3.6 Incidência tributária sobre hardware
3.6.1 Incidência tributária sobre hardware conforme a Constituição
Da caraterização do hardware como bem móvel fungível de origem industrial, conforme
exposto no subcapítulo 3.4.1, decorre, além da incidência de PIS/Cofins e de IPI, a subsunção
à duas cadeias de incidência tributária, aplicáveis em função do tipo de transação: (a) a
incidência de ICMS nas transações de circulação, incluindo as decorrentes de compra e venda,
e (b) a não incidência de ISSQN no aluguel.
A incidência de ICMS nas transações de circulação de hardware tem fundamento na Lei
Complementar nº 87 de 1996, Art. 2º, incisos I, primeira parte, IV e V, transcritos:
Lei Complementar nº 87 de 13 de setembro de 1996 Art. 2° O imposto incide sobre:
I - operações relativas à circulação de mercadorias, [...]; [...]
IV - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;
V - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.
(Grifamos) (Grifamos)
Por força dos princípios da legalidade e da tipicidade tributária, já aludidos e arrazoados,
a efetivação da incidência de ICMS nos entes federados competentes deve se dar intermédio
das respectivas Leis Estatuais que dispõem a incidência do referido imposto. Neste sentido, e à
guisa de exemplo, temos a Lei nº 6.374 do Estado de São Paulo de 1989, cuja dicção dos artigos
correspondentes é transcrita abaixo:
Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 105/226 Lei nº 6.374 do Estado de São Paulo, de 01 de março de 1989
Artigo 2º - Ocorre o fato gerador do imposto:
I - na saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;
II - na saída de mercadoria de estabelecimento extrator, produtor ou gerador para qualquer outro estabelecimento, de idêntica titularidade ou não, localizado na mesma área ou em área contínua ou diversa, destinada a consumo ou a utilização em processo de tratamento ou de industrialização, ainda que as atividades sejam integradas;
[...]
IV - no fornecimento de mercadoria com prestação de serviços: a) não compreendidos na competência tributária dos municípios;
b) compreendidos na competência tributária dos municípios, mas que por indicação expressa de lei complementar sujeitem-se à incidência do imposto de competência estadual;
[...]
VII - na entrada no estabelecimento de contribuinte de mercadoria oriunda de outro Estado ou do Distrito Federal destinada a consumo ou a ativo fixo; (Grifamos)
O criterioso exame da lei ordinária estadual institutiva do gravame na esfera de
competência do ente federado revela impropriedade técnica quanto à caracterização da hipótese
de incidência positivada no Art. 2º, inciso I e II, em face a competência magnamente estatuída.
Enquanto a primeira dispõe, no Art. 155, II, a incidência do gravame na circulação de
mercadorias, os referidos dispositivos estaduais referem-se à saída de mercadoria. Tal
incongruência é digna de censura por afronta à hierarquia do ordenamento jurídico, que tem na
Constituição o seu pináculo. Como fator, de certa forma, atenuante observamos que a dicção
do diploma estadual paulista é inspirada no Art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro
de 1968, que estabelece normas gerais de direito financeiro, aplicáveis a, entre outros, impostos
sobre operações relativas à circulação de mercadorias. Todavia, seria de esperar que, a partir da
publicação da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, todos os diplomas estaduais
fossem harmonizados com a lei nacional regente e a Constituição.
Se faz mister, portanto, explicitar, a partir da doutrina, o critério material da incidência
tributária do ICMS emanado da Constituição e do ordenamento complementar. Neste sentido,
pondera Eduardo Jardim:
Bem, o fato jurídico tributário, denominado fato gerador pela legislação,
não consiste na descrição contida no art. 1º do Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968, que integra o Código Tributário Nacional, segundo o qual o aludido fato repousa basicamente na saída da mercadoria de
Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 106/226 estabelecimento comercial, industrial ou produtor ou mesmo na entrada, em se tratando de mercadoria importada.
[...] o átimo temporal não se confunde com o fato jurídico propriamente. Ainda que a saída física da mercadoria decorra de fato jurídico tributário, é necessário reconhecer que são duas realidades inconfundíveis. [...]
Com efeito, o fato jurídico sujeito ao ICMS não é a saída física nem mesmo a entrada, mas a realização de operações relativas a circulação de mercadorias, na exata conformidade com a descrição positivada no art. 155, inciso II, da Carta da República.
Em obséquio à linguagem inserta no referido comando constitucional, a palavra ‘operações’ abriga o significado de negócio jurídico lícito, no caso, a realização de venda e compra, enquanto o termo ‘circulação’ não se restringe ao aspecto meramente físico, mas sim, à transferência de titularidade, ao passo que o objeto da operação diz respeito à mercadoria, vale dizer, algo dentro do comércio e, portanto, destinado à operação de compra e venda.
(JARDIM, 2013, 178-179) (Grifamos)
Neste mesmo diapasão temos o comentário de Misabel Derzi na obra de Aliomar
Baleeiro:
São clássicas as ponderações de Aliomar Baleeiro ao refutar a opinião de que mera saída física de mercadorias pudesse configurar hipótese de incidência do ICM. [...]
A operação que dá ensejo à circulaçãoé, no dizer de Aliomar Baleeiro, “todo negócio jurídico que transfere a mercadoria desde o produtor até o consumidor final” ou, segundo Alcides Jorge Costa, “qualquer negócio jurídico ou ato jurídico material, que seja relativo à circulação de mercadoria”. (BALEEIRO, 2010, p.375) (Grifamos)
Conclui-se que o núcleo da hipótese de incidência do ICMS relativamente à circulação
de mercadorias é a transferência onerosa de titularidade da mercadoria por intermédio de uma
operação de compra e venda, que é aperfeiçoada pela tradição. A saída ou entrada de mercadoria
são, tão somente, critérios temporais da incidência da exação que, conquanto relevantes na
operacionalização dos lançamentos tributários, nada dizem, per se, sobre o fato jurídico
tributário.
O detalhamento ou a explicitação de itens específicos, substituição tributária e regimes
especiais, pode se dar por intermédio de diplomas infralegais, como é o caso do Decreto 45.490
do Estado de São Paulo de 30/11/2000 que estabelece o Regulamento do ICMS. No referido
diploma figura, no Artigo 313-Z19, §1º, itens 20-27, uma lista de equipamentos, classificáveis
como hardware sujeitos a disposições sobre responsabilidade pela retenção e pelo pagamento
do imposto incidente nas saídas de mercadorias, conforme transcrito abaixo.
Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 107/226 Decreto 45.490 do Estado de São Paulo de 30/11/2000 – RICMS 2000
Atualizado até o Decreto 62.189, de 19/09/2016
Artigo 313-Z19- Na saída das mercadorias arroladas no § 1° com destino a estabelecimento localizado em território paulista, fica atribuída a
responsabilidade pela retenção e pelo pagamento do imposto incidente nas saídas subseqüentes (Lei 6.374/89, arts. 8°, XLI, e 60, I):
I - a estabelecimento de fabricante ou de importador ou a arrematante de mercadoria importada do exterior e apreendida, localizado neste Estado; II - a qualquer estabelecimento localizado em território paulista que receber mercadoria referida neste artigo diretamente de outro Estado sem a retenção antecipada do imposto.
III - a estabelecimento localizado em outra unidade da Federação, conforme definido em acordo celebrado por este Estado. (Inciso acrescentado pelo Decreto 55.000, de 09-11-2009; DOE 10-11-2009)
§ 1° - O disposto neste artigo aplica-se exclusivamente às mercadorias adiante indicadas, classificadas nas seguintes posições, subposições ou códigos da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias - Sistema Harmonizado - NBM/SH:
[...]
20 - máquinas automáticas para processamento de dados, portáteis, de peso não superior a 10kg, contendo pelo menos uma unidade central de processamento, um teclado e uma tela, 8471.30;
21 - outras máquinas automáticas para processamento de dados, 8471.4;
22 - unidades de processamento, de pequena capacidade, exceto as das subposições 8471.41 ou 8471.49, podendo conter, no mesmo corpo, um ou dois dos seguintes tipos de unidades: unidade de memória, unidade de entrada e unidade de saída; baseadas em microprocessadores, com capacidade de instalação, dentro do mesmo gabinete, de unidades de memória da subposição 8471.70, podendo conter múltiplos conectores de expansão (“slots”), e valor FOB inferior ou igual a US$ 12.500,00, por unidade, 8471.50.10;
23 - unidades de entrada - exceto as do código 8471.60.54 -, 8471.60.5; (Redação dada ao item pelo Decreto 55.868, de 27-05-2010; DOE 28-05-2010; efeitos a partir de 01-07-2010)
23 - unidades de entrada, exceto as das posições 8471.60.54, 8471.60.5; 24 - outras unidades de entrada ou de saída, podendo conter, no mesmo corpo, unidades de memória, 8471.60.90;
25 - unidades de memória, 8471.70;
26 - outras máquinas automáticas para processamento de dados e suas unidades; leitores magnéticos ou ópticos, máquinas para registrar dados em suporte sob forma codificada, e máquinas para processamento desses dados, não especificadas nem compreendidas em outras posições, 8471.90;
27 - partes e acessórios das máquinas da posição 84.71, 8473.30;
Resta evidenciada a forma com a qual o autorizativo constitucional pode ser
desdobrado, com detalhes, no corpo normativo do ente federado. Observe-se, ainda, a
caracterização de hardware como equipamentos com capacidade de processamento de dados e
Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 108/226