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A introdução do livro eletrônico vinculada a uma história dos meios de comunicação. comunicação

No documento UNIVERSIDADE PAULISTA (páginas 37-44)

Este artefato, o livro, escolhido como objeto de nossa pesquisa, apresenta diversas facetas que precisam ser claramente identificadas para efeito de evitarmos confusões e circunscrevermos aqueles aspectos que, em nossa análise, serão mais caros. Para tanto nos será útil uma restrospectiva deste objeto, ancestral de todos os meios de comunicação e de certa forma pedra angular do desenvolvimento destes. Os historiadores da escrita são categóricos em afirmar que por cerca de 5000 anos, apesar do conhecimento por inúmeras civilizações do registro escrito, a humanidade viveu sobre a preponderância da oralidade.

17 O conceito de cadeia de valores foi extraído do campo da administração empresarial, particularmente dos estudos de estratégia. As cadeias de valores é, segundo Porter (1989) uma reunião de atividades que são executadas para projetar, produzir, comercializar, entregar e sustentar o seu produto. Cada empresa possui a sua, porém estas se integram a uma cadeia mais ampla do ramo industrial ao qual se está vinculado. Uma descrição minuciosa da cadeia de valores do mercado editorial será apresentada no capítulo VII.

Como diriam os antigos: “A letra mata a palavra vivifica”. Podemos fazer coro com Jorge Luis Borges, que nos fala de grandes profetas e pensadores, fundadores da civilização ocidental e que jamais utilizaram a escrita para registrar seus pensamentos, casos de Jesus Cristo e do filósofo Sócrates. Para evitarmos confusões gostaríamos de deixar claro que não imaginamos que a preponderância do escrito sobre o oral signifique uma evolução determinista dos meios de registro e transmissão do conhecimento. Como já foi muito bem assinalado por Paul Zunthor, a oralidade cumpriu e cumpre um papel fundamental nos processos mnemônicos. Entretanto, acreditamos que a ascensão do escrito está intimamente relacionada ao advento da modernidade, com tudo que isto representa como, revolução industrial, estabelecimento de uma sociedade civil, deslocamento do homem para o centro da arena político-social, ascensão da técnica e da ciência. Como bem assinalou Bottéro,

(...) a escrita revolucionou a comunicação entre os homens e a qualidade das suas mensagens. O discurso oral implica a presença simultânea, no tempo e lugar, da boca que fala e dos ouvidos que ouvem. Não é feito para durar mais do que essa fugaz confrontação;

por isso, não pode ser retido (em todos os sentidos da palavra) com facilidade... Já o discurso escrito transcende o espaço e a duração, uma vez fixado, pode, por si mesmo, ser difundido por inteiro em todos os lugares e todos os tempos, em toda parte onde encontra um “leitor”, bem além do círculo obrigatoriamente estreito dos “auditores”. (Bottéro, 1995:20-21)

Será de especial importância para nosso estudo da transição do impresso ao eletrônico a literatura científica. Admitimos uma taxonomia corrente no mercado editorial que divide os livros em determinadas categorias como, por exemplo, técnico-científico, didático, jurídico, auto-ajuda, obras gerais, religioso. Podemos facilmente questionar a arbitrariedade destas divisões que tem em sua origem critérios relacionados à divisão da

indústria que em um determinado momento exigiu a especialização. Por conta disto, algumas empresas se especializaram nos negócios jurídicos, outras em livros universitários, bem poucas no segmento didático extremamente exigente na necessidade de capital.18 Para efeito de nosso estudo poderemos nos valer de uma classificação mais genérica, tendo como eixo os aspectos motivadores da recepção, neste caso teríamos três grandes literaturas de: Entretenimento, conhecimento, religião.19 Nosso estudo privilegiará os dois primeiros grupos. Ora, como base do desenvolvimento da ciência, ou das culturas científicas, temos esta literatura científica.

Nenhuma cultura da tradição oral jamais conseguiu, até hoje, desenvolver ciência verdadeira: os saberes de alto padrão derivam todos de ambientes dotados da escrita e capazes, graças a ela, de construir sistemas de conhecimento extensos, precisos, controlados e sistematizados, e além disso ampliáveis e aperfeiçoáveis por uma classe mais ou menos prolongada de competências. (Bottéro, 1995: 23)

Neste cenário de desenvolvimento do científico a partir do registro escrito e de sua disseminação é um dos pontos nodais de nossa abordagem, afinal de contas estamos diante de uma estratégia própria a uma midiasfera. Um dos momentos mais emblemáticos da importância do escrito é certamente a introdução da prensa de tipos móveis por Gutenberg.

Elizabeth Eisenstein considera este momento capital, para a autora uma série de mudanças revolucionárias se deram após o advento desta técnica, influindo não só na organização do conhecimento, mas também na incipiente indústria capitalista. A proliferação dos impressos iria estimular a padronização, permitiria que as diversas línguas regionais constituíssem

18 Um detalhamento destes segmentos será feito n o capítulo dois dessa dissertação.

19 Esta divisão se baseia nos motivadores da recepção, a categoria conhecimento tem classifica as obras cuja recepção tenha como fator predominante a busca do conhecimento científico, educacional e auto-ajuda; a categoria entretenimento engloba as obras cuja busca receptiva seja por diversão e a categoria religião agrupa os livros cujos receptores buscam conforto ou conhecimento espiritual. Um livro pode ocupar mais de uma categoria dependendo do tipo de recepção.

suas gramáticas, incentivando um certo espírito nacional. Serviria aos intuítos da ascendente burguesia e se constituiria em instrumento de mudança da ordem religiosa, por servir de maneira categórica a revolução protestante. Um exemplo desta visão de Eisenstein pode ser detectada no seguinte trecho,

Muitas indústrias capitalistas primitivas exigiam um planejamento eficiente, atenção metódica aos detalhes e cálculos racionais. Contudo, as decisões tomadas pelos primeiros impressores afetaram diretamente tanto a feitura de ferramentas quanto a de símbolos. Seus produtos transformaram a capacidade de manipular objetos, de perceber fenômenos variados e meditar sobre os mesmos. Os estudiosos interessados na modernização ou racionalização ganhariam em refletir mais sobre os novos tipos de trabalho mental estimulado pelo escrutínio de mapas, tabelas, diagramas, dicionários e gramáticas. (Eisenstein, 1998: 77-78)

A abordagem de Eisenstein que coloca o advento da prensa de tipos móveis no centro das transformações sociais, culturais e políticas da modernidade é questionada por teóricos que imputam a esta visão um exagerado determinismo tecnológico. De outra frente advém críticas quanto ao parcialismo desta visão que confere a uma técnica e não a seus agentes as mudanças em curso. Chartier é um destes críticos, para o autor certamente uma série de transformações ocorreram com o advento da prensa, sobretudo do ponto de vista cultural, mas antes de representar uma ruptura com a cultura manuscrita, a cultura impressa era sua continuidade e representante de sua herança. Uma das grandes dificuldades em analisar este período de transição está em nosso distanciamento, e no fato de os pesquisadores serem produto da cultura impressa da grafosfera, que concede um excessivo peso ao impresso em detrimento das outras formas de registro escrito.

Sem nos furtarmos ao estudo destas importantes questões, concederemos especial atenção à conformação da infra-estrutura forjada pelo fenômeno da impressão. Das pequenas oficinas tipográficas de meados do século XV, a instituição de uma rede de criação e transmissão de conhecimento um século mais tarde. Os estudos efetuados por Lucien Febvre e Henri-Jean Martin demonstram que foi necessário apenas meio século para que as oficinas tipográficas se espalhassem por toda a Europa.

Assim, no fim do século XV, cerca de 50 anos após o aparecimento do primeiro livro impresso, 35.000 edições pelo menos, representando sem dúvida de 15 a 20 milhões de exemplares, já foram publicadas, e a imprensa já se espalhou por todos os países da Europa. Nos países germânicos, depois na Itália e em seguida na França, grandes centros se constituíram. No total, 236 localidades pelo menos viram prelos funcionar.(FEBVRE, 1991: 273)

O empreendimento da impressão não se resumia ao livro, mas certamente este era seu produto mais emblemático. A cadeia de valores desta indústria nascente tinha dois pólos principais: gráficos-editores e fabricantes de papel. Aos gráficos-editores cabia uma série de tarefas:

a) Selecionar os originais: A seleção podia ser feita diretamente pelos gráficos, mas muitas vezes eram frutos de encomendas da universidade, de nobres e clérigos. Em seus primeiros anos, as oficinas tipográfic as ainda dependiam muito da estrutura universitária, que possuía o monopólio dos originais e também os canais de distribuição. Um longo período seria necessário até que este profissional passasse a exercer também a função de livreiro e distribuidor.

b) Estabelecimento do texto, Boa parte da revisão e uma série de escolhas de editoração cabiam ao mestre da oficina tipográfica, na maioria das vezes seu proprietário.

c) Investimento no equipamento e nos insumos: Quando a obra era resultado de encomenda, este investimento era desnecessário, mas quando se tratava de uma opção do gráfico-editor, cabia a este correr os riscos.

d) Distribuição, Um notável sistema de consignação e permutas se estabeleceu entre os gráficos-editores europeus. Obras produzidas na França eram enviadas a Alemanha e vice- versa, incrementado os acervos das partes e fazendo circular o conhecimento.

Mais de dois séculos seriam necessários até que uma divisão das atividades de impressão, edição e comercialização se autonomizassem, sem que necessaria mente houvesse uma divisão empresarial das mesmas.

À indústria papeleira cabia o abastecimento das oficinas tipográficas. Uma demanda ascendente por impressos causou inúmeras crises nesta ind ústria que dependia de insumo escasso e de difícil obtenção. Ocorre que a matéria-prima do papel produzido na Europa eram trapos que possuíam em sua matéria prima cânhamo e linho. Esta circunstância criara uma série de conflitos, até que poderes regionais e algumas vezes nacionais regulamentassem a atuação dos trapeiros, restringindo, por exemplo sua circulação. A ascensão da empresa papeleira se dá no século XIV, ou seja, antes da introdução da prensa de tipos móveis. Há entre os estudiosos da impressão aqueles que conferem importância homóloga à produção em larga escala deste suporte, sem o qual a reprodução em larga escala da escrita teria sido impossível.

A convergência destes fatores de ordem técnica e econômica serão essenciais para o desenvolvimento de outros meios de comunicação, séculos mais tarde. A proliferação de jornais, por exemplo, só ocorrerá no século XVIII, momento em que a atividade editorial já possui efetiva autonomia em relação ao processo tipográfico e em que uma certa logística de circulação de impressos (livros, folhetos e jornais) já permite a sobrevivência econômica deste meio. Mas será apenas na segunda metade do século XIX que os periódicos alcançaram a escala de produção de massas, fenômeno que pode ter inúmeras explicações.

Uma delas, cara aos midiólogos, é o advento do papel de cavacos de madeira. Insumo muito mais abundante que os trapos, e muito mais sujeito a uma exploração racional.

Paralelamente a esta temos outra inovação nas técnicas de impressão com o advento de máquinas rotativas que multiplicavam substancialmente a velocidade de produção.

Mas se o jornal deve ao livro a geração de uma camada técnica de escribas e o impulso as inovações técnicas tanto no papel quanto na impressão, este deve ao jornal a conquista de um público jamais sonhado. Refiro-me ao desenvolvimento do romance de folhetim, exemplo remoto de nossas novelas televisivas, mas também de nossos best sellers de entretenimento. Através do folhetim, grandes autores alcançaram novos públicos. A divulgação através dos jornais impulsionará a venda de suas obras publicadas no formato livro e vice-versa, de forma que teremos um primeiro exemplo da relação sistemática que acompanhará as mídias em seu desenvolvimento.

No documento UNIVERSIDADE PAULISTA (páginas 37-44)