dworkin. Note-se, ainda, que a expressão condicionante denota a descrição hipotética de um fato jurídico que, caso se verifique no mundo fenomênico, faz exsurgir a consequência jurídica que emana do princípio prevalente

18

. Um certo condicionante só se verifica in casu quando ocorre um fato jurídico que se subsume à sua hipótese. Pode-se, então, complementar as asserções anteriores, no sentido de que produzam efeitos no mundo fenomênico.

Considerando que P

1

e P

2

são princípios jurídicos distintos, que C

A

e C

B

são condicionantes fáticos também distintos, que F

A

e F

B

são dois fatos jurídicos que se subsumem respectivamente C

A

e C

B

, e que N

1

e N

2

são normas jurídicas que decorrem dos princípios P

1

e P

2

, respectivamente, temos:

Asserção I-1: Se ocorrer C

A

então (P

1

colide P

2

) e (P

1

prevalece P

2

) e então surge N

1

. Asserção I-2: Se ocorre F

A

subsumindo-se a C

A

então aplique-se N

1

.

17 Utilizamos uma notação diferente da empregada pelo autor em favor da maior aderência ao idioma pátrio e maior grau de intuitividade.

18 Observa-se marcada similitude com o conceito de Regra-Matriz de Incidência Tributária introduzido e detalhado por Paulo de Barros Carvalho em sua obra Curso de Direito Tributário – 22ª edição. São Paulo:

Saraiva, 2010.

(28)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 28/226

Asserção II-1: Se ocorre C

B

então (P

1

colide P

2

) e (P

2

prevalece P

1

) e então surge N

2

. Asserção II-2: Se ocorre F

B

subsumindo-se a C

B

então aplique-se N

2

.

Congruentemente com o exposto, a lei de colisão enunciada por Alexy, tem a seguinte dicção:

As condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a consequência jurídica que tem precedência. (ALEXY, 2015, p.99)

Do enunciado de Alexy, resta evidente que a lei de colisão é completamente expressa pelo primeiro par de asserções, quando seus enunciados são tomados em sua generalidade. O outro par de asserções tem, portanto, valor meramente didático na medida em que deixa claro que a prevalência dos princípios colidentes pode mudar em face a outro condicionante, daí decorrendo um consequente jurídico-normativo diverso.

Alexy diz, ainda, que quando um princípio prevalece sobre o outro é porque o seu peso é maior que o peso do outro à luz do condicionante fático em questão. Assim, podemos transcrever as referidas asserções de modo mais sucinto recorrendo à notação da lógica proposicional matemática:

Considerando que

• P

1

e P

2

são princípios jurídicos distintos;

x é conectivo que denota colisão entre princípios;

· é conectivo que denota operação lógica e;

• → é conectivo que denota implicação lógica;

19

• C

A

é um condicionante fático descrito abstrata e hipoteticamente;

Peso(P

n

) denota o peso de um certo princípio jurídico;

Existe(N

1

) denota o exsurgimento de uma norma jurídica, ou seja, sua existência;

• N

1

é uma norma jurídica decorrente do princípio P

1

;

≡ é conectivo que denota subsunção;

• F

A

é um fato jurídico que se subsume a C

A

; e

19 O conectivo → denota implicação lógica que é expressa na sentença: Se ... então ... Ou seja, (A → B) significa Se A é verdadeiro então B é verdadeiro. O conectivo · denota a operação lógica ‘e’. A saber (C · D) significa que: se C é verdadeiro o resultado da expressão (C · D) é verdadeiro independentemente de D; se D é verdadeiro o resultado da expressão (C · D) é verdadeiro independentemente de C; e se C e D forem falsos o resultado da expressão (C · D) é falso.

(29)

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 29/226

Aplique(N

1

) denota a validade de N

1

in casu e sua consequente aplicação;

então temos as seguintes asserções:

Asserção 1: → · > →

Leia-se: Se em face a um condicionante fático, abstratamente descrito, dois princípios jurídicos colidem e um dos princípios, prevalece sobre o outro, ou seja, tem peso maior que o outro, então existe uma norma jurídica que incorpora os deônticos do princípio prevalente.

Asserção 2: ≡ → !

Leia-se: Se um fato jurídico concreto se subsume ao condicionante abstrato que dá origem a uma colisão de princípios, então aplique-se a norma que incorpora os deônticos do princípio prevalente.

Ressalte-se que a ordem de ocorrência das asserções no universo fenomênico pode se dar de duas maneiras distintas. Na atividade judicante o mais provável é que a constatação do fato jurídico F

A

preceda o surgimento da norma jurídica N

1

, já que a ocorrência do fato é trazida à luz do direito no seio de uma ação judicial. Assim, é na busca de uma sentença, em sede de processo, que, por intermédio de hermenêutica jurídica referenciada na argumentação dos advogados das partes e no arcabouço de direito aplicável – constitucional, legal, infralegal, e jurisprudencial – que o juízo deriva a condicionante abstrata C

A

a partir do fato concreto F

A

e, sopesando os princípios P

1

e P

2

, cria a norma N

1

aplicável. Usualmente a norma N

1

é aplicável in casu. Todavia, pode vir a ser, também, norma geral erga omnes, seja pelo fato de se tornar precedente em caso de alta relevância, situação típica da tradição Common Law, ou nas decisões de tribunais superiores, seja por ser proferida por tribunal constitucional, ou, no caso pátrio, em sede de ações de controle concentrado de constitucionalidade ou quando reconhecida a repercussão geral ou, ainda, quando assentada em súmula vinculante. Nestas circunstâncias, o fato F

A

surge primeiro, dele decorre a concepção abstrata da condicionante C

A

, o vislumbre da Asserção 1, a concepção da norma jurídica N

1

e, posteriormente, a sua aplicação, conforme determina a Asserção 2. Por outra banda, a Asserção 1 tende a preceder a Asserção 2 na atividade legiferante, quando o legislador se debruça sobre os princípios constantes em diplomas jurídicos com o fito de produzir outros diplomas, sejam de mesmo nível hierárquico, sejam de nível hierárquico inferior, objetivando disciplinar situações nas quais impera anomia.

Empreendendo reflexão sobre hipóteses ou condicionantes fáticos abstratos não cobertos por

regras já positivadas, o legislador gera novas normas a partir de sopesamento ex ante de

Referências

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