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IV. Hiperligações e referências bibliográficas I Introdução

1.1. Breve excurso histórico

1.3.4. Do direito de resistência

A revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março ao crime de resistência e coacção sobre funcionário, veio substituir a expressão “acto legítimo compreendido nas suas

funções” por “acto relativo ao exercício das suas funções”, suprimindo o legislador a menção à

legitimidade do acto funcional. Nas palavras de LOPES DA MOTA41, pretendeu-se suprimir a

redundância quanto à mencionada “legitimidade” na medida em que só o acto legal da autoridade é merecedor de tutela penal42. Assim, se o sujeito passivo actuar fora da sua

competência funcional ou o acto por si praticado for ilegítimo43, qualquer acto de resistência

que lhe seja oposto não integrará o crime de resistência e coacção sobre funcionário. Em igual sentido, CRISTINA LÍBANO MONTEIRO44 defende que legitimidade ou legalidade do acto é

38 O agente de execução, como decorre do artigo 162º do Estatuto aprovado pela Lei nº 154/2015 de 14 de

Setembro, age como um oficial público, com amplos e fortes poderes de autoridade e confiança públicas, representando o interesse público da realização da justiça pública (nomeadamente o decisivo cumprimento das sentenças).

39 Neste sentido, artigos 33.º, 149.º e 150.º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas. 40 Cristina Líbano Monteiro, op. cit., pág. 341.

41 Lopes da Mota, op. cit., págs. 420 e 421.

42 No mesmo sentido se pronunciaram Leal Henriques e Simas Santos, op. cit., pág. 1495, referindo que “a

uniformização de linguagem não significa que deixasse de ser exigível a legitimidade do acto, tendo mais a ver com uma questão de coerência da redacção do que com uma diferença de conteúdo. Com efeito, há que partir sempre do princípio de que o acto de poder só pode ser imposto aos cidadãos quando se tratar de um acto naturalmente legítimo”.

43 “O acto é legítimo quando respeita o princípio da legalidade – isto é, quando provém de autoridade competente

para a sua prática, tem conteúdo previsto na lei, e é publicitado pela forma legal” - cita-se Leal Henriques e Simas Santos, op. cit., pág. 1495.

44 Cristina Líbano Monteiro, op. cit., págs. 343 e 344;

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requisito para o preenchimento do tipo, tratando-se de um elemento não escrito da factualidade típica, pois se o funcionário não actua de acordo com o interesse estadual, a resistência aos seus actos não faz perigar a autonomia intencional do estado.

De acordo com esta posição, a resistência por parte do agente a acto ilegítimo, encontrará salvaguarda ao nível da atipicidade da conduta. Porém, as posições doutrinais não são pacíficas, existindo quem considere que o requisito da legitimidade não releva ao tipo incriminador e que a resistência ao acto ilegítimo encontrará salvaguarda no exercício do direito de resistência consagrado no artigo 21.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP).

Neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE45 refere que se o funcionário actuar em

violação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, a ilicitude da resistência fica afastada, por o agente actuar ao abrigo de um direito constitucional de resistência consagrado no artigo 21.º da CRP e, por analogia com esta causa de justificação, também deverá considerar-se afastada a ilicitude da resistência a actos ilegais de funcionários se não for possível o recurso em tempo útil ao seu superior hierárquico.

Ora, o direito de resistência constitui um meio de defesa não jurisdicional a que qualquer cidadão poderá lançar mão sempre que se vê ofendido nos seus direitos, liberdades e garantias, por actos de poder público ou por acções de entidades privadas46.

Para JORGE MIRANDA47 a resistência que a Constituição consagra, respeita a quaisquer actos

de poder, sejam leis, actos administrativos ou actos de outras categorias. A defesa contra a agressão “implica a prática dos actos necessários – actos que seriam ilícitos, se não fora o

artigo 21.º da Constituição – para impedir a violação (ou a consumação da violação) do direito, liberdade e garantia em causa, de acordo com critérios de racionalidade ou de proporcionalidade. Um destes critérios vem a ser a adequação dos meios em função dos direitos”48.

O direito de resistência não é um dever, só sendo legítimo quando se pauta pelo “princípio da

evidência, que aparece associado a uma ideia de gravidade objectiva”49. Adopta-se, assim, a

teoria moderada sobre o direito de resistência, que defende que o seu exercício só será legítimo quando a ilegalidade do acto for manifesta e evidente, na dúvida, deverá obedecer- se50.

45 Op. cit. pág. 1100.

46 Neste sentido, José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª Edição, Livraria Almedina, Coimbra, pág.

676.

47 Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 2.ª Edição (Reimpressão), Coimbra Editora,

pág. 324.

48 Cf. Jorge Miranda, op. cit., pág. 324. 49 Jorge Miranda, op. cit., pág. 328.

50 Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 21-04-2015, proc. 24/11.2GATVR.E1, disponível em

www.dgsi.pt.

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Assim, de acordo com esta orientação, o agente que aja a coberto do direito de resistência vê a ilicitude do seu comportamento afastada ao abrigo de uma causa de justificação jurídico- criminal do facto prevista no artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal51.

A propósito desta questão, também já se pronunciou a jurisprudência, em sentido, porém, ambivalente, referindo que “Para a perfectibilidade do crime em causa exige-se a legitimidade

do acto funcional ou, pelo menos, que ele não seja notório ou manifestamente ilegítimo. A ilegitimidade do acto a praticar pelo funcionário não pode deixar de permitir o exercício do direito de resistência (artigo 21.º da CRP), que pode comportar uma acção defensiva traduzida na resposta à violência física decorrente da actuação policial”52. Sendo ilegítima a ordem “a

oposição do recorrente é compatível com o direito de resistência consagrado pelo artigo 21.º, da CRP”53. A resistência poderá ser passiva ou activa, porém “deve respeitar o princípio da proibição do excesso, nas suas três dimensões: adequação, necessidade e proporcionalidade”54.

Independentemente da posição sufragada, ambas convergem no mesmo sentido ao considerar que a resistência por parte do agente a acto que seja ilegítimo apenas não deverá integrar a previsão do artigo 347.º do Código Penal quando a “ilegitimidade do acto seja notória ou

manifesta”55. 1.4. O tipo subjectivo

No que concerne ao elemento subjectivo do tipo, o artigo 347.º do Código Penal prevê:

a) Que o agente tenha conhecimento que o sujeito passivo é funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança no exercício das suas funções. b) Que o agente actue com conhecimento e vontade de opor-se à prática de acto

relativo ao exercício das funções do sujeito passivo, ou de constrange-lo à prática de acto relativo ao exercício das suas funções mas contrário aos seus deveres.

O tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo (directo, necessário ou eventual). O erro sobre a legalidade do acto, sobre a identidade funcional do sujeito passivo ou sobre o carácter do acto que está ser praticado serão tratados de acordo com as regras gerais dos artigos 16.º e 17.º do Código Penal.

51 Neste sentido, op. cit., pág. 328.

52 Cita-se Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14.03.2007, proc. 7161/2006-3, disponível em www.dgsi.pt. 53 Cita-se Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27.10.2010, proc. 421/09.3GBVNG.P1, disponível em

www.dgsi.pt. Em sentido idêntico ao citado, pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20.04.2017, proc. 395/15.1PGAMD.L1-9, também disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual “A detenção de uma pessoa para identificação fora do contexto do artigo 250º do Código de Processo Penal, confere à mesma o direito de resistência, consagrado no artigo 21º da Constituição da República Portuguesa”.

54 Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28-05-2008, proc. 1792/04.3 PBAVR.C1, disponível em

www.dgsi.pt.

55 Neste sentido, Cristina Líbano Monteiro, op. cit., pág. 344.

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Se o agente desconhece que o sujeito passivo não é funcionário, ou sabendo que o é, desconhece que naquele momento pratica acto relativo ao exercício das suas funções, o crime de resistência e coacção sobre funcionário não se preencherá, na medida em que o agente não representa que se opõe a um funcionário ou que se opõe ao exercício de acto relativo às funções do mesmo. Nos termos do artigo 16.º, n.º 1, do Código Penal, o erro exclui o dolo. Não obstante, a acção do agente poderá ser configurada como um crime contra a liberdade pessoal ou contra a integridade física do sujeito passivo56.

Se o agente age convencido de que a actuação do funcionário não é legítima, entende PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE57 que o agente não comete o crime de resistência e coacção sobre

funcionário, na medida em que se trata de um erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de justificação, nos termos do artigo 16.º, n.º 2, do Código Penal.

Para os defensores de que a “legitimidade” do acto integra o tipo incriminador, como CRISTINA LÍBANO MONTEIRO58, se o agente agir convencido de que a actuação do funcionário

não é legítima, estaremos perante um erro sobre um elemento normativo do tipo que, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, do Código Penal, excluirá o dolo.