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Normativos conceituais para regulamentação do Marco Civil da Internet

Diplomas jurídicos não deixam de ser uma forma sumarizada de dispor o direito. Neste

papel, representam um importante veículo de uniformização da linguagem e comunicação das

78 À data de submissão destas reflexões, já havia sido publicado o Decreto 8.771 de 11 de maio de 2016, que “Regulamenta a Lei no 12.965, de 23 de abril de 2014, para tratar das hipóteses admitidas de discriminação de pacotes de dados na internet e de degradação de tráfego, indicar procedimentos para guarda e proteção de dados por provedores de conexão e de aplicações, apontar medidas de transparência na requisição de dados cadastrais pela administração pública e estabelecer parâmetros para fiscalização e apuração de infrações.” Todavia, o referido diploma infralegal, embora tenha introduzido algumas poucas flexibilidades no tocante ao

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hipóteses de subsunção dos fatos às normas e os correspondentes prescritivos, consequentes da

aplicação das normas.

Cremos, pelo exposto, ter demonstrado o poder e a utilidade da hermenêutica baseada

no sopesamento de princípios, e a pertinência de lançar mão da técnica desde a atividade

legiferante. Tal aplicabilidade se reveste de altaneira relevância na reflexão e entendimento do

Marco Civil da Internet, tanto pelo novidadismo do fenômeno tecnológico, econômico e social,

quanto pelas auspiciosas perspectivas de desenvolvimento futuro, cuja visão ainda é turvada

pela incerteza advinda do próprio processo de destruição criativa ínsito da economia da

inovação.

Assim, lançando mão do espaço de discricionariedade epistêmica com base em cognição

empírica, que, oxalá, tenhamos logrado transmitir e tenuemente tangibilizar, registramos aqui,

sob a forma de normativos, as principais conclusões e recomendações emanadas das reflexões

empreendidas neste texto sobre a Lei 12.965/2014, Marco Civil da Internet, seus princípios e,

com especial relevância, o Princípio da Neutralidade de Rede:

Norm. 1º - Na interpretação, aplicação ou materialização do disposto na Lei 12.965 de 2014, seus princípios, direitos fundamentais e garantias, deve-se sempre considerar a natureza global da rede, sua governança multissetorial e seus impactos no âmbito interno e nas relações internacionais.

Norm. 2º - A preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede é tarefa coletiva dos provedores de telecomunicações, tanto de serviço fixo como móvel, e dos provedores de acesso, do CGI, Comitê Gestor da Internet em alinhamento com a governança global da Internet e da Anatel, Agência Nacional de telecomunicações. §1º- Os padrões e procedimentos técnicos operacionais a serem empregados no Brasil, devem observar aderência aos padrões internacionais e acompanhar a dinâmica de introdução de novas tecnologias e padrões.

§2º- A fiscalização das concessionárias e autorizadas de serviços de telecomunicações fixo e móvel deve contemplar a adoção de arquitetura de rede aberta e distribuída e de padrões internacionais abertos que garantam a interoperabilidade e a livre circulação de pacotes de dados sempre observando a aderência aos padrões internacionais e acompanhando a dinâmica de introdução de novas tecnologias e padrões.

subsidiados, importantes questões amplamente debatidas nestas reflexões. O diploma também não foi feliz ao introduzir, por via infralegal, conceitos relativos dados pessoais, que ainda não estão plasmados em lei e que são, à data destas reflexões, objeto de intenso debate no Congresso Nacional, com base na tramitação de três projetos de lei, acarretando mais insegurança jurídica. Por outro lado, neste interim, o “Body of European Regulators for Electronic Communications – BEREC” publicou o documento “BEREC Guidelines on the Implementation by National Regulators of European Net Neutrality Rules” no qual os referidos temas são tratados, a saber, a priorização de tráfego, no âmbito de gerenciamento de tráfego voltado a características de QoS das aplicações, e serviços subsidiados no âmbito das práticas de zero-rating. Estudos de direito comparado são recomendáveis para aprofundamento dos dois temas.

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 73/226 §4º- O Brasil propugnará, por intermédio dos órgãos competentes, por uma governança global da Internet baseada de processos multissetoriais, abertos, participativos, transparentes e responsáveis.

§5º- O Brasil trabalhará no combate ao crime cibernético em cooperação com outros países e organismos internacionais.

Norm. 3º - O Princípio da Neutralidade de Rede, conforme disposto na Lei 12.965/2014, Art. 3º, IV, é imponível a todos os serviços de internet, onerosos ou gratuitos, pré-pagos ou pós-pagos, ofertados por prestadores de acesso ou prestadores de serviços telecomunicações, fixos ou móveis.

§1º- Os prestadores de acesso e prestadores de serviços telecomunicações deverão adotar postura de transparência em relação aos serviços ofertados, informando claramente, e em linguagem acessível, as características técnicas e comerciais de suas ofertas.

§2º - Os termos e condições ofertados devem ser isonômicos, sendo vedada a discriminação de contratantes que preencham as exigências específicas previstas na oferta.

§3º - É garantida liberdade de escolha ao contratante dos serviços de acesso à Internet e dos serviços de telecomunicações subjacentes, quanto aos planos de serviço e suas características comerciais e técnicas e quanto ás aplicações que deseja usar, aos conteúdos que deseja acessar e aos usuários com os quais deseja se comunicar.

§4º- É vedado ao prestador do serviço de internet bloquear o acesso a qualquer página, sítio ou aplicação acessível pela Internet, salvo se explicitamente solicitado pelo usuário por razões que lhe sejam próprias.

§5º- É vedado ao prestador do serviço de internet degradar ou filtrar o tráfego de qualquer conexão, usuário ou prestador de aplicações de internet, independentemente do tipo de terminal usado, salvo em situações nas quais, havendo risco para estabilidade, segurança e funcionalidade da rede em face a congestão de tráfego, falhas de rede ou ataques cibernéticos, tais medidas sejam absolutamente necessárias para restaurar o serviço. §6º- É vedado ao prestador do serviço de internet analisar o conteúdo dos pacotes de dados, salvo no caso das exceções estabelecidas em lei ou em regulamentação, salvo se explicitamente solicitado pelo usuário por razões que lhe sejam próprias.

§7º- A monitoração de tráfego só pode ser realizada pelo provedor e internet para fins de gerenciamento e resolução de situações de risco para estabilidade, segurança e funcionalidade da rede em face a congestão, falhas na rede, ou ataques cibernéticos, sendo permitida a identificação da conexão nestas circunstâncias e vedada a identificação dos usuários.

§8º- A fiscalização do disposto neste dispositivo e o provimento de informações que possibilitem a instrução jurisdicional em caso de suspeita de desvios.

Norm. 4º - O Serviço Básico de Internet deve ser ofertado por prestadores de acesso e prestadores de serviços telecomunicações, fixos ou móveis, em conformidade com o Art. 9º, da Lei 12.965/2014.

§1º- O Serviço Básico de Internet deve atender a requisitos mínimos de qualidade para comunicação fim-a-fim, na forma da regulamentação aplicável.

§2º- A regulamentação deverá prever a evolução dos requisitos mínimos de qualidade visando a promoção da inovação e a difusão de novas tecnologias e aplicações.

Mackenzie - Dissertação - SPGallindo v155 São Paulo, 2016 74/226 §3º- O poder público fiscalizará o cumprimento do disposto neste dispositivo e o provimento de informações que possibilitem a instrução jurisdicional em caso de suspeita de desvios.

Norm. 5º - É facultado aos prestadores de acesso e prestadores de serviços telecomunicações, fixos ou móveis, ofertar serviços de internet que excedam as características técnicas do Serviço Básico de Internet, desde que estejam em conformidade com o Princípio da Neutralidade de Rede, conforme disposto no Art. 3º, IV, e os demais princípios da Lei 12.965/2014, em especial os dispostos no Art. 2º, V, no Art. 3º, VIII, e no Art. 4º, III.

§1º- Não viola Princípio da Neutralidade de Rede a prestação de serviços que sejam subsidiados, em parte ou integralmente, por provedores da aplicação, desde que:

I – Sejam explicitamente contratados com base em informações transparentes e claras; II – A oferta de tais serviços subsidiados seja pública e isonômica sem discriminação de usuários ou provedores de aplicação, conforme for o caso;

III – Sejam atendidos os requisitos mínimos de qualidade do Serviço Básico de Internet, nada obstando que sejam excedidos;

IV – A responsabilidade pela prestação do serviço permanece com prestadores de acesso ou prestadores de serviços telecomunicações;

V – É vedado aos prestadores de acesso e prestadores de serviços telecomunicações não repassar, aos usuários, subsídios auferidos junto a prestadores de aplicação.

§2º- Não viola Princípio da Neutralidade de Rede a prestação de serviços que priorizem certos tráfegos em relação à outros, ainda que a priorização seja subsidiada pelo provedor da aplicação, desde que:

I – Sejam explicitamente contratados com base em informações transparentes e claras; II – A priorização não implique em degradação desproporcional de outros tráfegos do usuário, em relação aos requisitos mínimos de qualidade do Serviço Básico da Internet; III – A priorização não implique em degradação de tráfego de outros usuários;

IV – A priorização seja vantajosa para o usuário e não seja vinculada por interesses dos prestadores de acesso ou prestadores de serviços telecomunicações;

V – Caso a priorização do tráfego seja implementada com base na análise do conteúdo dos pacotes, tal característica seja informada e explicitamente permitida pelo usuário, sendo vedado o a identificação do usuário e o armazenamento dos pacotes e garantida a preservação da a inviolabilidade e o sigilo das comunicações privadas.