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UNIVERSIDADE PAULISTA

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UNIVERSIDADE PAULISTA

DO CÓDEX AO E-BOOK:

METAMORFOSES DO LIVRO NA ERA DA INFORMAÇÃO

Dissertação de mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista – UNIP para a

obtenção do Título de Mestre.

Orientador: Doutora Bárbara Heller

JOSÉ DE MELLO JUNIOR SÃO PAULO

2006

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Gostaria de agradecer à professora Dra. Bárbara Heller por sua paciência e preciosas orientações oferecidas ao longo desta pesquisa; aos professores do programa de pós -graduação da UNIP, pelas importantes contribuições bibliográficas, e aos editores e autores que gentilmente participaram das diversas etapas do trabalho.

Para Mateus e Leonardo, de cuja dileta companhia, por muitas

vezes abdiquei a fim de concluir este trabalho. E, para minha mãe, que por 64

anos viveu exilada da grafosfera.

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RESUMO

Resumo: Esta pesquisa trata o livro impresso como um dos formatos históricos de registro de conhecimento. Por cerca de cinco séculos, ele foi hegemônico em suportar e registrar os conteúdos do conhecimento humano. Sua presença como objeto e produto gerou toda uma estrutura política, jurídica e comercial em torno da qual autores, editores e leitores se organizaram. O advento do capitalismo informacional, notadamente o desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC), apresentam uma nova organização para o conteúdo/conhecimento, com noos suportes e formatos. Tal fenômeno desestabiliza as cristalizadas estruturas jurídicas e políticas organizadas em torno do livro impresso. Este trabalho procura mapear as mudanças em curso a fim de compreendê- las, verificando de que maneira cultura e sociedade são afetadas pelas mudanças que se processam nos mecanismos históricos de armazenamento e transmissão do conhecimento.

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS...02

RESUMO...03

SUMÁRIO...04

LISTA DE TABELAS...07

LISTA DE GRÁFICOS...08

I. EPISTEMOLOGIA ...09

1. Apresentação do fenômeno de transição do livro impresso ao livro eletrônico...09

2. Caracterização dos critérios epistemológicos de abordagem...16

2.1 Uma análise diacrônica do mercado editorial no decorrer dos últimos 500 anos, com ênfase nos momentos de mudança de suporte e formato...16

2.2 A aderência a uma teoria das mídias denominada de midiologia cuja ênfase da análise se concentra na ecologia das mídias, nos aspectos materiais presentes no processo de mediação...17

2.3 O recurso à sociologia de Pierre Bourdieu para dar conta dos conflitos estabelecidos no interior da midiasfera...23

3. Momento histórico específico. Sociedade da informação(SI) e globalização...27

4. A introdução do livro eletrônico geograficamente delimitada no mercado editorial brasileiro contemporâneo...34

5. A introdução do liv ro eletrônico vinculada a uma história dos meios de comunicação...36

6. A introdução do livro eletrônico como um fenômeno cultural...43

7. A transição do livro impresso ao livro eletrônico integrando uma estrutura de sociedade constituída de esferas: econômica, política, cultural e jurídica...47

8. Aspectos jurídicos...48

9. A transição do livro impresso ao livro eletrônico, tendo por agentes de sua realização, editores, autores e leitores, com suas respectivas identidades e papéis...52

10. O livro eletrônico portador de inovações tecnológicas...56

11. A transição do livro impresso ao livro eletrônico diante de um conflito entre outsiders e estabelecidos...58

II. O NEGÓCIO DO LIVRO NO BRASIL...60

1. Os referenciais: ponto de partida...60

2. A cadeia de va lores do mercado editorial...62

3. Definição dos quesitos que serão analisados...64

4.Primeiro elo: autoria...67

5.Segundo elo: edição...70

5.1 Subsetor de obras Gerais...71

5.2 Subsetor de obras científicas, técnicas e universitárias (CTU)...75

5.3 Subsetor obras religiosas...80

5.4 Subsetor obras didáticas...83

5.5 Uma visão geral...85

6. As editoras e a inclusão digital...90

7. O terceiro elo: impressão...93

(6)

8. O quarto elo: distribuição...95

9. O quinto elo, as vendas – livrarias e outros pontos de vendas...96

10. Ponto de chegada. ...104

III. A CONSTITUIÇÃO DE UMA ESTRUTURA JURÌDICA...108

1.Conceito de autoria na Antiguidade e na Idade Média...108

2. O surgimento do autor...114

3. Livreiros editores e impressores...126

4. O papel do Estado no mundo editorial...133

5. O papel da Igreja no mundo editorial...136

6. Das primeiras leis ao estabelecimento ao Copyright...138

7. Do direito de autor à propriedade intelectual...142

8. Copyleft...148

9. A estrutura jurídica do campo editorial...151

IV. O CENÁRIO: INDÚSTRIA CULTURAL E GLOBALIZAÇÃO...160

1. Cultura e autonomia relativa da função de autor...160

2. A indústria cultural...170

3. Críticas ao conceito de indústria cultural. ...178

4. Da indústria cultural às indústrias criativas...192

5. Indústria cultural e o fenômeno da globalização...199

6. Mercado editorial brasileiro, indústria cultural e globalização...203

7. A identidade de autor e a indústria cultural...209

V. SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO E DESMATERIALIZAÇÃO DE CONTEÚDOS...215

1. A emergência da sociedade da informação... ...215

2. Caracterização da sociedade da informação...219

3. Sociedade da informação e cultura hacker...241

4. Críticas ao conceito de sociedade da informação...255

5. Sociedade da informação e exclusão digital...260

6. O livro na sociedade da informação...268

VI. O VAREJO DO LIVRO NO BRASIL...271

1. Uma livraria da década de 80...271

2. As novas livrarias...279

3. O comércio eletrônico de livros...290

4. Desmaterialização de conteúdos e o comércio eletrônico. ...297

5. A venda de livros eletrônicos no Brasil...301

7. Comparação com mercado de língua inglesa...308

8. Conclusões provisórias...311

VII. CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS DO LIVRO ELETRÔNICO...313

1. Tecnologias da comunicação...313

2. Desmaterialização de conteúdos...316

3. Surgimento do livro eletrônico...321

4. Bibliotecas digitais...329

5. Blogs...332

6. Substituição tecnológica: como outras indústrias criativas estão recebendo o fenômeno da mudança de suportes: o caso do DVD...334

(7)

VIII – NOVAS IDENTIDADES

1. Deslocamentos: o editor e o autor em a face da emergência do livro eletrônico... 338

2. Pesquisa com autores...338

3. Pesquisa com editores...352

IX – CONFIGURAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DO MEIO EDITORIAL NO BRASIL: A INTRODUÇÃO DO LIVRO ELETRÔNICO, CHOQUE ENTRE OUTSIDERS E ESTABELECIDOS...364

1. Definição de outsiders e estabelecidos...364

2. A influência da cultura hacker...369

3. Ausência de um modelo de negócios...372

4. Configuração defensiva...375

5. Configuração defensiva...376

6. O que podem as partes?...378

7. O receio das novas tecnologias...381

8. No campo editorial, uma relação entre estabelecidos e outsiders... 382

CONCLUSÕES...387

1. A lenta introdução do livro eletrônico: hipóteses revisitadas...387

2. TIC, o e-book e o futuro dos diversos segmentos editoriais...405

3.E, finalmente...408

BIBLIOGRAFIA ...412

ANEXOS ...425

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 – Cadeia de valores do mercado editorial... 63

Tabela 01 – Cadeia de valores do mercado editorial...66

Tabela 03: Direitos autorais pagos a autores brasileiros e estrangeiros (1990-2003)... 67

Tabela 04: Percentual dos direitos autorais sobre o faturamento em dólares...68

Tabela 05: Média de valores de direitos autorais obtidos por título...69

Tabela 06: Obras gerais: exemplares vendidos,títulos, tiragens, preços médios ...71

Tabela 07: Obras científicas, técnicas e universitárias: exemplares, títulos, tiragens, preços médios (1990-2003)...75

Tabela 08: Consumo per capita de livros do subsetor CTU, por estudantes universitários (1990, 1998 e 2003)... 78

Tabela 09: Obras religiosas: exemplares, títulos, tiragens, preços médios (1990-2003)...79

Tabela 10: Obras didáticas: exemplares, títulos, tiragens, preços médios (1990-2003) ...83

Tabela 11: Exemplares, títulos produzidos e tiragens (1990-2003)...86

Tabela 12: Exemplares Vendidos, Faturamento e Preço Médio...87

Tabela 13: evolução dos postos de trabalho internos e terceirizados nas editoras brasileiras... 88

Tabela 14: Canais de comercialização, venda de exemplares por ano – parte 01...100

Tabela 14: Canais de comercialização, venda de exemplares por ano – parte 02...100

Tabela 15: Exemplares vendidos em livrarias e governo ...102

Tabela 16: Consumo per capita de livros no Brasil (1990,1995,2003)...103

Tabela 17: Consumo per capita de livros no Brasil sem compras Governo (1990,1995,2003)...103

Tabela 18 – Produção Editorial Brasileira, 1982. (Hallawell, 1985: 617)...105

Tabela 19. Títulos editados segundo edição. (Hallawell, 1985: 618)...106

Tabela 20: faturamento principais players editoriais ...206

Tabela 21: principais eventos ligados ao desenvolvimento das Tecnologias da Informação...247

Tabela 22: Relação habitantes/usuários Internet – 10 países...261

Tabela 23: Web Brasil, estudo trimestral do Ibope/ NetRatings...265

Tabela 24: Comparação núme ros de livrarias Brasil – fontes variadas...287

Tabela 25: comparação pesquisas compra de livros versus acesso à Internet...392

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01: Número de títulos lançados por editoras anualmente...70

Gráfico 02: evolução dos postos de trabalho internos e terceirizados nas editoras brasileiras...89

Gráfico 03 – Editoras que possuem home -page... 90

Gráfico 04: Editoras que possuem e-mail...91

Gráfico 05: Acesso a Internet...91

Gráfico 06: Receita obtida na Internet...92

Gráfico 07 - Pesquisa autores:Gêneros...340

Gráfico 08- Pesquisa autores: Fonte de financiamento da publicação...341

Gráfico 09- Pesquisa autores: Contrato editoria versus suporte...342

Gráfico 10- Pesquisa autores: Importância dos livros na renda pessoal ...343

Gráfico 10- Pesquisa autores:profissão...344

Gráfico 11- Pesquisa autores:relação com audiência...345

Gráfico 12- Pesquisa autores:conteúdo lido na Internet...346

Gráfico 12- Pesquisa autores:suporte da leitura feita através da Internet ...347

Gráfico 13- Pesquisa autores: formatos eletrônicos em que editou...347

Gráfico 13a- Pesquisa autores: futuro papel do editor...348

Gráfico 13b- Pesquisa autores: conhecimento das licenças criativas...349

Gráfico 14 - Pesquisa editores: interesse por publicar e-books...352

Gráfico 15 - Pesquisa editores: conhecimento de tecnologias e modelos de negócios ...353

Gráfico 16 - Pesquisa editores: já publicaram e-books...354

Gráfico 17 - Pesquisa editores: motivos para não usar suporte eletrônico...355

Gráfico 18 – Pesquisa editores: ferramnetas de CRM...356

Gráfico 19 - Pesquisa editores: uso do site para pesquisas com leitores... 357

Gráfico 20 - Pesquisa editores: futuro do editor...358

Gráfico 21 - Pesquisa editores: conhecimento de copyleft e creatives commons...359

Gráfico 22 - Pesquisa editores: percepção de ameaças à propriedade intelectual...360

Gráfico 23 - Pesquisa editores: suportes contratados com autores...361

Gráfico 24 - Pesquisa editores: percepção do e-book em relação ao impresso...362

Gráfico 25 - Pesquisa editores: motivos responsáveis pela baixa penetração do e-book...363

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I – Epistemologia

1. Apresentação do fenômeno de transição do livro impresso ao eletrônico1, circunscrevendo-o ao campo da comunicação, e do que se convencionou chamar indústria cultural.

Existe uma anedota entre os profissionais de Tecnologia da Informação (TI) que afirma o seguinte: o fato de você providenciar nove grávidas não fará o bebê nascer em um mês. Invoco o espírito desta piada para refutar a afirmação, que atualmente envolve a introdução do e-book no mercado editorial brasileiro, a saber: Não deu certo! Esta frase é evocada em nove de cada dez conversas que se tem com editores acerca deste novo formato. Isto se deve ao fato da proliferação aparente deste novo formato não ter se dado com a rapidez insinuada por seus “arautos”. Há cinco anos, na Bienal do Livro de 2000 em São Paulo, uma onda digital batia às portas do mercado. As livrarias Saraiva e Siciliano, ocupavam seus estandes com terminais de computadores que exibiam seus sites de comércio eletrônico. Uma editora européia de e-books ( 00:00 h) fazia várias apresentações de livros eletrônicos. A Xerox do Brasil montara um estande com o que havia de mais recente em impressão digital e também integrava os e-books a suas fábricas de livros.

Dentre as editoras brasileiras, três novidades se apresentavam, a I-editora, a editora Foglio e

1 As expressões livro eletrônico e e-books serão utilizadas como sinônimas no decorrer desta dissertação. No capítulo sete faremos uma conceituação mais específica do termo que, não obstante, servirá apenas para designar as diversas configurações possíveis deste artefato.

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a Papel e Virtual. As duas primeiras com estandes próprios.O fenômeno chamou atenção da grande imprensa e de revistas segmentadas que publicaram diversas páginas sobre o tema. A revista Editor2 estampava em sua capa matéria sobre e-books. Os sites de comércio eletrônico também se fizeram presentes, com grandes estandes nos quais era possível acessar os catálogos on-line através de terminais de computadores. Foi o caso das empresas Submarino, Saraiva e Siciliano, as duas últimas tradicionais redes de livrarias cuja entrada no comércio eletrônico principiava m.

Afinal, tanto barulho por nada, diziam em seguida muitos dos céticos em relação ao fenômeno eletrônico. A introdução do e-book na vanguarda editorial brasileira se deu no mesmo momento em que o boom da Internet alcançava seu ápice. O sentido novidadeiro da solução e a forma marketeira de que se valeram seus divulgadores acentuou ainda mais seu caráter arrebatador e, por conseguinte, os tipos de resistência despertadas. Duas atitudes podiam ser facilmente observadas à época, por um lado, cautela e desconfiança, por outro, repúdio e negação. Seis anos se passaram e as atitudes permanecem as mesmas. Por ora, os fatos colaboram com os céticos, pois o número de editoras de e-books continua pequeno, várias iniciativas de explorar comercialmente o novo formato fracassaram. E, principalmente, o número de leitores, muito embora crescente, permanece marginal.

Ao escolhermos para análise, o período que marca a passagem do livro impresso para o livro eletrônico nos colocamos diante de um conjunto de indagações que o relato anterior motiva e ilustra: por que, diferentemente de outros fenômenos de mudança tecnológica, a introdução do livro eletrônico no Brasil se faz de forma tão lenta? Em uma época batizada como era da informação, na qual os fluxos informacionais se avolumam e a

2 Revista Editor, número 8, tinha em sua capa o seguinte título: “ O e-book e a revolução digital.”

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ênfase nas mudanças tecnológicas pauta a sociedade e a cultura, que singularidades concedem ao livro impresso sua sobrevivência?

Consideramos o livro uma das tecnologias de comunicação e, portanto, parte constituinte da história dos meios de comunicação. Embora pertencente ao campo comunicacional, os estudos sobre o livro ganharam especial atenção de outros campos do conhecimento. Esta frutífera produção sobre livro e leitura realizada nas últimas décadas evidencia por sua abrangência o posicionamento fronteiriço deste objeto, e justifica nossa preocupação de demarcar o lugar do qual o abordamos. André Belo se referindo a revista Book History, ressalta esse aspecto:

Para a revista Book History, criada em 1998 e disponível tanto em suporte de papel quanto em suporte digital, na World Wide Web, a história do livro abrange toda a história da comunicação escrita: a criação, a disseminação, os usos do manuscrito e do impresso em qualquer suporte, incluindo livro, jornais, periódicos, manuscrit os, e outros objetos impressos de vida efêmera. (BELO, 2002)

A revista supracitada abrange as seguintes áreas de interesse: histórias sociais, culturais e econômicas da autoria, publicação, impressão, artes gráficos, direitos de autor, censura, comércio e a distribuição de livros, bibliotecas, competências e leitura e escrita, crítica literária, hábitos de leitura, teoria da recepção literária. Uma ausência significativa se faz presente no elenco de áreas, refiro- me à indústria cultural, conceito amplo que engloba além do mercado editorial, as indústrias cinematográficas, fonográficas, radiofônica, televisiva, de games, entre outras.3

3 É fato que um único periódico não precisa dar conta de tudo, entretanto tal ausência e um levantamento minucioso realizado sobre a bibliografia dos estudos sobre o livro realizada por nós para esta tese, demonstram um grande vazio no cruzamento entre indústria cultural e produção editorial de livros.

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A genealogia do conceito indústria cultural nos remete aos cientistas sociais Theodor W. Adorno e Max Horkheimer que em 1947, usaram- no pela primeira vez para se designarem a crescente estandardização da produção de bens artísticos subordinados a uma lógica exclusivamente mercantil. O conceito de indústria cultural nasce com carga negativa, como uma das facetas da modernidade industrial na qual a racionalidade da mercadoria penetrava de forma absoluta na esfera da produção cultural. Para efeito de uma definição mais contemporânea de indústria cultural, seria necessário juntar ao elemento, conteúdo criativo, os diversos suportes através dos quais estes conteúdos são objetivados e reproduzidos, ampliando o espectro de abrangência do termo. Segundo Jean Pierre Warnier, seriam os seguintes critérios que definiriam o conceito:

(...) analistas como Patrice Flichy, Bernard Miège, Gaetan Tremblay consideram que as indústrias culturais apresentam o seguinte perfil: a) elas necessitam de grandes meios financeiros;b) utilizam técnicas de reprodução em série;c) trabalham para o mercado, ou em outras palavras, elas mercantilizam a cultura; e d) são baseadas em uma organização do trabalho do tipo capitalista, isto é, elas transformam o criador em trabalhador e a cultura em produtos culturais.” (WARNIER, 27-28: 2000)

Esta lacuna na vinculação do livro como parte da indústria cultural e também a sua análise no interior dos sistemas de mídia, muitas vezes, subordinado aos outros meios de comunicação pode ser atribuída a fatores como a preponderância política e econômica dos outros meios, em especial da televisão, cujo número de estudos se multiplica em todas as latitudes. Longe de preencher esta lacuna, o estudo que ora realizo apenas pretende restituir o objeto livro a um espaço que lhe pertence, isto é, como o primeiro dos meios de comunicação de massa, suporte conteúdo, exemplo ancestral da ação da técnica industrial de reprodução da cultura.

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Esse é um trabalho sobre um momento de transição; o que estamos estudando é ao mesmo tempo o livro impresso no formato codex, que durante cerca de 500 anos ocupou o lugar privilegiado de suporte do conhecimento humano e principal veículo de transmissão do conhecimento científico e que nos últimos 50 anos, vem gradativamente perdendo espaço para formas eletrônicas de transmissão do conhecimento4 e o livro eletrônico5 é neste amplo trajeto compreendido como uma transformação possível e talvez necessária à sobrevivência do objeto livro.

Ao debruçarmo-nos sobre esta transição de um formato consagrado historicamente para outro que apenas engatinha pretendemos nos valer da análise diacrônica, estudando outros períodos da história do livro em que mudanças de formato e suporte se processaram, a fim de identificar a possibilidade de ocorrência de eventos trans- históricos, bem como as novidades que marcam as transformações em curso. Para a definição de livro recorremos às convenções internacionais, em especial a seguinte definição,

(...) A Conferência Geral da Unesco, de 19 de novembro de 1964, adotou uma recomendação relativa à normalização internacional das estatísticas da edição de livros e periódicos. Há muito tempo preparada, esta recomendação – se respeitada por todos os países – deveria resolver o problema a longo prazo, adotando definições uniformes. Livro é uma publicação não-periódica impressa, contendo um mínimo de 49 páginas, excluindo- se as capas. Folheto é uma publicação não-periódica impressa, contendo um mínimo de cinco e um máximo de 48 páginas, excluindo-se as capas. (Escarpit, 1976: 38).

Em decorrência da definição de livro impresso, arriscamos a seguinte definição para livros eletrônicos, que ainda não possui definição oficial: arquivos em txt, pdf, html, e

4 Como televisão, rádio, Internet etc.

5 Livro eletrônico é tradução em língua portuguesa para e-book.

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qualquer outro formato que suporte textos escritos. Armazenados em disquetes, CDs, DVDs, HDs, Palms, e-books (suportes dedicados especificamente ao armazenamento e leitura de livros eletrônicos), cujos conteúdos e forma de organização correspondam ao de no mínimo 49 páginas no formato impresso. A definição para o livro impresso é arbitrária e apresenta inúmeras lacunas. Qual o tipo de fonte utilizada, o número de caracteres presentes no conteúdo, o espaçamento entre as linhas, possui ou não índice, etc? Fica evidente que o próprio critério para definição de livro impresso é escorregadio e depende em muito de um aspecto declaratório do autor ou editor. Ou seja, o fato de autor ou editor considerarem um conteúdo como sendo um livro é de fundamental importância para que este conteúdo seja um livro. Alguns aspectos relacionados à estrutura física do impresso muitas vezes têm servido de índices para esta definição, por exemplo, a existência de uma lombada quadrada, a presença de um índice, as divisões internas do escrito, etc. O fato é que estamos em terreno pantanoso e o estabelecimento de critérios mais rígidos depende da mobilização de uma cadeia de valores representada pelos agentes que compõem o campo da edição. E aqui vale mais nos atermos às evidências materiais que Às especulações conceituais. Uma visita à biblioteca ou à livraria irá nos apresentar como livros um elenco de objetos que em sua imensa maioria apresentam as seguintes características:

1 – Edição não periódica;

2 – Número de páginas considerável, admitamos que superior a 49, independente do formato.

3 – Paginação;

4 – Presença de um índice;

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5 – Lombada quadrada;

6 – Divisões internas em capítulos ou subtítulos.

Portanto, na falta de um referencial rígido, nos submetemos às frouxas coordenadas traçadas pela conferência geral da Unesco, ao mesmo tempo em que nos valemos de uma certo empirismo e de critérios declaratórios internos ao campo para definirmos o que é um livro. Neste caso minha experiência como editor é de algum valor.6 Quando recebia um texto para editar, após avaliar a relevância do conteúdo, uma das minhas preocupações era a constituição material do mesmo. Será que esta novela ou esta coletânea de contos ou poemas apresenta um conteúdo suficiente para a geração de um livro? Será editorado no formato 14x21, 11x18, 17x23, 21x14, etc? Qual a melhor fonte e a espessura do papel?

Tais perguntas, aparentemente ingênuas, refletem uma certa estratégia de adequação do conteúdo ao objeto que convencionamos chamar de livro, cujas características intrínsecas estão intimamente vinculadas ao habitus do campo no qual se encontra: o campo da produção editorial. Isto posto, é necessário que redefinamos o conceito de livro eletrônico e neste caso as referências adquiridas no próprio meio são importantes nessa constituição,

• Edição não periódica;

• Composta de no mínimo por 100.000 caracteres (uma página impressa no formato 14x21 – com mancha composta por 30 linhas de 70 caracteres sem espaço);

• Presença de índice e paginação;

• Elemento declaratório que caracterize o texto eletrônico como livro.

6 De um modo geral, no decorrer desta dissertação o texto se dará na terceira pessoa, entretanto, quando se tratar de um fato relacionado a experiência profissional do autor, será utilizada a primeira pessoa do singular.

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2. Caracterização dos critérios epistemológicos de abordagem.

2.1 Uma análise diacrônica do mercado editorial no decorrer dos últimos 500 anos, com ênfase nos momentos de mudança de suporte e formato.

A Lingüística apresenta como um de seus méritos científicos a identificação de uma dualidade radical que o tempo produz sobre os objetos estudados pelas ciências. Esta dualidade apresenta-se na forma de dois eixos, um horizontal das simultaneidades, outro vertical, das sucessões:

“1° O eixo das simultaneidades (AB), concernente às relações entre coisas co- existentes, de onde toda intervenção do tempo se exclui, e 2° o eixo das sucessões (CD), sôbre o qual não se pode mais considerar mais que uma coisa por vez, mas onde estão situadas todas as coisas do primeiro eixo com suas respectivas transformações.”

(Saussure, 94:1995) C

A B

D

Tal distinção será útil ao abordarmos nosso objeto, já que nos dedicaremos não apenas ao momento presente caracterizado pela transição, mas também as diversas mudanças históricas que o livro viveu. Apesar da complexidade do objeto estudado nos valeremos do eixo vertical. A oposição entre os eixos simultâneo e sucessivo recebem do

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autor do Curso de Lingüística Geral, respectivamente, os nomes de sincrônico e diacrônico.“É sincrônico tudo quanto se relacione com o aspecto estático da nossa ciência, diacrônico tudo que diz respeito às evoluções.” (Saussure, 96:1995)

A utilização do eixo diacrônico não significa que abdicaremos totalmente da sincronicidade, já que deveremos em nossos saltos diacrônicos analisar o atual momento de transição, mas sempre tendo o inventário obtido dos períodos pretéritos como fonte de referências. É importante ressaltar que nossa opção pelo diacrônico não significa uma adesão a busca por características trans- históricas ou por um fundo idealista que nos remeta a fenômenos repetitivos.

2.2 A aderência a uma teoria das mídias denominada de midiologia cuja ênfase da análise se concentra na ecologia da s mídias, nos aspectos materiais presentes no processo de mediação.

Uma análise do campo editorial não pode ater-se exclusivamente ao objeto livro, pois uma série de relações de dependência e influência mútuas configuram sua existência.

Ou seja, será necessário que vasculhemos o baú de mediações estabelecidas pelo meio com a finalidade de desenvolver seu campo. Quando falamos da transição do livro impresso para o livro eletrônico o que fica mais evidente é a pura e simples troca de suportes, ao invés do conteúdo da obra ser recepcionado pelo leitor nas páginas de papel ele o será em telas. Uma mudança que num primeiro momento ressalta as vantagens da técnica emergente em detrimento da técnica anterior, para em um segundo momento simplesmente omitir a própria técnica em nome da pura recepção. A estratégia de invisibilidade é própria de toda tecnologia e assim também se dá com o meio,“O bom médium trabalha para ser esquecido;

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transparente, parece deixar que as coisas falem por si mesmas.” (Bougnoux, 1994:33) A invisibilidade do médium caracteriza-se pelo conforto que a técnica nos traz. Enquanto este conforto do uso não for estabelecido, os aspectos técnicos serão evocados.

Mas ao bisbilhotarmos o baú de mediações não estamos pura e simplesmente à procura das mudanças técnicas, desejamos verificar as relações que estabelecidas entre esta e o campo da cultura e da sociedade. Para realizarmos esta incursão no campo das mídias elegemos um método, o midiológico, e um arsenal conceitual, o da midiologia, como os mais adequados a esta abordagem. Mas o que é midiologia e como opera seu método? Ao longo percurso de 15 anos estudando os processos de transmissão de ideais ( de certa forma a maneira como as ideologias conseguem se proliferar) o filósofo francês Régis Debray construiu a disciplina e um método, assim definidos:

“(...), chamo midiologia a disciplina que trata das funções sociais superiores em suas relações com as estruturas técnicas de transmissão. Chamo método midiológico o estabelecimento, caso a caso de correlações se possível verificáveis , entre as atividades simbólicas de um grupo humano (religião, ideologia, literatura, arte , etc), suas formas de organização e seu modo de coleta, arquivamento e circulação dos vestígios.Como hipótese de trabalho considero que este último nível exerce uma influência decisiva sobre os dois primeiros.” (Débray, 1995: 21)

Ao privilegiar os mecanismos que colocam em circulação as idéias, a midiologia se dedicará ao inter, ou seja, ao espaço das interfaces que colocam em contato enunciadores e enunciados, espaço em geral negligenciado por nossos estudos centrados nos meios e mensagens:

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Na midiologia, midio não significa mídia nem médium, mas mediações, ou seja, o conjunto dinâmico dos procedimentos e corpos intermediários que se interpõem entre uma produção de acontecimentos. Esses entremeios assemelham-se a híbridos (Bruno Latour), ou seja, mediações simultaneamente técnicas, culturais e sociais.(Débray, 1995:

21)

O objeto de estudo da midiologia será o que passa entre a técnica, a cultura e a política, as mediações que fazem com que estes campos interajam. Por exemplo, quando nos remetemos às transformações perpetradas pela invenção da prensa de tipos móveis por Gutenberg, podemos considerá- la uma revolução técnica que mudou o perfil do mundo ocidental. Porém, em uma perspectiva midiológica deveremos perceber que uma série de fatores anteriores contribuíram para que estas mudanças se processassem. Alguns deles no campo da técnica, como o domínio por parte dos europeus da produção de papel. Outros aspectos, entretanto, se encontram no campo da cultura como, por exemplo, a mudança da leitura em voz alta, para a leitura silenciosa, fenômeno propício à aquisição de exemplares pessoais. O maquinismo aqui representado pela prensa não teria obtido sucesso, se, e neste caso a comparação com a China7 é um bom exemplo, as condições sociais não fossem propícias à circulação de livros. Em nossa abordagem mergulharemos nos acontecimentos históricos buscando extrair deles algumas estruturas com caráter geral que possam iluminar nosso objeto. Desta forma aquilo que obtivermos em nosso estudo diacrônico das interfaces (político, culural, técnica) que tornaram possível o desenvolvimento do livro poderá ser aplicado ao atual momento de transição aferindo tendências e detectando possibilidades. A constituição de uma disciplina pressupõe a instituição de conceitos que dêem conta de

7 Há indícios de que os chineses conheciam a técnica de impressão com tipos móveis desde o século X, porém as téc nicas xilográficas permaneceram hegemônicas. As explicações para este fato estão relacionadas a questões de natureza política e cultural.

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justificá-lo, para o midiólogo o conceito de midiasfera é um dos mais importantes em seu edifício,

(...) o federador cronológico chama -se midiasfera, ou meio de transmissão e transporte das mensagens e dos homens. Esse meio, estruturado por seu procedimento capital de memorização, estrutura por sua vez um tipo de credenciamento dos discursos, uma temporalidade dominante e um modo de reagrupamento, ou seja, as três faces de um triedro formando (o que poderíamos resumir como) a personalidade coletiva, ou o perfil psicológico característico de um período midiológico.” (Débray, 1995)

Para a midiologia, a estratégia de armazenamento e circulação da informação e do conhecimento é que definirão a especificidade de uma midiasfera, de maneira geral podemos distinguir ao menos três durante a história humana:

(...) a logosfera, quando o escrito, central, é difundido através das contin gências e canais da oralidade; grafosfera, quando o discurso impõe sua racionalidade ao conjunto do meio simbólico; enfim, a videosfera, liberada do limite dos livros pelos suportes audiovisuais.(Débray, 1995: 41)

Para o midiólogo, as midiasferas não são estanques, apenas existe o predomínio de um meio de estocagem e circulação do “escrito central”. Outros meios sobrevivem e atuam de forma simultânea. Também é facilmente detectável que a geopolítica influencia as midiasferas e vice-versa. Muitos países árabes encontram-se por questões culturais em uma logosfera.

No seio de uma midiasfera, culturas e sociedades se desenvolvem e se sucedem, sem que necessariamente haja uma mudança de esfera. Estas se processam lentamente e dependem como já enunciamos da confluência da técnica com a

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cultura e a política. “No final de contas, uma cultura ou uma tradição social têm o destino dos aparelhos de memória que lhes servem de suporte; além disso, cada nova midiasfera curto-circuita a classe dos mediadores hegemônicos, oriunda da precedente”. (Débray, 1995: 44)

Ou seja, muito embora possa haver uma convivência sobreposta de midiasferas, será da midiasfera predominante que brotarão os grupos sociais ou classes hegemônicas que intercederão de forma decisiva na circulação simbólica.

Ao aderirmos ao ferramental midiológico para estudarmos a transição livro impresso – livro eletrônico, abdicamos de nos valer de uma série de ferramentas conceituais muito caras aos estudos de mídia. Por um lado não nos valeremos da noção de estrutura8 na maneira que dela se utilizam os adeptos do estruturalismo , já que esta, de uma forma ou de outra, postula uma essência trans-histórica, algo incompatível com a sucessão permanente das inovações técnicas. Também não postulamos a noção de sistema, já que esta pressupõe um isolamento do mesmo, algo impensado em uma midiasfera, na qual o postulado do inter se sobrepuja o do entre.

A noção de campo extraída da sociologia de Bourdieu nos será útil de forma subsidiária, pois embora admitamos que não possa haver uma equivalência entre esfera e campo, reivindicamos a que a primeira englobe a segunda, portanto, dentro de uma midiasfera teremos vários campos em formação e dissolução, sem que isto afete necessariamente a continuidade desta midiasfera. Esta autonomia englobante da midiasfera fica mais clara com os exemplos que Debray nos apresenta:

8 Isso não significa que abdicamos totalmente deste conceito, como ficará evidente no item C deste tópico.

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A esfera reconduz o sistema visível do médium ao macrossistema invisível que lhe dá sentido. Vemos o forno de microondas, mas não a imensa rede EDF (empresa pública de eletricidade) à qual está conectado. Vemos o automóvel não a malha rodoviária, os postos de combustível, as refinarias, os navios-tanques, nem tampouco as usinas e os gabinetes de pesquisa a montante e todos os aparelhos de manutenção e de segurança (...)” (Débray, 1995: 48)

Ora, quando falamos em livro impresso, pensamos no exemplar que manuseamos, na bela capa e no papel utilizado. No limite, como bibliófilos nos preocuparemos com a editoração, as fontes usadas, etc. Todo o restante nos escapa. O imenso aparato técnico que representam as indústria gráfica e papeleira, a cadeia de legitimação do texto que passa pelas escolhas do autor, envolve as recusas dos editores, e quando aceito, todo um ciclo de produção que passa pela preparação do texto, sua editoração, e impressão, a escolha do período certo para lançamento e a distribuição em livrarias, a isso se soma à disputa por espaço na mídia. O que nos interessa, como leitores, é, sobretudo o armazém simbólico que o objeto livro representa. Pois bem, ao midiólogo interessa toda a cadeia acima descrita.

Ao abordarmos o livro no seio de uma midiasfera não renunciaremos aos conflitos que os processos de ascensão de uma tecnologia podem representar. As condições culturais e políticas que tornam possíveis a um certo grupo social valer-se de uma tecnologia emergente também estarão presentes em nossos estudos. Fazemo - nos adeptos da seguinte frase: Os maquinismo s propõe m, os grupos sociais dispõem. Neste círculo vício- virtuoso é que as mudanças tecnológicas ocorrem e muitas vezes despertam a falsa sensação de que são apenas e tão somente resultado do maquinismo.

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2.3 O recurso à sociologia de Pierre Bourdieu para dar conta dos conflitos estabelecidos no interior da midiasfera.

O conceito de campos e habitus formulados por Pierre Bourdieu serão importantes em nossa estratégia de análise do mercado editorial e da emergência de uma cultura hacker, dentro de um campo que chamaremos de informático9. Para Bourdieu, o campo representa um espaço social estruturado de dominação e conflitos. Os campos apresentam uma certa autonomia em relação ao conjunto da sociedade, cada campo possui suas próprias regras de organização e hierarquia. Referindo-se ao processo de autonomização dos campos, Bourdieu apresenta o exemplo do campo literário,

O movimento do campo literário, ou do campo artístico para a autonomia pode ser compreendido como um processo de depuração em que cada gênero se orienta para aquilo que o distingue e o define de modo exclusivo, para alé m mesmo dos sinais exteriores, socialmente conhecidos e reconhecidos de sua identidade. (Bourdieu, 1989: 70)

Com maior ou menor grau de autonomia, cada campo constrói seus jargões, regras e fatores que o tornam distintos dos outros campos. Este movimento de identidade se constrói a partir da alteridade em relação aos outros campos. Apesar desta relativa autonomia, os campos compartilham muitos aspectos comuns e se inserem no quadro geral da sociedade, exemplos de campos, são, o jurídico, o esportivo, o universitário etc. Aos campos são caros seus corpos de especialistas, responsáveis por produzir seus sistemas simbólicos que são, sobretudo, instrumentos estruturantes de dominação.

Intimamente ligado ao conceito de campo está o de habitus que Bourdieu vai buscar junto à escolástica que por sua vez extraíra tal conceito dos estudos de Aristóteles, em especial do termo

9 Ou informacional.

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grego hexis. O termo habitus constituiria um conjunto de conhecimentos e atitudes que o agente social adquire a partir de sua posição dentro do campo, e que além de representar um repertório adquirido também conterá um germe de ação. Segundo Maria Drosila Vasconcellos10 o habitus conferirá ao indivíduo as condições de pensar e agir dentro do campo, “O habitus traduz, desta forma, estilos de vida, julgamentos políticos, morais, estéticos. Ele é também um meio de ação que permite criar ou desenvolver estratégias individuais ou coletivas.”

Em Bourdieu está presente uma das grandes questões das Ciências Sociais: Até que ponto o individuo e a criativ idade possuem autonomia de ação no interior de cristalizadas estruturas sociais?

Em que pese sua crítica ao estruturalismo, principalmente às correntes representadas por Lévi- Strauss e Althusser, Bourdieu também apresenta em sua obra um forte apego ao conceito de estrutura, ao qual a noção de campo está intimamente vinculado. Sua distinção manifesta-se claramente através do conceito de habitus, o qual representa o campo da ação, fortemente marcado pela memória social e secundariamente pela criatividade e mudança social.

Retomando a velha noção aristotélica de hexis, convertida pela escolástica em habitus, eu desejava agir contra o estruturalismo e a sua estranha filosofia de acção que, implícira na noção Levi-satraussiana de inconsciente, se exprimia com toda a clareza entre os althusserianos, com o seu agente reduzido ao papel de suporte – Trager – da estrutura; e fazia- o arrancando Panofsky à filosofia neo-kantiana das formas simbólicas em que ele ficara preso.(...) Sendo as minhas posições próxima s das Chomsky, (...) eu desejava pôr em evidência as capacidades criadoras, activas, inventivas do habitus e do agente (que a palavra hábito não diz), embora chamando a atenção para a idéia de que este poder gerador não é o de um espírito universal, de uma natureza ou de uma razão humana, como em Chomsky – o habitu s, como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital (de um sujeito transcedental na tradição idealista)

10 Vasconcellos, Drosila Maria Pierre Bourdieu: A herança sociológica. Educação e Sociedade, ano XXIII, n°

78, Abril/2002.

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o habitus, a hexis, indica a disposição incorporada, quase postural –, mas sim o de um agente em acção, tratava -se de chamar a atenção para o primado da razão prática de que falava Fichte, retomando ao idealismo, como Marx sugeria nas Teses sobre Feuerbach, o lado activ o do conhecimento prático que a tradição materialista, sobretudo com a teoria do reflexo, tinha abandonado. (Bourdieu, 1989: 61)

Julguei necessária esta longa citação, pois acredito que ela esclarece de forma contundente a importância do conceito de habitus e sua matriz de memória social voltada para ação. Também delimita sua filiação teórica demarcando as diferenças com o estruturalismo, sem qualquer pressuposição de totalidades históricas e com o marxismo da teoria reflexiva, refutando a idéia de subordinação contida nos conceitos estrutura-superestrutura.

Não existe um estruturalismo e sim um leque imenso de teóricos sociais que se valem de acepções variadas do conceito de estrutura em suas pesquisas. As críticas de Bourdieu se dirigem especificamente ao estruturalismo representado pela corrente antropológica liderada pelo pensamento de Lé vi-Strauss. Após uma pesquisa etnológica sobre as práticas simbólicas do povo Kabyla, valendo-se do referencial estruturalista, Bourdieu concluiu que este era insuficiente para dar conta da transmissão destas práticas.

Diferentemente do que afirmavam os estruturalistas, não havia uma lógica anterior que funcionasse como motor para a reprodução cultural, ou um espírito humano, à maneira de Lévi-Strauss. A lógica detectada pelo pesquisador seria o resultado da aplicação arbitrária de seu instrumental teórico. A reprodução cultural dar-se-ia sem qualquer intencionalidade, sem nenhum compromisso com esta pressuposta lógica. A lógica estruturalista que presidia as práticas na verdade seria um resultado das práticas e não o contrário.

A este espírito, esta lógica, Bourdieu irá contrapor o conceito de habitus, que admite as regularidades detectadas pelo autor, mas as credita a uma certa adesão automática do

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ator social a caminhos já abertos por seus antecessores, sem que necessariamente haja a necessidade por esta adesão, pois haverá sempre a possibilidade de o ator buscar outras trilhas e no limite criar a sua própria.

Os conceitos de habitus e campos nos serão de extrema valia no estabelecimento das observações sobre o campo editorial, na análise de suas práticas e na detecção de caminhos alternativos postulados e, por vezes, percorridos por seus agentes. A possibilidade de trabalhar com uma memória social e uma estrutura estruturada nos permitirá caracterizar os papéis em jogo e seus deslocamentos - sintomáticos nos movimentos desta estrutura -, engendrados pela emergência da sociedade de informação e pelo avanço das indústrias criativas.

Os referenciais teóricos apresentados neste tópico serão aqueles que de uma maneira geral atravessarão transversalmente nosso trabalho. O que não significa que sejam os únicos. À medida que submetemos nosso objeto a cenários distintos - como a emergência de uma sociedade de informação, o avanço das indústrias culturais (criativas) ou os estudos diacrônicos do livro e da leitura - mobilizaremos as referências que colhemos no decorrer de nossa revisão bibliográfica. Nos próximos tópicos faremos referências a elas, sem esmiuçá-las. Este trabalho será realizado oport unamente, nos respectivos capítulos da dissertação em que figurarem.

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3. Momento histórico específico. Sociedade da informação (SI) e globalização.

A midiasfera atual apresenta-se como videosfera, nela prevalece como estratégia de armazenamento e propagação do conhecimento - informação todo o construto político- técnico-cultural dos meios audovisuais. A tela deste computador em que escrevo, ou o aparelho de TV que se encontra na sala, são apenas cabeças de alfinete num emaranhado global de interfaces. Em seus quadros midiológicos, presentes em uma série de trabalhos11, é possível identificar uma homologia entre os aspectos constitutivos da videosfera e uma série de características presentes no conceito de sociedade de informação. Entretanto, existem aspecto s não apresentados por Debray em seus quadros que se fazem presentes nos adeptos do conceito de SI. Para darmos conta deste momento transitório que vive o livro, acreditamos que o conceito de SI pode enriquecer nossa análise, estando naquilo que é essencia l, alinhado ao guarda-chuva mais geral do discurso midiológico.

No ano de 1999, uma comissão formada por cientistas, empresários e agentes governamentais trouxe a público um documento coletivo intitulado Sociedade da Informação no Brasil – Livro Verde. Este trabalho de elaboração coletiva buscava definir os contornos e diretrizes de um programa de ações que possibilitasse a inserção do Brasil na sociedade mundial da informação. O que este esforço de elaboração evidenciava é que o mundo globalizado vivia (e ainda vive) um acelerado processo de transformações da sociedade industrial para uma sociedade da informação. A principal característica desta sociedade emergente é o papel central da informação como mais importante bem do mundo

11 Respectivamente as seguintes obras de Régis Debray: Curso de Midiologia Geral, O estado sedutor e Vida e morte da imagem.

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capitalista. O Livro Verde descrevia três fenômenos inter-relacionados como originadores deste deslocamento,

O primeiro, a convergência da base tecnológica, decorre do fato de se poder representar e processar qualquer tipo de informação de uma única forma, a digital....O segundo aspecto é a dinâmica da indústria que tem proporcionado contínua queda dos preços dos computadores relativamente à potência computacional, permitindo a popularização crescente dessas máquinas. Finalmente, em grande parte como decorrência dos dois primeiros fenômenos, o terceiro aspecto na base desta revolução é o fantástico crescimento da Internet. (MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2000: p. 3) No seio da sociedade da informação engendram-se mudanças que afetam os modos de vida das pessoas, como estas aprendem, trabalham se relacionam entre si e com as instituições. Como fator dinamizador deste processo temos a nova economia:

O negócio eletrônico está no cerne da emergência de uma nova economia que se caracteriza pelo potencial crítico de profissionais autoprogramáveis, da inovação tecnológica e da avaliação do mercado financeiro como propulsores da economia. Como em todas as economias, a produtividade do trabalho é o motor do desenvolvimento, e a inovação está na fonte da produtividade. Cada um desses processos é levado a cabo e transformado pelo uso da Internet como meio indispensável de organização em rede, processamento de informação e geração de conhecimento. (Castells, 2003: 87)

Os trabalhadores do conhecimento, sempre necessários ao desenvolvimento de qualquer modo de produção, são ainda mais importantes na sociedade da informação. A cadeia de valores produtivos pode ser abastecida de forma abundante com esta mão de obra diferenciada graças ao que Manuel Castells chama de organização em rede. Ou seja, cadeias de transmissão e recriação de conhecimento que se valem da Internet como meio

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para inaugurar uma nova intersubjetividade e novas modalidades de aprender. O precursor do conceito sociedade de informação foi o sociólogo americano Daniel Bell. Estudando os fenômenos que se processavam no seio da sociedade industrial americana do pós- guerra, Bell identificou fortes indutores de mudanças estruturais que deslocavam o centro da geração de riquezas e do modo de produção, da manufatura para a geração de conhecimento,

Minha premissa básica é que conhecimento e informação estão se tornando os recursos estratégicos e os agentes transformadores da sociedade pós-industrial da mesma maneira que a combinação de energias, recursos e tecnologia mecânica, foram os instrumentos

transformadores da sociedade industrial. (Bell, 1980a: 531, 545).

Este fenômeno não se restringiria apenas aos EUA, ou ao mundo ocidental, potências capitalistas ascendentes como as asiáticas também experimentavam estas transformações. Neste caso, o Japão é um bom exemplo, sua estratégia de formação de uma indústria intensiva em tecnologia exigiu uma mudança significativa no perfil dos trabalhadores . Podemos ilustrar a compreensão que certos pensadores japoneses da gestão empresarial tinham destas mudanças, através das observações de um de seus expoentes:

(...)a mercadoria informação...que consiste de redes de informação e de bancos de dados, a organização básica da geração de informação substituirá a fábrica como símbolo societário.”

(...)Ela terá o caráter fundamental de uma infra-estrutura e o capital formado por conhecimento predominará sobre o capital material na estrutura da economia. ”(Masuda,1985: 621,626)

A abrangência das transformações perpetradas pela emergência da sociedade de informação são compreendidas de formas diferentes entre os teóricos do assunto. Para Bell, o pai do conceito, por exemplo, as transformações se restringiriam ao universo

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econômico, aos processos produtivos. Manuel Castells acredita em mudanças mais profundas, e de certa forma homólogas àquelas identificadas pelos quadros midiológicos:

O registro histórico das revoluções tecnológicas (...) mostra que todas são caracterizadas por sua penetrabilidade, ou seja, por sua penetração em todos os domínios da atividade humana, não como fonte exógena de impacto, mas como tecido em que esta atividade é exercida.(Castells, 2000: 68)

Não podemos, entretanto, aderir ingenuamente a uma concepção de sociedade da informação homogeneamente desenvolvida. Trata-se de uma transformação do capitalismo tardio que ocorre globalmente de forma desigual. Enquanto nos países desenvolvidos o fenômeno é intensivo, seu ritmo é muito mais lento nas economias em desenvolvimento. Um dos termômetros deste fenômeno é a inserção da Internet na vida cotidiana. No Brasil existem cerca de 14,3 milhões de usuários domiciliares de Internet12. Nos EUA são cerca de 168,1 milhões de usuários e na Europa o número de internautas encontra-se na casa dos 135 milhões.13

Divergências quanto à abrangência geográfica e dos campos14 das mudanças perpetradas são comuns entre os teóricos que admitem a possibilidade de uma sociedade de informação. Outra importante divergência diz respeito à gênese destas transformações. Do ponto de vista histórico elas teriam se iniciado apenas na modernidade tardia do pós-guerra, ou já estariam presentes no princípio da

12Conforme dados da pesquisa Ibope Netratings de dezembro de 2003, correspondendo a 8% da população.

13 Dados Nielsen-Netratings de dezembro de 2003. Correspondendo a mais de 50% da população americana

14 Entendemos como campos os espaços sociais delimitados conforme teorizados por Pierre Bourdieu.

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modernidade ocidental15? A definição das coordenadas temporais destas transformações se estabelecem a partir do tipo de foco dispensado ao processo. Caso o elemento central seja as questões relacionadas à capacidade de processamento e armazenamento de informação, prevalecem as presenças do computador, dos bancos de dados a introdução de interfaces gráficas presentes em écrans16 e a transmissão em rede, configurando a década de 50 do século XX como a época das transformações. Caso o foco das transformações se coloque sobre os modelos de gestão do processo produtivo, aí o cenário se transforma. Para Beniger, os fenômenos característicos da sociedade de informação já estão presentes nos primórdios da era industrial, quando uma crise de controle da produção acarretado pela aceleração do processo produtivo do modo das corporações de ofício para as fábricas resultou em novas exigências de controle:

A socie dade de informação não é produto de mudanças recentes (...) mas, sim, de aumentos na velocidade de processamento material e dos fluxos através da economia material que se iniciaram há mais de um século. Da mesma forma, o microprocessamento e a tecnolog ia da computação, ao contrário da opinião ora em moda, não representam uma nova força desencadeada apenas há pouco tempo sobre uma sociedade desesperada, mas tão-somente a etapa mais recente do desenvolvimento contínuo da revolução de controle . (Beniger, 1985: 435)

Uma linha média entre tais visões é defendida por Manuel Castells, que admite não serem novas as demandas por informação e conhecimento nos processos produtivos, estando estas presentes em toda a revolução industrial, entretanto, na atual fase vivemos

15 Adotamos a definição de modernidade do sociólogo inglês Antoby Giddens para o qual a modernidade refere-se ao estilo de vida ou organização sociais que surgiram na Europa a partir do século XVII e que por força de um processo de expansão européia, tornaram-se mundiais. (Giddens, 1991: 11)

16 Telas, vídeos, monitores, comumente usados nos computadores funcionando como ponto de contato entre o usuário e a máquina.

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uma aceleração tão significativa deste processo, de forma que a própria geração de informação e conhecimento gera a necessidade de novas informações e conhecimentos em um processo contínuo de retro-alimentação,

O que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centralidade de conhecimentos e informação, mas a aplicação desses conhecimentos e informação para a geração de conhecimentos e de dispositivos de processamento-comunicação da informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso.

(Castells, 203: 69)

As mudanças operadas pela emergência da sociedade da informação afetam todas as dimensões da vida humana, em especial a forma como se opera a apropriação da informação e a transformação desta em conhecimento. A porta de entrada é formada pelo mosaico de interfaces gráficas de computadores. Steven Johnson define deste modo esta nova conformação cultural:

A representação de toda esta informação vai exigir uma nova linguagem visual, tão complexa e significativa quanto as grandes narrativas metropolitanas do século XIX. Já podemos ver os primeiro movimentos dessa nova forma em designs recentes de interface que foram além da metáfora bidimensional do desktop para chegar a ambientes digitais mais imersivos : praças, shopping centers, assistentes pessoais, salas de estar. (Johnson, 2001: 20)

Para os limites deste tópico, não nos importa discutir de forma minuciosa o caráter das mudanças em curso, nos contentamos em identificar a emergência da informação como uma das forças centrípetas da sociedade capitalista contemporânea. A intensidade com que este fenômeno se processa nas diversas partes do globo é reconhecida por nossa caracterização.

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Outra dimensão contemporânea a desfechar um golpe sobre os modelos tradicionais de registro e propagação de conteúdos é o fenômeno que por conveniência designamos por globalização. Na sociedade de informação o fluxo do conhecimento é contínuo e acelerado, o desenvolvimento da Internet intensificou a sensação de obsolescência oferecendo ao padrão de consumo de conhecimento um modelo ao mesmo tempo mais fragmentado e veloz. A oferta de conteúdos culturais de forma mercantil, segundo Bernard Miège, pode ser dividida em três grandes modelos: o de mercadorias culturais, o da cultura de fluxo e o de produção de informação. No primeiro caso temos os produtos editoriais como livros, CDS, fitas de vídeo, DVDs, filmes exibidos em cinema etc. Tais produtos necessitam ser vendidos ao consumidor, diretamente ou através de distribuidores, o mercado possui pequenas e médias empresas e alguns grandes oligopólios. Organiza-se com base no pagamento de direitos autorais e busca atingir um mercado consumidor de massas segmentado. No segundo caso temos a produção da televisão e do rádio, cuja amplitude e continuidade de difusão são significativamente maiores que os do modelo anterior. É um mercado marcado pela obsolescência dos produtos e, por isso, necessita de um fluxo contínuo de novas atrações. Neste campo cultura e informação estão em intersecção e o financiamento se dá principalmente através da publicidade e do Estado. Há uma grande concentração de empresas e o controle de oligopólios. O terceiro modelo que envolve sites e jornais e revistas impressos e digitais, mistura parte dos dois modelos anteriores.

Bernard Miège tem estudado a indústria do cultural sob a influência dos formatos digitais. Segundo o autor, estamos diante de uma mudança significativa promovida pela desmaterialização de conteúdos. Os conteúdos que anteriormente estavam ligados diretamente a um suporte “material”, tangível, encontram-se libertos no meio digital, o que

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permite a potencialização dos fluxos de conteúdos e o comercialização destes em diversos formatos. Os conceitos de desmaterialização dos conteúdos e de indústrias do conteúdo, serão tratados no capítulo seis dessa dissertação, pois acreditamos que estes ajudam a entender algumas das características principais do e-book.

4. A introdução do livro eletrônico geograficamente delimitada no mercado editorial brasileiro contemporâneo.

Um aspecto importante de nosso estudo da transição do livro impresso para o livro eletrônico diz respeito às delimitações. Ao optarmos por um eixo diacrônico estabelecemos como fontes históricas os períodos de transição técnica, política e cultural, demarcados pelas mudanças de formato e suporte. Para efeito de ponto de chegada deste percurso histórico optamos por realizar um estudo da realidade econômica, jurídica e política do livro no Brasil, abarcando os últimos 15 anos de atividades do mercado editorial. Esta opção se deve ao fato de durante este período possuirmos levantamentos respeitáveis das entidades do setor, mas também por conseguirem abarcar a emergência do fenômeno descrito como sociedade de informação e sua influência sobre os processos de produção e circulação de livros. Portanto, o que aparentemente pode parecer uma escolha arbitrária, não o é, pelos motivos supracitados. Cabe ainda acrescentar que a delimitação ao mercado brasileiro se deve às dificuldades de levantamentos mais gerais, que necessitariam de recursos financeiros e de tempo, de que não dispomos.

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Para traçarmos um perfil do mercado brasileiro contemporâneo nos valeremos da análise de uma série de dados históricos. Procede remos à análise do Diagnóstico do Setor Editorial Brasileiro, realizado pela Fundação João Pinheiro, sob encomenda da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sindicato Nacional de Editores (SNEL). Esta pesquisa possui levantamentos anuais que remontam ao ano de 1990. Durante este período, alguns itens da mesma sofreram alteração e outros foram incluídos ou retirados da amostra, mas, de maneira geral, trata-se de um levantamento que pode nos revelar as tendências de desempenho que nos últimos 14 anos o mercado editorial brasileiro apresentou. Nesse trabalho todos estes dados anuais serão agrupados em séries históricas, comparando-os entre si e com outros dados, como , por exemplo, o aumento da população medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Buscaremos uma visão dos seguintes aspectos: Produção de exemplares, produção de títulos, tiragens, faturamento, indicadores de rentabilidade, situação dos canais de comercialização, evolução do preço pago por exemplar, número de leitores per capita, número de leitores compradores per capita.

Paralelamente a este trabalho, realizaremos a análise de toda a cadeia de valores do mercado editorial compreendida pelos processos de edição – impressão – comercialização.

Para tanto, além dos dados editoriais mencionados e presentes nos números das pesquisas citadas, buscaremos dados sobre o mercado gráfico e suas recentes transformações. A fonte será a pesquisa desenvolvida pela Abigraf em seus Anuários da Indústria Gráfica. Quanto ao varejo do livro, nos valeremos dos números desta área presentes na pesquisa CBL- SNEL, porém, para não ficarmos restritos a frieza dos números, optamos por analisar as livrarias atuais, buscando traçar o perfil médio de uma loja destinada a esta atividade. O

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objeto analisado será comparado a uma livraria tradicional de 15 anos atrás. Buscaremos com isso detectar as mudanças ocorridas neste importante elo da cadeia de valores do livro, tentando aferir em que estas mudanças estão alinhadas com a emergência da videosfera e da sociedade de informação. Buscaremos também identificar convergências e divergências entre este modelo de varejo e a possível comercialização de livros eletrônicos. Um terceiro modelo será analisado, o das livrarias virtuais, tanto no quesito comercialização de livros impressos quanto de livros digitais. Nossa hipótese é que esta análise propiciará a verificação dos importantes deslocamentos que a introdução do livro eletrônico deverá causar na cadeia de valores17 do mercado editorial.

5. A introdução do livro eletrônico vinculada a uma história dos meios de comunicação.

Este artefato, o livro, escolhido como objeto de nossa pesquisa, apresenta diversas facetas que precisam ser claramente identificadas para efeito de evitarmos confusões e circunscrevermos aqueles aspectos que, em nossa análise, serão mais caros. Para tanto nos será útil uma restrospectiva deste objeto, ancestral de todos os meios de comunicação e de certa forma pedra angular do desenvolvimento destes. Os historiadores da escrita são categóricos em afirmar que por cerca de 5000 anos, apesar do conhecimento por inúmeras civilizações do registro escrito, a humanidade viveu sobre a preponderância da oralidade.

17 O conceito de cadeia de valores foi extraído do campo da administração empresarial, particularmente dos estudos de estratégia. As cadeias de valores é, segundo Porter (1989) uma reunião de atividades que são executadas para projetar, produzir, comercializar, entregar e sustentar o seu produto. Cada empresa possui a sua, porém estas se integram a uma cadeia mais ampla do ramo industrial ao qual se está vinculado. Uma descrição minuciosa da cadeia de valores do mercado editorial será apresentada no capítulo VII.

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Como diriam os antigos: “A letra mata a palavra vivifica”. Podemos fazer coro com Jorge Luis Borges, que nos fala de grandes profetas e pensadores, fundadores da civilização ocidental e que jamais utilizaram a escrita para registrar seus pensamentos, casos de Jesus Cristo e do filósofo Sócrates. Para evitarmos confusões gostaríamos de deixar claro que não imaginamos que a preponderância do escrito sobre o oral signifique uma evolução determinista dos meios de registro e transmissão do conhecimento. Como já foi muito bem assinalado por Paul Zunthor, a oralidade cumpriu e cumpre um papel fundamental nos processos mnemônicos. Entretanto, acreditamos que a ascensão do escrito está intimamente relacionada ao advento da modernidade, com tudo que isto representa como, revolução industrial, estabelecimento de uma sociedade civil, deslocamento do homem para o centro da arena político-social, ascensão da técnica e da ciência. Como bem assinalou Bottéro,

(...) a escrita revolucionou a comunicação entre os homens e a qualidade das suas mensagens. O discurso oral implica a presença simultânea, no tempo e lugar, da boca que fala e dos ouvidos que ouvem. Não é feito para durar mais do que essa fugaz confrontação;

por isso, não pode ser retido (em todos os sentidos da palavra) com facilidade... Já o discurso escrito transcende o espaço e a duração, uma vez fixado, pode, por si mesmo, ser difundido por inteiro em todos os lugares e todos os tempos, em toda parte onde encontra um “leitor”, bem além do círculo obrigatoriamente estreito dos “auditores”. (Bottéro, 1995:20-21)

Será de especial importância para nosso estudo da transição do impresso ao eletrônico a literatura científica. Admitimos uma taxonomia corrente no mercado editorial que divide os livros em determinadas categorias como, por exemplo, técnico-científico, didático, jurídico, auto-ajuda, obras gerais, religioso. Podemos facilmente questionar a arbitrariedade destas divisões que tem em sua origem critérios relacionados à divisão da

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indústria que em um determinado momento exigiu a especialização. Por conta disto, algumas empresas se especializaram nos negócios jurídicos, outras em livros universitários, bem poucas no segmento didático extremamente exigente na necessidade de capital.18 Para efeito de nosso estudo poderemos nos valer de uma classificação mais genérica, tendo como eixo os aspectos motivadores da recepção, neste caso teríamos três grandes literaturas de: Entretenimento, conhecimento, religião.19 Nosso estudo privilegiará os dois primeiros grupos. Ora, como base do desenvolvimento da ciência, ou das culturas científicas, temos esta literatura científica.

Nenhuma cultura da tradição oral jamais conseguiu, até hoje, desenvolver ciência verdadeira: os saberes de alto padrão derivam todos de ambientes dotados da escrita e capazes, graças a ela, de construir sistemas de conhecimento extensos, precisos, controlados e sistematizados, e além disso ampliáveis e aperfeiçoáveis por uma classe mais ou menos prolongada de competências. (Bottéro, 1995: 23)

Neste cenário de desenvolvimento do científico a partir do registro escrito e de sua disseminação é um dos pontos nodais de nossa abordagem, afinal de contas estamos diante de uma estratégia própria a uma midiasfera. Um dos momentos mais emblemáticos da importância do escrito é certamente a introdução da prensa de tipos móveis por Gutenberg.

Elizabeth Eisenstein considera este momento capital, para a autora uma série de mudanças revolucionárias se deram após o advento desta técnica, influindo não só na organização do conhecimento, mas também na incipiente indústria capitalista. A proliferação dos impressos iria estimular a padronização, permitiria que as diversas línguas regionais constituíssem

18 Um detalhamento destes segmentos será feito n o capítulo dois dessa dissertação.

19 Esta divisão se baseia nos motivadores da recepção, a categoria conhecimento tem classifica as obras cuja recepção tenha como fator predominante a busca do conhecimento científico, educacional e auto-ajuda; a categoria entretenimento engloba as obras cuja busca receptiva seja por diversão e a categoria religião agrupa os livros cujos receptores buscam conforto ou conhecimento espiritual. Um livro pode ocupar mais de uma categoria dependendo do tipo de recepção.

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