• Nenhum resultado encontrado

Da indústria cultural às indústrias criativas

No documento UNIVERSIDADE PAULISTA (páginas 193-200)

O conceito de indústrias criativas surgiu no cenário da discussão cultural nos últimos anos do século XX. Uma entrevista de Paulo Miguez, Secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura do Brasil, a Alan Infante, do periódico eletrônico Prima Página, revela a circulação deste co nceito nas discussões institucionais sobre a produção de bens culturais:

O termo indústria criativa é relativamente recente. Ele é apenas um novo nome para indústria cultural? Há alguma diferença?

Miguez — Eu diria que o marco público da utilização de sse termo foi a publicação de uma matéria na revista inglesa “The Economist”, em 2000, quando aparece pela primeira vez essa idéia de economia criativa. A expressão tem sido utilizada mais intensamente principalmente pela Inglaterra, pela Austrália, e ganhou força provavelmente após a [mais recente] reunião da UNCTAD. Mas é um termo que tem muita aproximação com indústria cultural. É possível que a indústria criativa abranja mais setores, mas eu penso que essa discussão conceitual está sendo realizada. A própria UNESCO [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] não utilizava a expressão indústrias criativas, mas passou a utilizar.

(http://www.pnud.org.br/educacao/entrevistas/index.php?id01=1124&lay=ecu–

acessado em 22 de julho de 2005 às 19.15)

Durante a organização no ano de 2005 em Salvador Bahia, do I Fórum Internacional das Indústrias Criativas, promovido pelo Ministério da Cultur a do Brasil, com

apoio do PNUD (Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento), o Ministério da Cultura divulgou o seguinte comunicado à imprensa, cuja parte do conteúdo selecionamos:

Como parte de um novo conceito internacional, as Indústrias Criativas são todas aquelas que, independente de terem ou não finalidade cultural, colocam a criatividade e a cultura em seu processo de produção e trabalho. São, por exemplo, as indústrias da moda, da música, do audiovisual, do design, da web, do software, da fotografia, dos diversos conteúdos culturais, do lazer e do entretenimento, entre outras, que hoje representam aproximadamente 7% do PIB mundial e que, em 2005, poderão movimentar até U$1,3 trilhão no mundo, segundo dados da ONU. Em 2000, esse valor foi de U$ 831 bilhões.77 Esta preocupação com as indústrias criativas, pode ser encontrada também no

“Livro Verde”, que discute a sociedade de informação e o impacto do conhecimento na inovação e geração de recursos econômicos. Esta preocupação afeta diretamente governos do mundo todo. Em nossa pesquisa tivemos acesso a documentos recentes do governo português que apresentam um estudo sobre as indústrias criativas na União Européia e subsidiam sua conceituação:

Uma das apostas estratégicas do “XVII Governo Constitucional” para promover o desenvolvimento sustentado em Portugal é o Plano Tecnológico. O Plano Tecnológico não é mais um diagnóstico. É um plano de acão para levar à prática um conjunto articulado de políticas que visam estimular a criação, difusão, absorção e uso do conhecimento, como alavanca para transformar Portugal numa economia dinâmica e capaz de se afirmar na economia global. (Plano tecnológico – capítulo 8 –)78

77 Fonte: assessoria de imprensa do ministério da cultura. www.minc.gov.br

78 Endereço eletrônico do Plano tecnológico português: http://www.planotecnologico.pt/index.php?page=2 – (acessado no dia 15/01/2006 as 12:39 h.)

Como base para a definição de indústrias criativas temos os conceitos de criatividade e inovação expressas no Plano Tecnológico: o primeiro é definido como a capacidade de produção que se manifesta pela originalidade inventiva e inovadora, capacidade de ver o mesmo que toda gente, mas pensar de modo diferente. E o segundo, como a capacidade de operar a criatividade no sentido de gerar coisas novas.

Os autores da estratégia portuguesa subsidiam suas elaborações no trabalho de Richard Florida e Irene Tinagli, que em 2004 publicaram “Europe in the Creative Age”, um levantamento da indústria criativa européia e sua conceituação. Para os autores, a competitividade futura dos países dependerá de suas capacidades de atrair, reter e desenvolver pessoas criativas. Para eles, a competitividade se faz com a mobilização dos três Ts: Talento, Tecno logia e Tolerância. A Tecnologia seria o elemento central dos 3 Ts, pois concentra inovação e é indutora de crescimento econômico. O Talento é representado pelo capital humano educado, o que significa pessoas que possuam no mínimo um diploma de nível superior. Finalmente, a Tolerância seria um atributo para que o Talento e a Tecnologia se desenvolvessem e para que se atraísse capital humano oriundo de outras partes do globo, aumentando o potencial inovador a partir da diversidade.

O conceito de indústrias criativas, segundo o documento português, surgiu no início dos anos 90 na Austrália, tendo sido posteriormente desenvolvido pela Creative Industries Taskforce (Departament for Culture, Media and Sport – DCMS) no Reino Unido, em 1997, no governo de Tony Blair. A definição do Departamento de Cultura inglês para o conceito seria a seguinte:

Atividades que têm sua origem na criatividade, competências e talento individual, com potencial para criação de trabalho e riqueza através da geração e exploração da

propriedade intelectual. (...) As indústrias criativas têm por base indivíduos com capacidades criativas e artísticas, em aliança com gestores e profissionais da área tecnológica, que fazem produtos vendáveis e cujo valor econômico reside nas suas propriedades culturais (ou intelectuais). (Indústrias Criativas, documento de trabalho número 8, pg. 6)

Ainda segundo o Departamento de Cultura do Reino Unido, fariam parte desta indústria os seguintes segmentos:

• Publicidade

• Arquitetura

• Mercado de Artes e Antiguidades

• Design

• Moda

• Filmes, Vídeos e outras produções audiovisuais

• Design Gráfico

Software Educacional e de Lazer

• Música ao vivo e gravada

• Artes performáticas e entretenimento

• Difusão através de televisão, rádio e Internet

• Escrita e publicação (livros, revistas e jornais impressos)

• Setores de tecnologia de ponta.

O que une estes segmentos segundo Stuart Cunningham, diretor do Creative Industries and Applications Centre (CIRAC) é que todos “têm o potencial de gerar emprego e riqueza através da exploração da propriedade intelectual”. (Indústrias Criativas, documento de trabalho número 8, pg. 7)

Quando comparamos o conceito de indústrias criativas com os da indústria cultural três diferenças importantes se destacam: primeiro, a abrangência do conceito de indústrias criativas é muito superior ao de indústria cultural, identificada basicamente com a arte e os produtos artísticos criados para os meios de comunicação de massas. Segundo, o fator eminentemente econômico, ou seja, a dimensão do produto simbólico como mercadoria e sua capacidade de gerar novos negócios passa a ser o único critério de validade dos produtos. Terceiro e, mais importante, os produtos nas indústrias criativas não esgotam seu potencial de mercadoria em si mesmos, mas, são também novos negócios que criarão novos produtos e movimentarão novos segmentos da indústria.

Muito embora nos três casos existam precedentes no conceito de indústria cultural, não estamos apenas diante de uma mudança de grau ou intensidade, as transformações são mais profundas e estão ligadas as características sistêmicas da unidade pensada pelos frankfurtianos.

O fato de instituições públicas como ministérios, segmentos da indústria e uma série de organizações do terceiro setor estarem participando do debate sobre as indústrias criativas e da retórica empenhada em sua defesa trabalhar com a idéia de preservação das culturas locais a partir de estratégias que as tornem viáveis economicamente, elas reforçam o sentido mercadológico do conceito.

Em suas reflexões sobre a globalização, o pensador americano Fredric Jameson, identifica uma nova relação estabelecida entre as dimensões da cultura e da economia que viria se processando no capitalismo tardio. Para Jameson, a estetização do consumo a partir da mobilização do design e da erotização transformaram em cultural a questão econômica.

Mas se existe um movimento da economia para a cultura, também existe outro que leva a cultura para a economia, que tem como principal representante à indústria do entretenimento pensada na convergência entre meios de produção e comunicação.

As demandas americanas na Organização Mundial do Comércio (OMC), defendendo a quebra de barreiras dos países membros em relação a seus mercados de telecomunicação e entretenimento, inclusive com a possibilidade do capital internacionalizado adquirir indústrias nacionais protegidas, é um exemplo da dimensão da cultura, colonizada pela dimensão econômica, com desdobramentos no político e no social.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os EUA transformaram em política de estado a defesa de sua indústria cultural, propagando seus produtos nos mercados internacionais e, com isso, acelerando o fenômeno da estandardização de maneira exponencial.

A resposta à pergunta que introduziu este tópico: se o conceito indústrias criativas poderia substituir o de indústria cultural, é não. O conceito indústrias criativas cumpre apenas metade da tarefa que propusemos para um novo conceito, ele realmente amplia o escopo para além do universo artístico- literário, incluindo uma série de outros segmentos de produção simbólica. Porém, no meio do caminho, o conceito de indústrias criativas envereda por um campo ideológico travestido de neutralidade. Ao considerar como

“natural”, a colonização do cultural pelas demandas econômicas, dando o processo como acabado e localizando o conflito, basicamente, entre a disputa de mercados nacionais e o

mercado global, o conceito assume um caráter fortemente ideológico e coloca-se a serviço de um discurso que resume a questão da cultura às questões relacionadas à propriedade intelectual e à capacidade dos arranjos produtivos locais de se integrarem ao fluxo global de mercadorias culturais.

Pode ser que nos embates que ainda se processarão dentro dos organismos multilaterais como a ONU, a OMC e a O MPI, que questionamentos ao modelo hegemônico da indústria americana de bens simbólicos se desenvolvam, entretanto nos parece que até o momento, ao invés de surgirem questionamentos a este modelo, ele se transformou em paradigma, como se todos falassem: “não se trata de questionar os porquês da liderança estadunidense, e sim copiar o seu modelo para abocanhar uma parte deste mercado.”

Ocorre que nesta savana parece haver lugar para apenas um leão, cabendo às hienas, cautela.

Diante do exposto continuaremos trabalhando com o conceito de indústria cultural, flexionado pelas críticas anteriormente citadas. Um conceito repensado, que incorpore a possibilidade de práticas criativas, mesmo no interior da indústria, tanto originadas na produção de “vanguarda”, qua nto no popular. E que englobe um escopo mais amplo que apenas o artístico-literário, incorporando os setores propostos no conceito de indústrias criativas. Em especial a natureza que o conteúdo cultural da indústria cultural, assume quando relacionado aos novos meios de informação e comunicação (TIC).79

79 Nos capítulos sete e nove discutiremos as possíveis trnasformações das indústrias culturais para indústrias conteúdo nas hipóteses de Bernard Miège.

No documento UNIVERSIDADE PAULISTA (páginas 193-200)