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2. O inquérito Prática e gestão processual.

2.3. Da notícia do crime Diligências de investigação.

Consagra o artigo 241.º do Código de Processo Penal, que o “Ministério Público adquire a

notícia do crime por conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou

mediante denúncia, nos termos dos artigos seguintes”.

Preceituando o artigo 242.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, que, “A denúncia é

obrigatória, ainda que os agentes do crime não sejam conhecidos: (…) Para os funcionários, na acepção do artigo 386.º do Código Penal, quanto a crimes de que tomarem conhecimento no

exercício das suas funções ou por causa delas. (…)”

Para melhor compreensão, tomar-se-á como exemplo o crime de resistência e coacção cometido contra agentes de autoridade. Habitualmente, os agentes ofendidos lavram o auto de notícia e remetem o expediente aos serviços do Ministério Público.

Recebido o expediente, procede-se à sua análise sendo registado, distribuído e autuado (R.D.A.) na espécie AV41 (violência contra agente de autoridade).

Na prática, constata-se que em contexto de resistência e coacção sobre funcionário são, habitualmente, proferidas expressões injuriosas contra os ofendidos, no entanto, quanto a estas, o agente tem que manifestar desejo de procedimento criminal, sob pena do Ministério Público ser obrigado a proferir despacho de arquivamento nesta parte, pois, atenta a natureza do crime, o Ministério Público não tem legitimidade para promover o processo penal, nos termos do artigo 49.º do Código de Processo Penal.

Depois de aberto o inquérito, que “compreende o conjunto de diligências que visam investigar

a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação” – artigo 262.º do Código de

Processo Penal –“ O Ministério Público pratica os actos e assegura os meios de prova

necessários à realização das finalidades referidas no n.º 1 do artigos 262.º, nos termos e com as restrições constantes dos artigos seguintes.” – artigo 267.º do Código de Processo Penal.

Segundo GERMANO MARQUES DA SILVA42, “os actos de inquérito podem distinguir-se em actos de iniciação, de desenvolvimento e de encerramento. A iniciação ou abertura do inquérito é sempre determinada por um acto do Ministério Público e é um acto vinculado à verificação da notícia de um crime (…) os actos de desenvolvimento, designados pela lei por actos de inquérito, compreendem as diligências de investigação dos factos dos seus agentes e das provas, por um lado e as medidas de recolha das provas e cautelares sobre os agentes, por outro.”

41 “Nesta espécie serão distribuídos todos os inquéritos cuja infracção principal integre violência contra agente de

autoridade (membro da força policial ou de segurança) em exercício de funções de autoridade ou por causa delas. Incluem-se processos inicialmente registados contra agente desconhecido não identificável.” – Anexo II da Ordem de Serviço n.º 4/2015, de 27 de Maio de 2015, da Procuradoria-Geral da República.

42 In Curso de Processo Penal, III, 2.ª Edição, 2000, Editorial Verbo, p.85.

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2. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

Assim, com vista à realização da investigação, são admissíveis todos os actos de investigação cuja proibição não seja estabelecida por lei.

Depois de aberto o inquérito o Ministério Público profere o primeiro despacho, sendo fundamental que nesse despacho se concentrem as diligências que se pretendem efectuar. Em primeiro lugar, o Ministério Público atribui natureza prioritária à investigação, veja-se o seguinte exemplo:

“Processo Prioritário – Lei de Política Criminal (Lei n.º 96/2017 de 23.08). Assume este ilícito penal a natureza de crime de investigação prioritária, atento o preceituado no artigo 3.º da Lei n.º 96/2017, de 23.08 (resistência e coacção sobre funcionário, artigo 347.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal). Anote na capa do processo.”

Não obstante as orientações que constam na Directiva n.º 1/2017, no que tange à inquirição do ofendido e ao interrogatório do arguido, tais actos continuam a ser delegados no órgão de polícia criminal competente nos termos do artigo 270.º do Código de Processo Penal, o que resulta do elevado número de processos atribuídos a cada magistrado do Ministério Público, que impede que possam ser os próprios a presidir essas diligências.

A delegação de tais actos no órgão de polícia criminal competente poderá ser feita da seguinte forma:

“Delego na PSP, a competência para a prática das diligências necessárias à investigação dos presentes factos- artigo 270.º43 do Código de Processo penal.

Deverão ser realizadas, além dos mais, as seguintes diligências:

a) Inquirição do agente (…). Deverá esclarecer: o momento em que ordenou a identificação do arguido, de que forma o fez e se o arguido percebeu essa ordem e a atitude do arguido para com os agentes de autoridade;

b) Se necessitou de tratamento médico e o local onde recebeu o tratamento médico; c) À inquirição do agente (…) sobre os factos que presenciou;

d) Interrogatório do arguido (…), para, querendo, esclarecer os factos do auto de notícia e condições económicas.

Prazo: 60 dias, eventualmente prorrogáveis, caso se venha a justificar. Decorrido tal prazo, e nada vindo, abra conclusão.

Constitua translado.”

Caso o agente ofendido tenha recebido tratamento hospitalar, constando habitualmente essa informação do auto de notícia, solicitam-se no primeiro despacho os elementos clínicos à entidade hospitalar que tiver prestado os cuidados de saúde, uma vez que os mesmos são necessários para a realização da perícia.

43 E Circular n.º 6/2002, de 11.03.2002.

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Assim, a título de exemplo poderá ser proferido o seguinte despacho,

“Oficie ao Hospital (…) solicitando a remessa dos elementos clínicos existentes

relativos à prestação de cuidados médicos ao agente (…) no âmbito dos factos em investigação. Após, apresente os autos ao Exmo. Sr. Perito Médico a fim de, com os elementos juntos autos, emitir as conclusões médico legais quanto às lesões verificadas e determinação dos dias de incapacidade.”

Em alternativa, caso o agente não tenha recebido tratamento hospitalar, e tenha sofrido lesões ordena-se, no primeiro despacho, a realização de exame médico.

No primeiro despacho, caso as lesões sofridas pelos agentes tenham originado dias de incapacidade para o trabalho, prestação de cuidados de saúde, ou danos conhecidos, por exemplo no fardamento, o Ministério Público notifica o organismo responsável, v.g. Comando Metropolitano da Policia de Segurança Pública e Comando Geral da Guarda Nacional Republicana, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 75.º do Código de Processo Penal, uma vez que é o Ministério Público que representa o Estado para efeitos de dedução de pedido de indemnização civil.

Concluídas as diligências de investigação e recolha de provas sobre a notícia do crime, encerra- se a fase de inquérito, o que ocorre mediante despacho de arquivamento (artigos 277.º e 280.º do Código de Processo Penal); acusação do Ministério Público (artigo 283.º do Código de Processo Penal); ou pela suspensão provisória do processo (artigo 281.º do Código de Processo Penal). No entanto, a fase do inquérito em sentido cronológico só se encerra com o decurso do prazo após as notificações e o requerimento de abertura de instrução ou a entrada do processo no tribunal de julgamento44.

Realizadas as diligências de inquérito, podemos chegar à conclusão que a conduta perpetrada pelo arguido não preenche os elementos do tipo objectivo e subjectivo de resistência e coacção sobre funcionário, vejamos a título de exemplo o excerto de um despacho de arquivamento45,

“In casu, não fica minimamente demonstrado que o arguido tenha utilizado actos

susceptíveis de serem caracterizados como violentos. Tal acto não assumiu qualquer dimensão relevante, suficiente e adequada para obstaculizar ao exercício das funções que estes levam a cabo e por outro lado, resumem-se a uma mera recalcitrância. Sendo, igualmente de afastar tal caracterização pelo facto dos agentes da PSP que procederam à detenção terem tido apenas necessidade de fazerem uso da força estritamente necessária – tal é a nosso ver, manifestamente insuficiente para preencher o elemento objectivo já referenciado. Deste modo, é notório que não estamos perante a prática do ilícito tipificado no artigo 347.º do Código Penal, razão pela qual, nesta parte haverá lugar ao arquivamento dos autos – artigo 277.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.”

44 Silva, Germano Marques da, in ob. cit. Tomo III, p. 104.

45 Excerto – despacho de arquivamento proferido no âmbito do processo n.º 1075/17.9PHLRS, Tribunal Judicial da

Comarca de Lisboa Norte – Loures.

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Por outro lado, depois de realizadas as diligências de inquérito e caso se conclua que a conduta perpetrada pelo arguido integra o elemento objectivo e subjectivo do crime de resistência e coacção sobre funcionário deve ser deduzido despacho de acusação, nos termos do artigo 283.º do Código de Processo Penal.

Ora, de acordo com a circular n.º 10/1992, de 17.07.1992, da Procuradoria-Geral da República,

“para efeitos do disposto no artigo 76.º do Código de Processo Penal o Ministério Público não representa os agentes de autoridade.”. Assim, os agentes ofendidos têm que ser notificados

nos termos do artigo 77.º, n.º 2 ou n.º 3, do Código de Processo Penal, para, querendo, deduzirem pedido de indemnização civil.

Por outro lado, e conforme referimos supra, o Ministério Público representa o Estado Administração, nos termos do artigo 76.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. E, caso tenha sido solicitado expressamente pelo organismo competente, v.g. Comando Metropolitano da Policia de Segurança Pública, ou Comando Geral da Guarda Nacional Republicana, o Ministério Público deverá formular pedido de indemnização civil em sua representação, nos termos dos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, 3.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 1, alínea a), ambos do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 61/98, de 27 de Agosto, e artigo 129.º do Código Penal.

Por último, o Ministério Público deverá notificar as instituições e serviços integrados do Serviço Nacional de Saúde que tenham prestado cuidados de saúde aos agentes ofendidos, para querendo deduzirem pedido de pagamento das respectivas despesas, em requerimento articulado no prazo de 20 dias, nos termos do disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 218/99, de 15 de Junho.

As diligências elencadas supra são as que se consideram essenciais para efeitos de investigação do crime de resistência e coacção sobre funcionário, atenta a orientação seguida na elaboração do nosso trabalho. No entanto, tais diligências devem ser sempre ajustadas aos factos que se pretendam investigar no caso concreto.