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3. A dança nacionalista e a sedução das massas 1 O bailado vermelho da U.R.S.S.

4.1. A dança contestatária de Kurt Jooss e de Jean Weidt

A Arte é uma espécie de rebelião para ser utilizada contra a ordem estabelecida.

Pablo Picasso

Na Europa totalitária, a política de propaganda cultural esteve longe de ser aceite por alguns artistas, grupos e companhias que usaram a sua arte para se posicionar contra as ditaduras, tal como Pablo Picasso com a sua obra Guernica, em 1937.

O “desalinhamento” ideológico reflectiu-se na arte de Terpsícore, mostrando-nos criações que se apresentaram como hinos de revolta, e de que é exemplo a obra de Kurt Jooss (1901-1979)287, Mesa Verde, de 1932, peça que ganharia o 1º prémio da

Competição Coreográfica Internacional de Paris, a mesma cidade que acolhera, em 1919, a Conferência da Paz. A obra de Jooss foi apresentada a concurso pouco antes da chegada de Hitler ao poder288, o que não é pura coincidência, já que reflectiu as inquietudes da

Europa e as preocupações de alguns alemães para com a recente ascensão do partido nazi na República de Weimar.

A nível de conteúdo, o drama de Jooss apresentava um microcosmo da realidade da Guerra moderna; em Mesa Verde a temática da crueldade da Primeira Guerra Mundial manifestava-se numa Dança Macabra289. A obra mostrava a realidade dos Estados

287 Aluno de Laban, Kurt Jooss tornou-se, em 1925, director de dança no teatro de Münster e, em 1927, co-

fundador e director do grupo de dança da Folkwang Schule, na cidade de Essen. A escola seguia as ideias de Laban, combinando música, teatro e dança, e construindo um programa de treino que conjugava elementos do bailado clássico e características da nova dança expressiva. Em 1928 Jooss começou a construir uma companhia de dança-teatro e, em 1933, depois de forçado a abandonar a Alemanha quando os nazis lhe solicitaram que despedisse alguns dos elementos do seu grupo por serem judeus, foi para a Holanda e, mais tarde, para a Inglaterra, aí abrindo uma escola em Devon. Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, regressou à Alemanha onde continuou a ensinar e a coreografar, tendo Pina Bausch sido uma das suas alunas.

288 Em 2 de agosto de 1934, Hindenburg morreu. Hitler apoderou-se do seu lugar, fundindo as funções de

Presidente e de Chanceler, passando a auto-intitular-se Líder (Führer) da Alemanha e requerendo um juramento de lealdade a cada membro das forças armadas. Esta fusão dos cargos, aprovada pelo parlamento poucas horas depois da morte de Hindenburg, foi mais tarde confirmada pela maioria do eleitorado no plebiscito de 19 de Agosto de 1934.

289Também conhecida por Dança da Morte é uma alegoria do final do período medieval sobre a

universalidade da morte, acentuando a não importância do estatuto social, uma vez que a dança da morte a todos une. A Dança Macabra consistia na representação de uma morte personificada, conduzindo uma

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totalitários onde diplomatas se tornavam soldados, satirizando a sua hipocrisia, o cinismo dos dirigentes e a sua crueldade e violência, culminando com o triunfo da morte sobre todos os que seguiam os líderes para a Guerra, num verdadeiro discurso político coreografado.

Inserido no devido contexto, é possível reconhecer que o trabalho de Jooss constituiu uma sátira dirigida às conferências diplomáticas, e uma severa crítica ao funcionamento da Liga das Nações. Daí a opinião de Alexandra Kolb de que, “o coreógrafo alemão ampliou o espectro da dança moderna, demonstrando que o movimento podia ter intenção política”290, não se esquecendo que a peça fora influenciada pelos artistas de “esquerda”, em particular por Kurt Tucholsky (1890-1935), um pacifista conhecido pela sua postura quase profética na emissão de avisos face à República de Weimar, anos antes da materialização do III Reich.

Formalmente, Mesa Verde mostrou ser uma obra estruturada dentro de um fundamento inovador, como demonstra uma rápida análise às críticas. Assim, e na perspectiva de Jacques Copeau, foi o facto de “os bailarinos de Jooss serem capazes de regressar ao estado puro da tendência primitiva, religiosa, do homem exprimindo-se numa linguagem universal”291 que contribuiu para que a obra recebesse o primeiro prémio. Na

análise de A. V. Coton, a peça “assentava na constatação da inutilidade de cenários pintados, funcionando o corpo de ballet como complemento da decoração e simultaneamente como objecto cenográfico. Por fim, e completando esta vertente formal, a gama de cores que acompanhava a orquestra, contribuiu para a unicidade da peça e consequentemente constituiu parte do sucesso do ballet”292. Por seu turno, a leitura de

Patrizia Veroli defende que foi “o realismo do ballet de Jooss que conquistou o público, uma vez que os corpos dos bailarinos possuíam uma plástica formada por uma pluralidade de técnicas fortemente modeladas pela ginástica que resultava, sem dúvida, num impacto dramático muito intenso”293.

fileira de figuras de todos os estratos sociais, dançando em direcção aos seus túmulos. Estas representações foram produzidas sob o impacto da Peste Negra, que lembrou a sociedade o quão frágeis eram as suas vidas e vãs as glórias da vida terrena.

290 Alexandra Kolb “Three Comparative Case Studies”, The Journal of the Arts in Society, Dance and

Political Conflict , Vol. 1, Number 2, Australia, 2006, p. 19

291 Jacques Copeau, “Les Ballets Jooss aux Champs-Élysées”, Le Figaro, 8.1.1935, citado por Patrizia

Veroli, Obra Cit., p. 82

292 A.V. Coton, The New Balle, Kurt Jooss and his work, Dennis Dobson, London, 1946, p. 19

293 Patrizia Veroli, Les archives internationales de la danse (1931-1952), Recherches Centre National de la

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No âmbito da apresentação de Mesa Verde, em 1933, na cidade de Londres, uma notícia no jornal Evening Standard esclarecia: “A Gestapo havia perseguido Jooss fazendo com que saísse da sua Alemanha natal pois não havia gostado da mensagem de ´Mesa Verde` nem da postura ideológica do artista que havia dito abertamente antes de fugir, que era sufocante viver nessa Alemanha brutalizada”294 e foi com base nesse

raciocínio que John Martin escreveu no New York Times: “Desta vez, uma obra de arte tornou-se uma peça de propaganda”295.

Perceptível para o público, como condenação política da Guerra, esta obra destacou-se pela simplicidade da sua linguagem coreográfica, à qual se aliou a mestria expressiva dos bailarinos, suscitando uma intensidade dramática tão aplaudida pelo público como pela crítica, mantendo uma actualidade duradoura, motivada pelo incremento dos sentimentos anti-bélicos que a Segunda Guerra Mundial viria a acentuar.

Premiada pela sua composição original, Mesa Verde provocou um verdadeiro tumulto aquando da sua estreia; a plateia assobiou, gritou ameaças e insultos aos bailarinos, uma situação que se manteve ao longo dos primeiros dias de apresentação. Todavia, na segunda semana, Mesa Verde era o assunto mais falado em Paris e em breve foi organizada uma digressão à Holanda, Bélgica, Suíça e Inglaterra, no termo da qual o coreógrafo aproveitou para não regressar à Alemanha. O Jooss Ballet tinha ganho o seu estatuto próprio e o direito de utilizar a sua arte para chamar a atenção para um problema comum às nações do Velho Continente: a Guerra.

Mesa Verde surgiu no mesmo ano em que se formava, nos E.U.A., o New Dance Group, mostrando que as preocupações de Jooss se encontravam em sintonia com algumas das inquietações da dança americana da altura. Curiosamente, é a única peça coreográfica desse período que se mantém em reportório por parte de várias companhias internacionais na actualidade296.

Encerrando a apontamento de Jooss, a sua afirmação, em 1976, de que “não devemos tentar, através de uma obra de arte, melhorar a vida ou fazer política, porque

294 Patricia Ward, “Blow down these walls of Jericho”, Evening Standard 12.11.1940, p. 61

295 John Martin, “War Satire”, New York Times, 2.10.1932, citado por Nancy Reynolds; Malcolm

McCormick, No fixed points, Dance in the Twentieth Century, Yale University Press, USA, 2003, p. 103

296 E até pela Companhia Nacional de Bailado que, em 1984 e sob a direcção de Armando Jorge (1938), a

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não é para isso que as artes servem”297, parece um paradoxo face ao que o artista fizera

com Mesa Verde: porém, é preciso não esquecer que haviam passado mais de quarenta anos sobre a apresentação da sua coreografia premiada em Paris, que o mundo já não era o mesmo do período entre Guerras e que as inquietações do coreógrafo eram agora outras. Quanto à obra de Jean Weidt (1904-1988)298, aluno de Kurt Jooss e membro do

partido comunista alemão, esta inspirar-se-ia no sofrimento da classe operária e nos seus códigos artísticos. Isso explica porque Weidt rejeitou o classicismo do bailado, incorporando no seu lugar uma certa vertente da dança expressionista alemã que personalizou segundo as suas convicções políticas. Weidt rejeitava a arte pela arte, sem qualquer combate ou consciência política; conforme declarou: “Oponho-me à tendência abstracta da dança na medida em que um bailarino deve saber o que dança e porque dança”299. Comprometido com os ideais de esquerda e com a ideia de que a dança podia

contribuir para o desenvolvimento de uma cultura revolucionária, Weidt investiu explicitamente na agitprop e no papel educativo dos artistas comunistas, tendo sido, na opinião de Yvonne Hardt, “um dos poucos bailarinos políticos”300.

Em 1925, formou a sua companhia, participando em espectáculos ao lado da

Volkssolidarität (Solidariedade do Povo), e coreografando peças como O Trabalhador,

Tristeza de um Soldado, Dança para Lenine, obras que receberam críticas positivas como as de Fritz Böhme301.

Em 1929, o seu compromisso político levou-o a criar em Berlim a companhia Red Dancers. A ideia que presidiu a essa formação foi a de que a arte, nomeadamente a dança, constituía uma arma que podia contribuir para melhorar a vida de um povo, uma concepção bem distante do futuro regime nazi, do qual ele se tornou, posteriormente, um dos alvos. A sua crença de que a prática corporal melhorava a qualidade de vida do trabalhador, reforçando o seu valor enquanto ser humano, era um dos propósitos que se

297 Kurt Jooss, em entrevista à BBC I, em Junho 1976, citado por Alexandra Kolb “Three Comparative

Case Studies”, The Journal of the Arts in Society, Dance and Political Conflict , Vol. 1, Number 2, Australia, 2006, p. 17

298 Estudou durante um curto período com Sigurd Leeder (1902-1981) e Olga Brandt-Knack (1885-1978),

alunos de Laban.

299 Jean Weidt, Der rote Tänzer. Ein Lebensbericht, Henschel, Berlin, 1968, p. 18, citado por Laure

Guilbert, Danser avec le III Reich, Les danseurs modernes sous le nazisme, Editions Complexe, Bruxelles, 2000, p. 57 e p. 92

300 Yvonne Hardt, “Ausdruckstanz on the left and the work of Jean Weidt”, Susan Franco; Marina Nordera

(Edited), Dance discourses, keywords in dance research, Routledge, London, 2007, p. 62

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propunha divulgar e que as suas apresentações se esforçavam por destacar. Houve contudo criações que transmitiram uma mensagem mais directa, como Potsdam (1932), onde Weidt utilizou máscaras para representar políticos como Adolf Hitler, Franz von Papen (1879-1969) e Alfred Hugenberg (1865-1951)302.

Politicamente activos, os membros dos Red Dancers não foram um grupo de dança no sentido tradicional do termo: na perspectiva de Yvonne Hardt, “foram antes, um grupo de trabalhadores que ensaiava ao fim-de-semana e que gradualmente se transformou num conjunto de artistas que praticavam desporto e que se conglomeraram em torno de uma causa comum. Estes artistas nunca atingiram uma técnica sistemática no sentido clássico do termo, opondo-se até ao virtuosismo do bailado”303. Contudo, adquiriram um

vocabulário coreográfico que lhes permitiu reconhecimento dentro do universo da dança, intervindo em apresentações fortemente politizadas. O bailarino envolveu-se nos círculos dos artistas de esquerda, e o seu estúdio tornou-se num centro de encontro entre artistas que reagiam às políticas do regime. Organizou espectáculos de dança para angariar fundos de ajuda aos mais necessitados, e participou em festas do partido comunista, do qual se tornou membro em 1931.

O conteúdo político das suas obras tornou-se mais forte conforme o fascismo ascendia na Alemanha, o que o levou a que Weidt fosse preso e depois obrigado a fugir do país em 1933.

Em 1935, já no exílio em França, aceitou o convite de Erwin Piscator para trabalhar em Moscovo, onde começou a estudar bailado clássico no Bolshoi; apesar da técnica do bailado oferecer interessantes possibilidades para a Ausdruckstanz, as obras dançadas naquele teatro pareciam a Weidt demasiado convencionais, sem o espírito revolucionário modernista304, o que o levou a abandonar Moscovo.

Em 1937 regressou a Paris onde cultivou amizade com diversos intelectuais e artistas influentes, entre os quais Jean Cocteau, Louis Aragon e Pablo Picasso. Formou um novo grupo, o Ballet Weidt, e com ele percorreu toda a França, em digressões que angariariam fundos de combate aos fascistas na Guerra Civil Espanhola. A Segunda Guerra Mundial interrompeu parcialmente a sua carreira, retomada em 1947, ano em que

302 Ver Karl Toepfer, Empire of Ecstasy, Nudity and Movement in Germain Body Culture, 1910-1935,

University of California Press, Los Angeles, 1997, p. 249

303 Idem, p. 68

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ganharia a Competição Coreográfica Internacional de Copenhaga, com A Célula, mostrando que não era suficiente o bailarino ter o corpo certo ou talento pois o que interessava era mostrar que possuía uma força capaz de intervir politicamente305.

305 Em 1948, Jean Weidt regressou à Alemanha de Leste, onde se fixou, tornando-se professor e coreógrafo;

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4.2.

Dançando à esquerda nos E.U.A.: o New Dance Group

Até aos anos 20, os palcos americanos exibiram o que uma era um misto de dança clássica (importada do bailado europeu), com algumas experiências pioneiras de pesquisa de novas linguagens do movimento, iniciadas pelas americanas Isadora Duncan e Ruth St. Denis. Seria a partir destes dois vectores que a dança moderna americana se desenvolveria ao longo da década de 1930, multiplicando-se em práticas que caminharam em direcção a uma abstracção do movimento, que se inspirava nas preocupações do mundo contemporâneo.

A Grande Depressão iniciada em 1929 colocou os E.U.A. numa débil situação política, económica e social: o desemprego e a fome provocaram conflitos sociais e uma segregação racial problemática, originando uma crescente simpatia pela esquerda soviética e pelo agitprop. Numa América desigual e destabilizada, era fácil justificar a aproximação para com os ideais socialistas da U.R.S.S. que prometiam uma justiça social bem distante da realidade que se vivia do Novo Mundo.

Foi esse ideal que presidiu em 1932 à formação da Workers Dance League, de inspiração marxista, no ano preciso em que Estaline decretara o seu realismo socialista para as artes. O surgimento desta “liga” respondia assim à crescente preocupação de federar grupos de dança revolucionária e/ou radical, a fim de trabalharem em sinergia. Dela faziam parte agrupamentos como os Red Dancers, os New Duncan Dancers, os Jack London Rebel Dancers, o Theatre Union Dance Group, o Harlem Dance Unit e o Modern Negro Dance Group. Esta heterogeneidade não deixou de ser criticada em certos meios mais conservadores que afirmaram a sua extrema disparidade, quanto ao nível artístico dos elementos que os compunham: é que, enquanto todos partilhavam a mesma orientação política, as capacidades técnicas de que dispunham eram díspares, se bem que tal não constituísse qualquer entrave artístico para os seus elementos. A estes grupos juntar-se- iam as influências da nova dança europeia, nomeadamente de Mary Wigman, que rapidamente ganhou adeptos na América dos anos 30306.

306 Mary Wigman havia-se deslocado aos E.U.A. em 1930 e depois em 1932, ano em que uma discípula

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Dentro do colectivo da Workers Dance League, destacar-se-ia o New Dance Group (NDG), como uma das associações mais populares pela conjugação performativa com a luta política. Em 1932, ano da sua formação, os seus fundadores acreditavam que a dança possuía um propósito e que detinha a força de contribuir para mudar a sociedade e foi isso que tentaram pôr em prática nos anos seguintes.

O NDG foi extremamente activo em termos políticos, desenvolvendo um programa completo e linhas de acção que contemplavam aulas de dança para estudantes a preços reduzidos, improvisações sobre temas sociais, além de debates sobre questões socio-políticas e a leitura de textos que ajudassem a enquadrar as suas obras coreográficas no contexto político. Talvez por isso, e desde a sua fundação, o NDG tenha dado grande ênfase à educação cultural, contemplando uma escola onde as temáticas emanadas do departamento agitprop do Partido Comunista americano inspiraram novas peças coreográficas, projectos cinematográficos, pintores, músicos e escritores. A arte tinha agora o poder de suscitar uma revelação que promovesse uma atitude contestatária, remediando as injustiças sociais.

Fanya Geltman, Miriam Blecher, Edna Ocko (1908-2005), Edith Langbert, Rebecca Rosenberg e Miriam Gold posaram numa fotografia dos arquivos do NDG como fundadoras do projecto, mas cedo outros artistas se lhe juntariam, apesar de muitos não se associarem oficialmente, como foi o caso de Edith Segal (1902-1997), José Limón (1908-1972), Doris Humphrey (1895-1958) e Helen Tamiris (1905-1966), que, tendo os seus próprios grupos, utilizavam o NDG como plataforma a partir da qual definiam o seu trabalho de estúdio. Sucessivamente vieram a juntar-se ao grupo diversas bailarinas(os), entre as quais se destacam os nomes de Sophie Maslow (1911-2006) e Anna Sokolow (1910-2000).

Na primeira fase do NDG, o protesto através da dança viria a efectuar-se em acções que apelavam à intervenção social, sob os aplausos das classes trabalhadoras saídas da depressão de 1929. A receita não era nova: em 1916 a própria Isadora Duncan já se inspirara na figura do trabalhador para criar Marselha, e, pontualmente, outras peças experimentais haviam sido compostas sob a insígnia do proletariado. O que era distinto no NDG era a forma e o conteúdo com que se construíam as suas apresentações: na primeira, através da pesquisa de uma linguagem que melhor traduzisse as aspirações ideológicas com as quais se identificavam; no segundo, apoiando-se nas mensagens do

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mundo socialista igualitário e sem classes sociais, construindo, a partir delas, um discurso coreográfico próprio e coerente.

Para Edith Segal, uma das pioneiras do NDG, o potencial revolucionário da dança articulava-se com a mensagem comunista da cultura proletária, ou seja, com uma arte dirigida aos trabalhadores e criada por eles. As suas coreografias, precedidas da

Internacional, ostentavam títulos como Revolt, Strike, Come from U.R.S.S., revelando as evidentes afinidades com a agitprop russa. Segal fundaria ainda o grupo Red Dancers, com o qual participaria nas apresentações em diversas associações proletárias. A questão da violência racial chamaria a atenção de Segal, que se juntou à afro-americana Allison Burroughs, criando o Black and White Workers Solidarity Dance. O duo pretendia simbolizar a força da solidariedade de classes, e foi construído como tentativa de ultrapassar os antagonismos raciais. Todavia, foi a bailarina Helen Tamiris a primeira a recorrer à inspiração da cultura negra, para abordar o tema da opressão racial, com a sua obra Revolucionary March, de 1929. Na coreografia, Tamiris permitia-se a uma liberdade de movimento que evocava certos traços da dança africana, notando-se a preocupação da bailarina com o conteúdo social do seu trabalho.

O NDG recuperaria a divisa do Workers Cultural Federation de 1930, “ A Arte é uma Arma”, adaptando-o mais tarde para “A Dança é uma Arma”, o seu grito de guerra. O movimento, que começara nas fábricas e nos sindicatos, acabaria nos palcos dos principais teatros de Nova Iorque307: era a dança como veículo privilegiado de

intervenção social e política americana.

Em 1933, o NDG criou Hunger e Barricades, peças coreográficas que tinham a ver com as consequências da Grande Depressão, demasiado recentes para serem esquecidas; mas a intelligentsia308 artística de esquerda ligada ao grupo promoveu

igualmente danças populares, uma vez que “o trabalho dos bailarinos devia ter um conteúdo político que fosse acessível a todo o público”309.

Ainda em 1933, Anna Sokolow criou o seu próprio grupo, os Theatre Union Dance Group que, por excluir membros amadores, se destacou pelo seu alto nível técnico, coerência das composições e rigor coreográfico.

307 Claire Rousier, “Chômeur pendant la Grande Dépression”, Obra Cit., p. 10 308 Grupo e intelectuais comprometidos com a disseminação da cultura. 309 Claire Rousier, “Le New Dance Group entre en scène” Obra Cit., p. 19

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O ano em que foi criado o NDG coincidiu com o da política de New Deal, de