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1 DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

2.1 PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE COMO INSTRUMENTO

O princípio do juiz natural teve sua primeira referência, expressa, constitucional, no texto francês de 1791 e, sua formação é devida à proibição histórica aos poderes de comissão, evocação e atribuição.67

Estas são as três clássicas garantias que vão construir o conteúdo do princípio do juiz natural em suas múltiplas facetas e conseqüências.

Diz-se poder de comissão à instituição de órgãos jurisdicionais sem prévia previsão legal e estranhos à organização judiciária estatal. Eram enfim juízos extraordinários, ex post facto.

Poder de evocação era a atribuição pelo rei da competência de

julgamento a órgão diverso do previsto em lei, ainda que pertencente à organização judiciária. É o que hoje se chama derrogação de competência.

Já o poder de atribuição dava prerrogativa de competência a órgão judiciário em razão da matéria, previamente à ocorrência do crime. Corresponde hoje aos juízos especiais.68

No Brasil, todos os textos constitucionais excepcionada a Carta do Estado Novo (1937), autoritarista, previram o princípio do juiz natural. Desde os primórdios ela adotou um caráter, denominado por Ada Pellegrini Grinover, de dupla garantia.

67 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p.

63-64.

Na tradição do Direito brasileiro, o princípio do juiz natural inseriu-se, desde o início, em sua dupla garantia nas Constituições, equivalendo à proibição de comissões, entendidas como tribunais extraordinários, ex post facto, e à proibição de evocação, como transferência de uma causa para outro tribunal. Deixava-se bem clara a permissão do poder de atribuição, peja instituição de juízos especiais, pré-constituídos; e, a par disso, proibia-se o foro privilegiado.69

Para o presente estudo, no entanto, interessa, tão somente, uma das facetas garantistas do juiz natural, qual seja a vedação de alteração da competência definida pela lei70. Alguns doutrinadores definem esta competência como o juiz constitucional. Em outras palavras, a garantia de que ninguém será privado de ser julgado por juiz constitucionalmente competente.71

Trata-se do efeito que “vincula a garantia a uma ordem taxativa, e constitucional, de competências.” O princípio do juiz natural exige não só uma disciplina legal da via judicial, da competência funcional, material e territorial do tribunal, mas também uma regra sobre qual dos órgãos judicantes (Câmara, Turma, Senado) e qual juiz, em cada um desses órgãos individualmente considerado, deve exercer a sua atividade (Schwab, 1987, p. 125).72

José Carlos Barbosa Moreira73, Cassio Scarpinella Bueno74, José Miguel Garcia Medina e Teresa Arruda Alvim Wambier75, dentre outros grandes

69 GRINOVER, Ada Pellegrini. O princípio do juiz natural e sua dupla garantia. Revista de

Processo/ Vol. 29/ p. 11/ jan/1983.

70

Art. 5º, LIII: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;”

71 GRINOVER, Ada Pellegrini. O princípio do juiz natural e sua dupla garantia. Revista de

Processo/ Vol. 29/ p. 11/ jan/1983.

72 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p.

64.

73 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:

Forense, 1998. p. 638.

74 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. Teoria geral do direito processual civil. São Paulo: Saraiva. 2012. p. 162.

75 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de impugnação. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011. p. 58.

estudiosos, afirmam que o juiz natural dos recursos é o órgão colegiado. O órgão jurisdicional que possui competência para julgamento dos recursos (em abstrato), em conformidade com o Modelo Constitucional do Direito Processual Civil é, tão somente, o órgão colegiado.

Nas lições de Flávio Cheim Jorge76:

Quando se examina a atuação dos Tribunais, a regra é exatamente a oposta. Os julgamentos são feitos de forma coletiva, através da formação d vontade colegiada, tomada por maioria de votos. O princípio que domina e rege o direito processual pátrio, em matéria de recurso, é o “princípio da colegialidade do juízo ad quem”.

Significa, na lição do saudoso Pontes de Miranda, que “a regra para os recursos, é a colegialidade das decisões”. Quer dizer: a pluralidade de julgadores com o fim político de assegurar diversos exames ao mesmo tempo, além do duplo ou múltiplo exame, no tempo, pelo juiz do primeiro grau e os demais juízes superiores. A ciência ensina-nos, hoje, que a assembleia não nos veio da reflexão: foi a reflexão que veio da assembleia. Portanto, o homem é que é produto do exame de um dó, se transforma em superioridade sempre que desejamos maior certeza. A colegialidade para a decisão dos recursos obedece a esse pender íntimo do homem quando se deseja guiar pela “razão”.

Em conformidade com nosso atual ordenamento, a conclusão da colegialidade é decorrente de uma interpretação do próprio texto constitucional, que embora não fale expressamente sobre a colegialidade, dispõe sobre a própria estrutura dos tribunais, redigida no Capítulo III. “Pode-se falar de princípio da decisão colegiada dos recursos, norma principal implícita extraída da estruturação plural dos tribunais brasileiros.”77

No Cap. III do seu Tit. IV (arts. 92-126) cuida a Constituição Federal do Poder Judiciário, ditando normas gerais, fixando

76 JORGE, Flavio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2012. p. 96.

77 MENDONÇA, Delosmar Domingos Jr.. A decisão monocrática do relator e o agravo interno na teoria geral dos recursos. Tese apresentada para obtenção de grau de Doutor. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2005. p. 145.

garantias e impondo impedimentos aos magistrados e também dando, desde logo, a estrutura judiciária do país.

A propósito desta, dispõe inicialmente sobre o Supremo Tribunal Federal, sua composição, sua competência, forma de escolha e nomeação de seus componentes (art. 101-103). Em seguida, sobre o Superior Tribunal de Justiça (art. 104-105). Ambos incluem-se entre os Tribunais Superiores da União, sendo alheios e sobrepairando às Justiças. O primeiro tem competência preponderantemente constitucional (o guarda da Constituição) e o segundo, em sua competência recursal, recebe causas da Justiça Federal e das Estaduais comuns. Depois, fala a Constituição das diversas justiças, através das quais se exercerá a função jurisdicional. A jurisdição é uma só, ela não é nem federal nem estadual: como expressão do poder estatal, que é uno, ela é eminentemente nacional e não comporta divisões. No entanto, para a divisão nacional do trabalho é conveniente que se instituam organismos distintos, outorgando-se a cada um deles um setor da grande “massa de causas” que precisam ser processadas no país.78

Dentro destas competências, Diego Ferraz Lemos Tavares79 extrai a colegialidade de alguns dispositivos, realizando um efetivo exercício de interpretação da norma.

De início, pelo inciso X do art. 93 acima transcrito, pode-se extrair que, se os Tribunais possuem órgão colegiado para deliberação de questões administrativas, não há razão para que tal estrutura não seja estendida à atividade jurisdicional contenciosa. Entendimento contrário levaria à conclusão de que existe um órgão colegiado tão somente para análise de questões administrativas, que ficaria inoperante para as demais atividades jurisdicionais, o que não parece fazer sentido algum. O art. 94 é ainda mais esclarecedor, pois se há normas que regula o preenchimento de um quinto das vagas dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, não há como supor que tais órgãos mantenham composição singular.

78 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido

Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Editora Malheiros, 2010, p. 195.

79 TAVARES, Diego Ferraz Lemos. Princípio da colegialidade: Fundamento constitucional e necessidade de sua observância nos processos judiciais e administrativos legitimidade/ilegitimidade de exceções. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Ano 5. Volume VIII. Julho a Dezembro de 2011. Rio de Janeiro. p. 242. Disponível em www.redp.com.br, aos 15/08/2013.

Vale ainda ressaltar que, a par de decorrer do Princípio da Separação dos Poderes e do direito a um julgamento justo, bem como de estar explicitamente indicado nos dispositivos acima, a adoção do Princípio da Colegialidade pela Constituição Federal é reforçado pela indicação acerca do número de integrantes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais. (...)

No que tange aos Tribunais Estaduais, apesar de não haver indicação expressa do número de componentes, pode-se afirmar que a observância do princípio da colegialidade decorre dos dispositivos acima comentados. Nesse ponto, a Constituição Federal pretendeu descentralizar a organização judiciária, coferindo com isso maior autonomia aos Estados, em calo respeito ao Princípio Federativo (art. 1º, caput, da CF/88)

Em confirmação a essas disposições, surge o artigo 55580, do Código de Processo Civil, tratando expressamente sobre o julgamento colegiado.

A colegialidade é trazida como algo essencial a garantia de justiça e certeza da decisão. Pedro Miranda de Oliveira, abordando Vittorio Denti, trata claramente desta necessidade, in verbis:

“a) de uma justiça iluminada, pela elaboração da decisão proveniente do debate no interior do colegiado; b) de uma justiça imparcial, pelo controle exercido pelos membros do colegiado na formação da decisão; c) de uma justiça independente, pela maior liberdade de decisão que proporciona aos juízes o anonimato da colegialidade, porquanto encobre a responsabilidade individual.”81

Digo Ferraz Lemos Tavares82, também arrola motivos ligados à justiça e certeza como balizadores da colegialidade:

80 Art. 555. No julgamento de apelação ou de agravo, a decisão será tomada, na câmara ou

turma, pelo voto de 3 (três) juízes.

81 DENTI, Vittorio. Apud. OLIVEIRA, Pedro Miranda. Acesso à justiça, poderes do relator e agravo interno. Dissertação apresentada para obtenção do grau de Mestre. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba, 2005. p. 146.

Um órgão colegiado está menos sujeito a pressões externas (provenientes de outro órgão do poder, por exemplo) do que uma única pessoa;

Essa blindagem frente às pressões torna o órgão judicante mais independente e autônomo, pois as suas decisões, ainda que contrárias a interesses poderosos – mas não agasalhados pelo ordenamento jurídico – não lhe ensejarão represálias;

Tais independências e autonomia tornam possível que o órgão colegiado paute suas decisões apenas e tão somente no ordenamento jurídico, ou seja, naquilo que aquele órgão considere como a solução verdadeiramente justa para o caso e não em determinações impostas por terceiros ou mesmo por uma das partes;

Todos esses fatores, aliados ao fato de que é mais provável que a melhor solução surja no debate plural do que na imposição unipessoal, incutem nos cidadãos-partes a confiança no sistema e a ideia de que a solução emanada do órgão colegiado, ainda que lhe seja contrária, surgiu exclusivamente da análise do caso concreto à luz do ordenamento jurídico, e não em razão da vontade de um dos envolvidos, o que contribuiu para o reconhecimento e aceitação social daquelas decisões, imprescindíveis para o funcionamento da sociedade.

“Com efeito, os tribunais são estruturados para emitir decisões colegiadas, com vistas a obter, com maior grau de probabilidade, o acerto e a justiça do julgamento final.”83

Fabiano Carvalho84, no entanto, opõe-se a este posicionamento afirmando que o juiz natural deve derivar de fontes constitucionais de forma taxativa, e a Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil assim não procede para o julgamento de todo e qualquer recurso.

Em nenhum momento a CF/88 exige que os recursos devam ser obrigatoriamente julgados por órgãos colegiados. (...) A

83 DIDIER, Fredie Jr., CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. Volume III. Salvador: JusPodium, 2011. p. 532.

84 CARVALHO, Fabiano. Problemas da conversão do agravo de instrumento em agravo retido e inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 527 do CPC. In: FUX, Luiz; NERY JR. Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Processo e Constituição: Estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 971.

expressão “tribunal”, empregada pela CF, deve ser entendida em sentido amplo, pois dentro desse órgão complexo, internamente, há órgãos colegiados (v.g. turma, câmara) e órgãos individualizados (v.g. presidente, vice-presidente, corregedor, relator, revisor), e cada qual profere decisões nos limites do exercício da sua competência, todos representando o tribunal.

Nesse quadro, se não existe qualquer previsão constitucional que imponha o julgamento do recurso por órgãos colegiados, parece claro que seria completamente desnecessário um recurso, com índole “controladora”, para justificar a constitucionalidade do julgamento unipessoal. A decisão unipessoal do relator é consumação normal e legal do pleno exercício de sua atividade cognitiva para prestar tutela jurisdicional, uma vez que a lei lhe atribui competência.”

Nesta posição é acompanhado por Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart85:

“É que, como tem observado a doutrina, conquanto estabeleça a Lei Maior a competência desses Tribunais para o julgamento de tais recursos, não há determinação alguma no sentido de que esse julgamento deva ser levado a cabo por tal ou qual órgão do tribunal. Em vista disso, nenhuma restrição existe a que se confira ao relator – desde que este também é um dos órgãos do tribunal – poderes para julgar, monocraticamente, qualquer espécie de recurso. Inexiste qualquer lesão ao princípio do juiz natural nessa prática, sendo absolutamente incensurável do ponto de vista constitucional.”

Se se utilizar do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, em seu artigo 2º, há a declaração dos órgãos que compõe o Tribunal, nos seguintes termos:

“Art. 2º Compõem o Tribunal: I- o Tribunal Pleno; II- o Órgão Especial;

III- o Conselho Superior da Magistratura; IV- o Presidente;

V- o Vice-Presidente;

VI- o Corregedor Geral de Justiça;

85 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: Processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 585.

VII- as Seções Criminal, de Direito Privado e de Direito Público;

VIII- os Presidentes das Seções Criminal, de Direito Privado e de Direito Público;

IX- os Grupos de Câmaras; X- a Câmara Especial;

XI- as Câmaras ordinárias, especializadas e reservadas; XII- as Comissões, permanentes e temporárias;

XIII- os Desembargadores.”

Se a competência para fins de determinação da organização dos tribunais foi atribuída, pelo texto da Constituição Federal, aos próprios Tribunais; se o exercício desta competência é feito por meio dos Regimentos Internos, que são responsáveis por distribuí-la entre seus órgãos, respeitada a norma constitucional federal, estadual e, ainda, as normas de processo; e, ainda, a organização judiciária inclui o desembargador como órgão do Tribunal, porque, então, concluir que uma decisão emanada monocraticamente de um desembargador implica em desrespeito ao duplo grau de jurisdição e, por consequência lógica, ao juiz natural recursal, se o que até agora depreendemos é que o duplo grau em nosso ordenamento, em regra, se concretiza pela revisibilidade da decisão efetivada por órgão hierarquicamente superior, ao qual a constituição nomeou de Tribunal?

As normas constitucionais comandam que os recursos devem ser julgados por tribunais que podem funcionar através de órgãos fracionários fixados por lei e por regimento (art. 96, I da CF). Logo, o juiz legal (ou natural) será o órgão fixado no sistema, seja colegiado ou (agora) monocrático (desde que seja integrante de tribunal).86

O relator, ao decidir monocraticamente, fala pelo tribunal, assim como a turma ou câmara ou o presidente, em sede de admissibilidade de recurso especial ou extraordinário. Cabe à lei e ao regimento interno a organização dos órgãos fracionários. O artigo 557 e outras normas que tratam da decisão monocrática colocaram o relator como órgão fracionário com competência eventual.87

86 MENDONÇA, Delosmar Domingos Jr.. A decisão monocrática do relator e o agravo interno na teoria geral dos recursos. Tese apresentada para obtenção de grau de Doutor. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2005. p. 145.

Antes de se desenvolver mais profundamente esta linha de raciocínio, vale destacar que mesmo aqueles doutrinadores que veem o órgão colegiado como o responsável legal pelos julgamentos dos recursos, admitem que a lei pode atribuir competências de julgamento aos relatores. No entanto, para estes, os julgamentos devem sempre ser passíveis de revisão pelo órgão colegiado, como forma de controle e aplicação do princípio do juiz natural e do duplo grau de jurisdição.

O princípio da colegialidade, entendido nos termos e com a ressalva dos parágrafos anteriores, como todo princípio, não pode ser compreendido como dogma. É correto o entendimento amplamente vencedor na doutrina e na jurisprudência, de que não agride nenhum princípio constitucional do processo civil a circunstância de a lei, rente à concretização de outros valores constitucionais do processo – celeridade e racionalidade nos julgamento, por exemplo (v. n. 15, infra) -, dispor que, no âmbito dos Tribunais, decida-se de forma isolada (monocraticamente), desde que a lei preveja uma forma suficiente de contraste desta decisão perante o órgão colegiado, isto é, pela “Turma” ou pela “Câmara”. Este mecanismo de controle da decisão singular (monocrática) para o órgão colegiado (o órgão competente do Tribunal, “juiz natural” do julgamento do recurso) é o chamado agravo interno e que tem previsão nas leis que criaram tal técnica de julgamento, antecipando-se, diante de determinadas circunstâncias, o julgamento do colegiado mediante a atuação de um só juiz. (v.n. 5 do Capítulo 7 da Parte I do vol. 5). [...] Por reputar constitucional o princípio da colegialidade, quando menos como desdobramento do “duplo grau de jurisdição” e, até mesmo, como desdobramento do “juiz natural” (v. n. 7, supra), não há como entender que uma lei ou, o que é pior, qualquer ato infralegal possa subtrair o recurso (a técnica) de contraste da decisão singular pelo órgão colegiado competente.88

O aumento desmedido de demandas, devido a motivos que não se abordará no presente estudo, implicou em diversas reformas legislativas que atribuíram aos relatores a competência para apreciação de requisitos de

88 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. Teoria geral do direito processual civil. São Paulo: Saraiva. 2012. p. 162-163.

admissibilidade e, até mesmo, sobre o mérito dos recursos. Tal medida deu-se em vista, principalmente, de acelerar a prestação da tutela jurisdicional.

Esta necessidade de celeridade e segurança jurídica trouxe, também, uma maior valorização dos precedentes jurisprudenciais (jurisprudência dominante e súmulas) que influenciaram, diretamente, na atribuição de competências aos relatores dos recursos.

O princípio da decisão colegiada nos recursos deve ser ponderado com o princípio da duração razoável do processo (art. 5º, LXXIII, da CF), em determinadas circunstâncias permitindo decisão monocrática do relator.

Essa ponderação se deu no plano legislativo, reduzindo a eficácia normativa do princípio da decisão colegiada, ao ampliar o poder do relator para proferir decisão isolada. Porém, a tensão entre valores constitucionais e a preservação de ambos levou o legislador a fixar situações especiais (competência eventual) para a decisão monocrática e a possibilidade de recurso, levando a matéria ao órgão colegiado.89

Em conclusão preliminar ao que exposto neste capítulo, em conformidade com a maioria da doutrina nacional, a colegialidade representa não só a expressão do próprio duplo grau de jurisdição, como o respeito à garantia constitucional do juiz natural. Em hipótese alguma pode ser ela descartada no julgamento de um recurso. A ponderação do legislador ao atribuir a competência a um órgão monocrático, manteve, sempre, a possibilidade, pela via voluntária, de ver, o jurisdicionado, sua decisão revista por um órgão colegiado.

Embora este seja o espelho da atual legislação nacional, não encontro nenhum óbice à delegação de competências definitivas (irrecorríveis) a órgãos monocráticos dos Tribunais.

Como já anteriormente explanado, a Constituição Federal atribuiu ao tribunal o papel de juiz natural recursal. Expressamente não afirmou que a

89 MENDONÇA, Delosmar Domingos Jr.. A decisão monocrática do relator e o agravo interno na teoria geral dos recursos. Tese apresentada para obtenção de grau de Doutor. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2005. p. 145.

manifestação da vontade de tais órgãos somente se concretiza pela colegialidade, sendo admissível, frente uma interpretação teleológica das disposições, aceitar que ao legislador infraconstitucional é dada a liberdade de fixar as competências como melhor se aprouver para o alcance de uma efetiva tutela jurisdicional90.

90

A efetividade aqui deve ser vista como “a maior correspondência possível entre os resultados obtidos e os fins esperados de um dado sistema processual.” (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Estudo sobre a efetividade do processo civil. Tese apresentada para obtenção do grau de Doutor. Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999. p.40).

3 RECURSOS

3.1 CONCEITO

A insatisfação das partes com o que decidido pelo juiz pode ser exteriorizada por duas formas distintas: as ações impugnativas e os recursos. O presente trabalho pretende ressaltar os recursos tratando, somente naquilo que necessário, as ações impugnativas.

José Carlos Barbosa Moreira91 distingue essas espécies, nos seguintes termos:

Os meios de impugnação dividem-se, pois, em duas grandes