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3. A dança nacionalista e a sedução das massas 1 O bailado vermelho da U.R.S.S.

3.3. A dança alemã sob a suástica

Foi na Alemanha nazi que se assistiu a uma maior utilização da arte como veículo de propaganda, tendo o governo do III Reich sido a único a definir, com rigor, um plano próprio para as artes e a cultura. De facto, nenhum outro ditador tomou as rédeas da arte com tal obstinação como Hitler, levando Alex Ross a escrever que “terá sido porventura na Alemanha de Hitler que se estabeleceu a aliança mais diabólica entre a arte e a política jamais vista em todo o mundo”224. Nenhum líder europeu condicionou tanto a arte quanto

o Führer pois, para ele, a arte era um instrumento de excelência a partir do qual os “verdadeiros” artistas construiriam um discurso que servisse o partido. Obviamente que esta preponderância da arte no regime autoritário alemão contemplou a dança, e, diríamos até, que a usou como estandarte da sua política de propaganda cultural, difundindo-a de forma inusitada por todo o Velho Continente.

Utilizando a história da própria dança alemã, há que recuar um pouco no tempo, para compreender como foi possível chegar-se a um tal cenário. Até ao início do séc. XX não se registaram, na Alemanha, manifestações coreográficas que traduzissem uma originalidade própria, vivendo os teatros da importação dos modelos e dos artistas italianos. Contudo, graças às experiencias de Delsarte225 e Dalcroze226, da dança livre de

Isadora Duncan227 e de Rudolf Laban228, foi-se construindo um discurso em que a prática

do movimento permitiu aprofundar processos pedagógicos inovadores sobre o corpo e a materialização da dança, que convergiram na chamada Ausdruckstanz – a dança expressionista alemã. A fonte desta nova prática encontra-se desvinculada das tradições do bailado clássico, tendo sido orientada para sistemas de ginástica rítmica e de diferentes

224 Alex Ross, Obra Cit., p. 225

225 François Delsarte (1811-1871) desenvolveu o conceito de ginástica rítmica. Em consequência do seu

trabalho, influenciou uma geração de pedagogos, criando bases para a prática da educação física, da ginástica e da dança. Procurou uma metodologia que respeitasse cada corpo e, através das suas pesquisas, percebeu que a expressão humana era composta basicamente pela tensão e relaxamento dos músculos (contration and release) e que para cada emoção existia uma correspondência corporal específica.

226 Emile Jaques-Dalcroze, criador de um sistema de ensino do rítmico musical, através de passos de dança,

que se tornou mundialmente difundido a partir da década de 1930: o método eurrítmico, e que veio a influenciar, não apenas a prática pedagógica da música e da dança, mas também a denominada ginástica moderna. Ferdinand Hodler (1853-1918) pintaria figuras femininas em poses que evocavam o movimento das danças das discípulas de Dalcroze.

227 A americana abriu diversas escolas na Alemanha, França, E.U.A., Grécia e Rússia: a de Berlim

concretizou-se em 1911.

228 Rudolf Laban, bailarino, professor e coreógrafo, foi considerado um dos maiores teóricos de dança do

século XX, dedicando a sua vida ao estudo e sistematização da linguagem do movimento nos seus diversos aspectos: criação, notação, apreciação e educação.

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formas de movimento, e de que a escola de Laban, aberta em 1910 em Munique, e a de Duncan, no ano seguinte, seriam precursoras.

Acresce um outro elemento de não somenos importância: desde o final da Primeira Guerra Mundial, a Nackttanz – a dança nua – florescia com sucesso nos palcos da República de Weimar. Resultado de uma cultura naturalista, a dança nua cedo foi reproduzida nos vizinhos palcos europeus. Muitas das bailarinas “exóticas” actuavam frequentemente semi-despidas, ou mesmo nuas, em solos, redimensionando não só o significado artístico do exercício da dança, que se tornou num sinal de modernidade e se reproduziu pelos cabarets, night-clubs e palcos teatrais da Europa. Acolhendo esta nova atracção com entusiasmo, uma audiência eclética e motivada encheu as salas, não se confinando aos espaços de divertimento mas sustentando igualmente um mercado em emersão: o do consumo de fotografias encenadas dos espectáculos produzidos229. De

entre os nomes mais famosos, destacaram-se as bailarinas Adorée Villany, Anita Berber (1899-1928), Mata Hari, Gertrud Leistikow (1885-1948) e Olga Desmond (1891-1964). James Klein (1886-1940), director do Teatro Apollo, foi o primeiro a introduzir “bailados nus”, que inspiraram vigorosas competições noutras salas berlinenses. Este movimento ligou-se depois à Ausdruckstanz, alargando o campo de novas possibilidades, uma vez que numerosas escolas de dança começaram a fomentar a exibição de bailarinos sem roupa. De acordo com o pensamento de Karl Toepfer, “é difícil de imaginar que a modernidade alcance uma maior controvérsia do que através da dança nua, (…) através do desejo que um corpo nu possa ser visto fazendo apenas movimentos estéticos puros”230.

Ao mesmo tempo, e em consequência indirecta da moda da Nackttanz, definiu-se o Körperkultur – o culto do corpo – que promoveu o desporto e a actividade física e era fácil perceber porquê: é que a nudez pressupunha uma estética corporal saudável e perfeita, daí que o exercício fosse estimulado como forma de desenvolver o potencial corporal de cada intérprete. A moda estendeu-se a todo o país e numerosas academias de ensino divulgaram os seus alunos em poses e apresentações sem roupa, de que são exemplo a Koch Scholl de Berlim, a Hagemann Scholl de Hamburgo, a Estas Scholl de Colónia e a Ida Herion Scholl de Estugarda. Porventura influenciados por toda esta nova

229 Rudolph Koppitz (1884-1936) foi um dos fotógrafos mais conhecidos, encenando fotografias com

bailarinos onde se destacava uma forte dramaturgia expressionista.

230 Karl Toepfer, Empire of Ecstasy, Nudity and Movement in Germain Body Culture, 1910-1935,

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configuração, numerosos artistas trataram de pintar com feroz acidez a dança erótica nua, como é o caso de Max Beckmann (1884-1950), Otto Dix (1891-1969), Hugo Scheiber (1873-1950), George Grosz (1893-1959), Jeanne Mammen (1890-1976), Christian Schad (1894-1982) e Rudolf Schlichter (1890-1955). Estes e outros autores ajudaram a criar uma vasta iconografia da dança na República de Weimar, inspirando-se na dança nua (ou semi-nua), a fim de produzir obras de pintura, escultura, artes gráficas, fotografia, cinema e até arquitectura231.

De outro modo, os Congressos de Dança de Magdeburg em 1927, de Essen em 1928 e de Munique em 1930, constituíram importantes manifestações da dança que promoveram a arte de Terpsícore junto de um público mais vasto. O primeiro, o de Magdeburg, foi organizado por Rudolf Laban, Hanns Niedecken-Gebhard (1889-1954) e Oskar Schlemmer (1888-1943), pintor da Bauhaus. O evento atraiu mais de trezentos participantes, permitindo dar uma visibilidade à dança expressionista até então sem precedentes, fazendo ainda emergir as publicações Schriftanz e Der Tanz. O tema do colóquio foi a institucionalização da Ausdruckstanz e contou com a exibição de filmes que mostravam as experiências de Laban, com uma grande mostra de figurinos e cenários que reforçavam a percepção da dança alemã agora surgida.

Em 1928, foi a vez de Fritz Böhme (1881-1952) coordenar o congresso de Essen, com a ajuda de Alfred Schlee, Kurt Jooss (1901-1979) e Ludwing Buchholz (1878-1943). Desta vez, Mary Wigman esteve presente, bem como Yvonne Georgi (1903-1975), Gret Palucca (1902-1983), Hanya Holm (1893-1992) e Rosalia Chladek (1905-1995). Os painéis abrangeram novas temáticas da cultura da dança, situando-a no contexto internacional; os espectáculos que ilustram o congresso contaram com a presença das danças nacionais de Inglaterra, Rússia, Alemanha, Java e Sumatra.

No ano de 1930, Laban viu-se destacado para director dos Teatros de Berlim, tendo sido convidado, juntamente com Böhme, para organizar o Congresso de Dança de Munique. O evento atingiu uma escala até então desconhecida: 1400 participantes de diversos países e de numerosas escolas e teatros de toda a Alemanha. Além de uma numerosa representação dos artistas nacionais, Munique pôde ainda assistir às exibições das danças da Holanda, Checoslováquia, Jugoslávia, Hungria, Áustria, Polónia, Bulgária e E.U.A. Um quarto congresso chegou a estar planeado para Viena, mas nunca se

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materializou; em seu lugar, Goebbels autorizaria a organização dos Festivais de Dança Alemães, que tiveram lugar em Berlim entre 1934 e 1936.

Foi dentro deste panorama que a política para a cultura do III Reich se viria a formar. Um dos primeiros gestos de Hitler, quando subiu ao poder em 1933232, foi o de

criar em Munique a Casa da Arte Alemã; seria a partir daqui que emanaria toda a arte oficial do nazismo e, ainda nesse mesmo ano, o Führer criaria a Reichskulturkammer – a Câmara da Cultura do Reich – e a Reichskammer der Bildeden Künste – a Câmara das Artes Plásticas do Reich, com a intenção de estetizar a política e politizar a cultura233.

Directamente subordinada ao Ministério da Propaganda e sob o comando de Josef Goebbels, este organismo conduziu o pensamento do povo alemão, determinando as linhas de acção a seguir. O objectivo era orientar a produção, reprodução e distribuição artísticas, de modo a fazer passar a ideologia de propaganda concertada e bem definida; daí que se afirme que “a propaganda foi para Hitler uma arte”234 que redimensionou todo

um ideário político, cultural e artístico na Europa entre 1933 e 1945.

Inicialmente, no domínio iconográfico, a Alemanha do III Reich alinhou pela herança de Weimar: uma retórica com fortes afinidades expressionistas, ainda que dissimulada por vectores próprios e até a sigla mais cenográfica da Alemanha nazi – SS – era ela própria escrita de forma angulosa235 e vista do ponto de vista formal, perfeito

símbolo expressionista.

No ano charneira de 1933, o III Reich incorporou no Ministério da Propaganda de Goebbels uma secção dedicada ao teatro e à dança, marcando o preâmbulo de uma colaboração entre bailarinos/coreógrafos e o poder político. O seu encaixe subsequente na ideologia hitleriana foi direccionado logo nesse ano, quando se legislou explicitamente sobre as artes. Este envolvimento assentou numa premissa prévia: a de que a dança, a educação corporal e a actividade física contribuíam de sobremaneira para recuperar a

232 Em 14 de Julho de 1933, o Partido Nacional-Socialista é proclamado partido único.

233 Os artistas que fossem expulsos da Câmara de Cultura do Reich não podiam exercer a sua profissão,

pois não conseguiam arranjar material de trabalho, uma vez que, durante a guerra, os utensílios de pintura só podiam ser adquiridos com a senha de requisição de materiais, entregue pela referida Câmara. A repartição da Câmara do Reich para as artes plásticas terminou em 1937, o que significou que, até essa data, todas as associações profissionais foram dissolvidas. Ver Arte em Berlim 1900 até Hoje, FCG, Lisboa, 1989, p. 39

234 Modris Eksteins, Rites of Spring, the great War and the birth of Modern Age, Mariner Books, USA,

2000, p. 321

235 Havia mesmo um caracter especial nas máquinas de escrever oficiais. Ver Jean Clair, Obra Cit., pp. 34-

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ancestralidade germânica, que teria sido, por sua vez, inspirada na matriz estética da antiguidade grega. Na interpretação de Karl Toepfer, a dança foi “a grande expressão artística da individualidade alemã”236, como as acções levadas a cabo pelo III Reich

tratariam de confirmar.

No ano de 1934 – um ano após a implantação do III Reich – Laban foi promovido a director do Deutsche Tanzbühne, dirigindo posteriormente os Festivais de Dança Alemães e tornando-se na figura proeminente da dança alemã. Seria a partir da sua liderança que todo um conjunto de bailarinos e coreógrafos seria convidado a integrar o programa artístico da dança e da cultura física da Alemanha, promovido pelo nacional- socialismo.

Ainda em 1934, o próprio Ministro da Propaganda, Josef Goebbels, celebrava a nova via expressionista publicitada por Laban como manifestação do puro génio nórdico. Nas suas palavras: “Nós, nacional-socialistas, consideramo-nos o suporte da modernidade e os mais avançados em matéria artística e dentro da proposta nacional-socialista avaliamos a contribuição artística do expressionismo e da abstracção para a revolução nacional”237. No entanto, e como se verá adiante, esta “colagem” ao expressionismo

alemão e às vanguardas do início do século em breve seria abandonada, direccionando- se para uma via clássica, tão antagónica às experiências das artes dos modernos alemães.

Os Festivais de Dança de Berlim ocorreram nos anos de 1934, 1935 e 1936, estes últimos inseridos dentro de eveto maior, os Jogos Olímpicos. O “pai” da Ausdruckstanz, Laban foi convidado a liderar o primeiro, de 1934, e que contou com o auxílio de Otto von Kendell. Primeira manifestação oficial da dança do III Reich, o Festival de Dança de 1934 foi precedido de uma forte campanha publicitária quer a nível interno, quer no estrangeiro. Este destaque não pretendia apenas colocar em evidência a dança alemã mas visava, acima de tudo, mostrar que o governo assumia o papel de mecenas e protector que generosamente financiava e apoiava os seus artistas. Inúmeros artigos na imprensa, emissões de rádio, exposições (de que “Dança como Arte”, no Museu Estatal foi exemplo), cartazes e filmes foram consagrados ao evento. Entre os coreógrafos convidados contaram-se os nomes de Mary Wigman, Gret Palucca, Harald Kreutzberg (1902-1968), Yvonne Georgi (1903-1975), Valeria Katrina (1892-1983), Dorothée

236 Karl Toepfer, Obra Cit., p. 98

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Günther (1896-1975), Hertha Feist (1896-1990), Lola Rogga (1908-1990) e Lotte Wernicke. Como prolongamento do festival, um programa de digressões foi delineado, tendo os participantes sido acolhidos nos teatros municipais e nas sedes do partido que se espalhavam pelo território germânico. Esta acção não só proporcionaria emprego a numerosos bailarinos como favoreceria a irradiação do nacional-socialismo dentro da própria Alemanha.

O Festival de 1934 conheceu tal sucesso que Goebbels decidiu repeti-lo no ano seguinte, com meios ainda mais consideráveis. De novo confiado a Laban e a Kendell, o Festival de Dança de 1935 gozou de renovado sucesso, ainda que alguns coreógrafos se tenham mostrado descontentes por terem sido ostracizados pela programação de Laban, nomeadamente no que concerne à exclusão da dança clássica. No final do evento, foi publicado um livro colectivo Os Festivais Alemães de Dança, contando o volume com textos de Georgi, Günther, Kreutzberg, Palucca e Wigman. Primeira manifestação política colectiva dos bailarinos modernos expressionistas, a obra mostra a importância concedida a estes artistas na criação de uma identidade germânica que ajudaram a construir. Nos seus textos, a denominação “dança alemã” ou “uma nova dança alemã” substitui a de “dança moderna”, o que não deixa de se revelar sintomático no que respeita ao caminho percorrido. O Festival promoveu também a ideia de uma competição internacional de dança, que logo foi prontamente apoiada pelo governo. Fazendo-a coincidir com os Jogos Olímpicos de Berlim de 1936, a competição enfatizou o carácter das danças folclóricas nacionais, apesar de as presenças alemãs convidadas a participar (Palucca, Wigman, Lizzie Maudrike, Dorothée Günther, Harald Kreutzberg e Rudolf Kölling) nada terem a ver com as formas da dança folclórica. O que interessa ressalvar é que o vanguardismo demonstrado por Rudolf Laban, no que concerne à realização desses festivais, ao invés de ser proibido ou denunciado como “degenerado”, foi, num primeiro tempo, promovido e floresceu, tornando-se parte da arte oficial nazi. Isso foi conseguido através da combinação entre arte, prática, teoria e mistificação, servidas em doses cuidadas que definiram a política para a dança sob a suástica.

A comunidade da dança acolheu de bom grado o entusiasmo provocado por estes festivais: Mary Wigman, Gret Palucca, Harald Kreutzberg, Dorothée Günther, Yvonne Georgi, Jens Keith (1898-1958), Lilian Karina (1907-2007), os nomes mais destacados nesses eventos, por serem os principais representantes da nova dança germânica, aderiram sem reservas. Decerto que o alinhamento artístico catapultou muitos dos artistas que neles

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se inscreveram para uma esfera de sucesso: contudo, muitos houve que se fecharam na sua arte, evitando alinhamentos políticos. Diversos bailarinos – como é o caso de Liselotte Köster (1911-1987), Prima Ballerina da Deutsche Oper Berlin e favorita de Hitler238

não tornaram públicos os seus pontos de vista em relação à dança e à política, preocupados apenas com o seu próprio êxito e mantendo-se alheios aos destinos ideológicos do seu país. Como escreve Lilian Karina239, “muitos artistas, bailarinos,

coreógrafos e pedagogos da dança negaram a ligação entre a criatividade pessoal e as condições sociais e políticas onde se inscreviam (…) mas muitas vezes, os seus interesses beneficiaram do apoio económico que o governo ou o partido lhes podia conseguir e essas atitudes afectaram profundamente a sua prática enquanto criadores de dança”240. Para eles

o que importava era conseguir dar prosseguimento às suas carreiras, direccionando ou reajustando, sempre que necessário, as suas práticas de encontro ao ideal nacional- socialista; era uma cedência, o preço a pagar para se manterem no activo da arte que haviam abraçado. Os artistas que não seguiram esta linha desapareceram silenciosamente, exilando-se em países limítrofes, tendo sido esquecidos. O certo é que conforme o papel da dança se distinguia na propaganda do nacional-socialismo, o número de bailarinos ligados aos teatros nacionais e municipais triplicou241, crescendo também a sua aparição

em actos oficiais do regime.

É interessante indagar por que razão, num primeiro tempo, a dança expressionista (de vanguarda) foi validada pelo regime de Hitler. Talvez a razão resida no facto do próprio líder a achar representante da nova força política trazida pelo nacional-socialismo, chegando a dizer numa ocasião: “A dança, juntamente com a música, é a expressão cultural de base do povo!”242. Esta preferência enunciada na declaração do Führer ajudou

a promover a dança alemã: para os nazis, a dança não era apenas o reflexo da “sua” ordem social; ela tinha o poder de influenciar a invenção do “Novo Homem”, tornando-se a representação da sua raça superior. A receita não era nova, como já referido para a União Soviética bolchevista e para a Itália fascista, mas, na Alemanha, adicionou-se um novo

238 Ver Lilian Karina, Hitler’s dancers, German modern dance and the third Reich, Berghahn Books, New

York, Oxford, 2003, p. 7

239 Bailarina alemã que trabalhou para o governo alemão nos anos 20 e 30, tendo-se exilado na Hungria e

depois na Suécia.

240 Lilian Karina, Obra Cit., p. 5

241 Entre 1933 e 1944 o número de bailarinos passou de 731 para 2428. Ver Laure Guilbert, Danser avec le

III Reich, Les danseurs modernes sous le nazisme, Editions Complexe, Bruxelles, 2000, p. 203

242 Citado por Marion Kant, Hitler’s dancers, German modern dance and the third Reich, Berghahn Books,

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fundamento que a fez atingir uma amplitude nunca alcançada por outro Estado totalitário: o da superioridade étnica preconizado pelo nacional-socialismo. A plasticidade da Ausdruckstanz permitiu a reinterpretação do Körperkultur, que mostrava a saudável nação alemã, acentuando o carácter elitista de uma pretensa superioridade da raça ariana, conceito tão caro a Hitler. O interesse do governo nazi em associar a dança de carácter expressionista aos seus programas políticos não pode deixar de se ver à luz da ideia de que a saúde e o vigor físico eram espelhos de uma nação sadia e vigorosa que tinha a pretença ideia de se impor a toda a Europa.

Com a intimidação do partido, os protagonistas da dança expressionista foram “convocados” para as celebrações e rituais colectivos que glorificavam uma integração ideológica do povo como um corpo comum, numa massa uniformizada e vigorosa. Os protagonistas da nova dança alemã cedo se entregaram aos padrões culturais coreográficos geométricos, numa rima de fácil apreensão, tornando o corpo num signo da acção política nazi243.

Conforme o nazismo se expandia e as suas tropas avançavam pela Europa, realizou-se “uma Arte da Sedução, através de um grandioso número de festividades, eventos e folclore”244. Anunciava-se a renascença cultural que marcava o renovado tempo

hitleriano, e, nesse campo, destacam-se os Jogos Olímpicos de 1936, evento que abriu uma era na história do desporto, compondo mais uma oportunidade para destacar o papel da dança “como instrumento de propaganda política, glorificando a ideologia do regime”245. Jamais uma acção desportiva conhecera uma tal cobertura mediática: mais de

três milhões de espectadores, mais de dois mil e oitocentos atletas e o estabelecimento de um moderno sistema de comunicação orquestrado, pelo próprio Ministro da Propaganda, Josef Goebbels. O corpo olímpico, clássico, musculado e saudável, era o ideário do decénio e reflexo do regime que o sustentava; foi assim que os atletas glorificados por Leni Riefenstahl (1902-2003) funcionaram como um modelo da sociedade do III Reich246.

243 Ver Biblioteca Teatrale, Ausdruckstanz. Il corpo, la danza e la critica, N.º 78, April a Giugno, Bulzoni

Editione, Rome, 2006

244 Peter Adam, The Arts of the Third Reich, Thames and Hudson, London, 1992, pp. 71-73, 303

245 Jacques Fredj, Le Sport Européen à l´Epreuve du Nazisme, Des J.O. de Berlin aux J.O. de Londres