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VI. Instrumentos hierárquicos:

2. Prática e Gestão Processual 1 OPC competente

A respeito do crime em análise, nem a Lei-Quadro de Política Criminal (Lei n.º 17/2006, de 23.05) –, que define os objectivos, prioridades e orientações em matéria de prevenção da criminalidade, investigação criminal, acção penal e execução de penas e medidas de segurança –, nem a Lei n.º 96/2017, de 23.08 (que definiu os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2017-2019), comportam qualquer referência em termos de prevenção ou investigação prioritária. Por isso, no panorama actual, não lhe é reconhecida prioridade na investigação e na tramitação/promoção processual. É, no entanto, um ilícito enquadrado na «criminalidade violenta», do artigo 1.º, al. j), do Código de Processo Penal, que acarreta determinadas consequências processuais, nomeadamente, pela possibilidade de aplicação da prisão preventiva, que adiante falaremos.

Ainda no que concerne à Lei n.º 96/2017, de 23.08, importa assinalar que será de investigação prioritária [cfr. artigo 3.º, al. e), da citada lei] os crimes contra a vida e contra a integridade física praticados contra agentes de autoridade, tantas vezes, como vimos, numa situação de concurso efectivo com o crime de resistência e coacção.

Não é um crime cuja investigação caiba na competência reservada da Polícia Judiciária (cfr. artigo 7.º, n.º 2, a contrario, da Lei de Organização da Investigação Criminal, aprovada pela Lei n.º 49/2008, de 27.08), mas nada obsta a que a autoridade judiciária com competência para dirigir o processo lhe possa cometer a sua investigação, bem como à Guarda Nacional Republicana ou à Polícia de Segurança Pública, nos termos genericamente previstos nos arts. 6.º e 7.º, n.º 1, da LOIC, ambos por referência ao seu artigo 8.º, e ainda, Circular n.º 6/2002, de 11.03.2002.

2.2. A investigação

Sendo um crime de natureza pública, o agente de autoridade é obrigado a denunciar, levando ao conhecimento do Ministério Público, nos termos e para os efeitos determinados pelo artigo 243.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, o auto de notícia e de detenção. De observar que o auto valerá como denúncia do crime público de resistência e coacção, e como queixa,

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relativamente a crime semi-público, ou particular, de que a autoridade pública também seja titular25.

Será territorialmente competente para apreciar o crime em análise, à luz do artigo 19.º do Código de Processo Penal, “o tribunal cuja área se tiver verificado a consumação”. Em termos de competência material, sublinhe-se que, correspondendo o crime a uma moldura abstracta até 5 anos, impera a competência residual do artigo 16.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e, assim, o julgamento por tal crime estará reservado a um Tribunal de estrutura singular. De notar que, apoiando-nos na leitura do n.º 2, al. a), do mesmo preceito, será forçoso concluir que, em caso de concurso de crimes sistematicamente inseridos no capítulo II, do título V, do livro II, do Código Penal, continuará a ser competente o Tribunal de estrutura singular. Não já se existir um concurso com crimes de diferente natureza, por exemplo, um crime de resistência e coacção com um crime de homicídio de agente de autoridade.

Para fins disciplinares contra a autoridade estadual, o Ministério Público pode, se necessário, comunicar, logo no despacho inicial, a IGAI, com cópia dos elementos dos autos que julgar necessários. Ora, a IGAI – Inspecção-Geral da Administração Interna – tem por missão o controlo e fiscalização das forças e serviços de segurança, com a missão de responsabilizar os serviços e credibilizar o sistema. Nem sempre poderá ser necessário recorrer ao IGAI para investigação do comum crime de resistência e coacção, mas é com certeza útil a ele recorrer quando nos deparamos com factos com contornos mais graves em que, por um lado, temos uma força de segurança a denunciar um crime de resistência e coacção e, por outro, um cidadão com acusações de maus-tratos policiais, tortura ou ofensas corporais.

2.3. A gestão do inquérito

Como se anunciou, analisados os requisitos legais que permitem tipificar um facto como crime de resistência e coacção sobre funcionário, caberá, nesta sede, fazer uma breve abordagem das questões mais relevantes que a análise da jurisprudência nacional evidenciou.

No que concerne aos procedimentos a adoptar em situações de resistência e coacção, o DIAP de Lisboa procurou elencar, de forma perfunctória, um conjunto de procedimentos que permitam conferir maior celeridade e eficácia na abordagem criminal a fazer relativamente a crimes contra a autoridade pública. Seguindo os alertas da sua página de internet, há que ter em consideração que na sequência de detenções efectuadas por OPC e segundo as regras de experiência comum, existe sempre alguma contestação por parte dos detidos. É defensável, refere-se, o entendimento de que é insuficiente para preencher o tipo legal o facto de o detido ter alguma reacção perante a detenção (sendo necessário que o faça com utilização de um grau de violência superior àquele decorrente da aludida oposição “natural” à detenção), objectivamente revelador de que pretendia efectivamente opor-se a que os agentes detentores praticassem acto relativo ao exercício das suas funções, ou seja, de que agiu com o desígnio de obstar ao cumprimento dos deveres profissionais daqueles.

25 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11.06.2008, processo n.º 0842178, relatado por Cravo Roxo.

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Em decorrência do supra exposto, cremos, a jurisprudência tem alertado para o facto de os destinatários da violência possuírem especiais qualidades no que diz respeito à capacidade para suportar pressões e de que estão munidos de instrumentos de defesa que vulgarmente não assistem ao cidadão comum26.

Neste tipo de ilícito, a prova mãe é, sem dúvida, a testemunhal. Mister é que, na fase do inquérito se proceda à inquirição dos ofendidos e testemunhas por forma a colocar o(s) arguido(s) no local do crime, o(s) ofendido(s) em pleno exercício das suas funções e as acções perpetradas suficientemente caracterizadas para cabal preenchimento e descrição dos elementos objectivos e subjectivos no libelo acusatório.

Estando em causa somente um crime de resistência e coacção a funcionário, não é possível o funcionário constituir-se assistente27, mas pode e deve haver dedução de pedido cível, a

formular pelo Ministério Público, por prejuízos sofridos pelo Estado, por danos causados a funcionário, no exercício de funções. Com frequência, a Polícia de Segurança Pública e a Guarda Nacional Republicana têm vindo a solicitar ao Ministério Público que proponha acções contra cidadãos para obter o reembolso de quantias que despenderam com agentes seus, que foram vítimas de agressões ou acidentes, quando se encontravam dentro e até fora de serviço. Mas atenção, pode, quanto a nós, coexistir concurso real entre o crime de resistência e coacção a funcionário e o crime de ofensa à integridade física do agente e daí que nada obste a que este seja notificado para deduzir, querendo, pedido cível, pelos danos sofridos.

No que respeita às medidas de coacção que podem ser aplicadas ao agente do crime, concluímos que, desde que preenchidos os respectivos pressupostos, excepção feita ao indissociável Termo de Identidade e Residência, podem ser aplicadas quaisquer medidas de coacção, incluindo a mais gravosa, a prisão preventiva. Assim é uma vez que, como dissemos, o crime de resistência e coacção sobre funcionário cai no âmbito da alínea b) do n.º 1 do artigo 202.º do Código de Processo Penal e, por conseguinte, na alínea j) do n.º 1 do artigo 1.º da mesma lei, porque respeitante a criminalidade violenta.

Para além da submissão a julgamento sob a forma de processo comum, é possível, atentos os contornos da investigação, o julgamento sob a forma sumária ou abreviada, assim como os habituais institutos de consenso e oportunidade, como a suspensão provisória do processo ou o processo sumaríssimo. Naturalmente, sempre no escrupuloso cumprimento da lei e atendendo às especificidades do caso concreto, que deverão nortear o Ministério Público logo no primeiro contacto com o processo.

26 Entre outros, acórdão do Tribunal de Coimbra, de 08 de Setembro de 2010, processo n.º 9/09.0GBCNT.C1,

relatado por Alberto Mira; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09 de Maio de 2017, processo n.º 17/16.3PTHRT.L1-5; acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17 de Abril de 2013, processo n.º 597/12.2GCOVR.P1, relatado por Melo Lima.

27 O artigo 68.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal estabelece como regra que só se podem constituir

assistentes “os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação” e, como vimos, o crime de resistência e coacção sobre funcionário não pretende proteger directamente os interesses de nenhuma pessoa em particular, mas do Estado.

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