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1. Enquadramento Jurídico 1 O bem jurídico

1.5. Formas de cometimento do ilícito A tentativa.

Consagra o artigo 23, n.º 1, do Código Penal que “Salvo disposição em contrário, a tentativa só

é punível se ao crime consumado respectivo corresponder pena superior a 3 anos de prisão.”

Assim, ao caso concreto aplica-se a regra geral da punição da tentativa.

Vejamos a título de exemplo quanto à tentativa impossível. Ora, estando o agente do crime convencido de que actua contra um funcionário, que não o é, estamos perante uma situação

CRIME DE RESISTÊNCIA E COACÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO

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de inexistência do objecto do crime. Assim, o agente é punível por uma tentativa impossível de coacção sobre funcionário por inexistência do objecto, nos termos do artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal, em concurso efectivo com o crime de ofensas corporais negligentes consumadas na pessoa do não funcionário agredido.

E, se o agente exercer constrangimento sobre funcionário para que o mesmo pratique um facto que se encontra fora do âmbito das suas funções sem saber que esse facto não pertence às suas funções, verifica-se, igualmente uma tentativa impossível.

1.6. Concurso

Como estamos perante um crime comum, a comparticipação rege-se pelas regras gerais. Afirma-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04.12.2008, Processo 06P4079, Relator: Henriques Gaspar, consultável em www.dgsi.pt, que, “a problemática relativa ao

concurso de crimes (unidade e pluralidade de infracções), das mais complexas na teoria geral do direito penal, tem no artigo 30.º do Código Penal a indicação de um princípio geral de solução: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. O critério determinante do concurso é assim no plano da indicação legislativa, o que resulta da consideração dos tipos legais violados. E, efectivamente violados, o que aponta decisivamente para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico”.

Quanto à verificação de concurso efectivo ou aparente, cumpre referir que a lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro, acrescentou uma cláusula de subsidiariedade expressa no final do n.º 2 do artigo 347.º do Código Penal. Valendo esta regra de subsidiariedade expressa também para o n.º 1 do mesmo artigo.

Assim, o n.º 2 determina a verificação de uma situação de subsidiariedade expressa, sendo o agente punível pelo crime mais grave, melhor se alcançando a tutela dos bens jurídicos protegidos. Estamos, assim, perante uma situação de concurso aparente.

O tipo legal previsto no artigo 347.º do Código Penal constitui “lex specialis” relativamente ao crime de coacção. O crime de resistência e coacção acrescenta um elemento desvalioso, a finalidade objectiva da acção, relativamente ao tipo consagrado no artigo 154.º do Código Penal.

Quanto ao concurso de crimes, apresenta-se uma breve resenha jurisprudencial, vg. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.05.2014, Processo: 970/08.0PEOER.L1-9, Relator: Abrunhosa de Carvalho, consultável em www.dgsi.pt, “(…) no caso da conduta do agente

preencher as previsões de resistência e coacção sobre funcionário, do artigo 347.º, n.º 1, do

Código Penal e injúria agravada, dos artigos 182.º, n.º 1, e 184.º e 132.º, n.º 2, alínea l) do

Código Penal, verifica-se concurso efectivo real dos crimes,uma vez que estamos perante dois bens jurídicos distintos(…)”.

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Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 03.02.2015, Processo: 139/11.7PATVR.E1, Relator: Martinho Cardoso, consultável em www.dgsi.pt “(…) se a expressão ameaçadora “eu mato-te” ocorre no conjunto dos actos de resistência à autoridade policial a mesma integra- se no processo de resistência e coacção, sendo o concurso de crimes meramente aparente e

devendo a punição ser obtida na moldura penal do tipo legal que integra o sentido de ilícito dominante, ou seja, o crime de resistência e coacção sobre funcionário, que consumirá as ameaças.(…) ”

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09.03.2016, Processo: 27/07.1PACSC.L1-3, Relator: Conceição Gonçalves, consultável em www.dgsi.pt. “(…) O crime de coacção sobre

funcionário “consome” o crime de ameaça qualificada, p.e.p. pelos artigos 153.º e 155.º, n.º

1, alínea a) do Código Penal, só sendo de admitir uma situação de concurso efectivo quando a incriminação da ameaça não possa considerar-se “consumida.” (Itálico e negrito nossos)

Atendendo à pluralidade de funcionários que podem ser atingidos com a prática do facto, o critério para decidir sobre a unidade ou pluralidade de acções é o critério do bem jurídico, conforme entendimento defendido por Eduardo Correia30.

Assim, atendendo ao critério do bem jurídico protegido, uma vez que se acautela a autonomia intencional do Estado, e apenas reflexamente a pessoa do funcionário, quando a actividade é levada a cabo por mais do que um funcionário, mesmo sendo vários os funcionários objecto da acção, o crime é único.31

Entendimento igualmente sufragado por JOSÉ JOAQUIM MONTEIRO RAMOS32, que refere o

seguinte, “se está – como nos parece ser o caso – em questão a tutela de um bem jurídico de

matriz não pessoal, mas sim institucional, a conduta típica apenas atinge tal bem uma única vez. Assim, independentemente do número de funcionários que em concreto sejam visados pela conduta do agente, este apenas comete um crime de resistência e coacção sobre funcionário”

1.7. O limite da pena

O crime de resistência e coacção sobre funcionário era punido com a pena de prisão até 5 anos.

Pois, até à alteração legislativa operada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, não existia limite mínimo fixado para a pena de prisão a aplicar ao arguido, pelo que, podia a pena de prisão aplicada ser inferior a um ano e ser substituída por prisão por dias livres, pelo regime de semidetenção33 ou por pena de multa.

30 A teoria do Concurso em direito criminal, Almedina, 1983, pág. 74, 75 e 79.

31 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08.01.2003, Processo: 02P3414, Relator: Virgílio Oliveira, consultável

em www.dgsi.pt.

32 Ob. cit., p. 171.

33 A prisão por dias livres e o regime de semidetenção foram revogados pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, que

entrou em vigor em 21 de Novembro de 2017.

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Sucede que, com vista a reforçar a tutela do bem jurídico-penal protegido com a incriminação34autonomia intencional do Estado – a alteração legislativa operada pela

referida Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro fixou como limite mínimo da pena a aplicar ao crime de resistência e coacção sobre funcionário, um ano de prisão, impedindo, assim, a sua substituição por outra pena.

Com efeito, da redacção do artigo 347.º do Código Penal, actualmente em vigor, consta que, “ “Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física (…) é

punido com pena de prisão de um a cinco anos.”