• Nenhum resultado encontrado

3. A dança nacionalista e a sedução das massas 1 O bailado vermelho da U.R.S.S.

5.3. O Verde Gaio como metáfora do Estado Novo

Se a acção da Mocidade Portuguesa chamara a atenção para a prática de actividade física e o SPN/SNI dera visibilidade às danças regionais, foram as circunstâncias favoráveis, trazidas pela Grande Exposição do Mundo Português de 1940, que realizaram o projecto anos antes por António Ferro: a criação da primeira Companhia de Bailados Portugueses Verde Gaio.

Em 1921, já Manuel de Sousa Pinto defendera os modelos folclóricos, numa espécie de manifesto pela dança portuguesa, na sua obra Danças e Bailados onde, curiosamente, se refere ao nome Verde Gaio:

A dança portuguesa, bailados portugueses. Porque não? O difícil é lançar a semente. Depois as flores nascem (…) ninguém por mais cego, confunde a Farândola provençal com a Muiñeira galega, nem a Sardana catalã com o Verde Gaio…432.

Todavia, foi graças à vontade e ao impulso por parte de António Ferro que se criou a primeira companhia de dança portuguesa, precisamente fundada sobre os festejos do encerramento da Grande Exposição do Mundo Português. O director do SPN/SNI havia registado, em diversas circunstâncias, a sua vontade de criar uma companhia de bailados portugueses como A. Abelho dá conta, em 1939, no Século Ilustrado:

Uma companhia de bailados portugueses, em que creio ter ouvido falar António Ferro, seria o nosso melhor cartaz de propaganda perante o mundo (…) e o folclore pode ser, portanto, o nosso grande escudo de defesa, seguindo o exemplo de países progressivos como a Alemanha, a Itália, a França e a própria Espanha (…) A Polónia, ainda não há muito tempo, enviou-nos um friso dos seus bailados, mas Lisboa, frivolamente, desprezou-os. A Espanha tem quase sempre em Paris embaixadas de bailarinos e bailarinas. Ainda durante a Exposição Internacional lá tinha todas as noites, a par da arte de Pablo Picasso, os seus bailarinos de Segóvia, que pouco se diferenciavam dos

432 Ver Manuel de Sousa Pinto, “Pela Dança Portuguesa”, Danças e bailados, Portugália Editora, Lisboa,

189

nossos Pauliteiros de Miranda, aplaudidos ao rubro e na Itália, a quando da visita de Hitler a Roma, estava representado todo o folclore italiano433.

Anunciados publicamente em 1938, no âmbito da concepção do Plano dos Centenários434, os Bailados Portugueses (ainda sem o nome de Verde Gaio), foram

aprovados pela Comissão Executiva dos Centenários, na sua secção de 14 de Maio de 1940 (acta 84).

Numa carta de António Ferro, datada de 2 de Outubro de 1940 a Carlos Augusto de Arrochela Lobo435, o secretário do SPN solicita o teatro do Pavilhão de Honra e o

recinto ao ar livre do Centro Regional, para aí estrear, a 26 de Outubro, os seus Bailados Portugueses. No entanto, e numa missiva posterior da sua secretária Alice Santos, datada de 7 de Dezembro de 1940, a estreia foi adiada devido ao prolongamento dos ensaios da Orquestra Filarmónica de Lisboa, tendo ocorrido a 8 de Novembro de 1940 no Teatro da Trindade436, com um reportório inaugural que contava com as obras: Lenda das

Amendoeiras (música de Jorge Croner de Vasconcelos, cenário e figurinos de Maria Keil do Amaral), Inês de Castro (música de Rui Coelho, cenários e figurinos de José Barbosa)

e Muro do Derrete (música de Frederico de Freitas, cenários e figurinos de Paulo Ferreira) e Ribatejo (música de Frederico de Freitas, cenário de Estrela Faria e figurinos de Bernardo Marques). Uma hora antes da estreia, aos microfones da Emissora Nacional, o secretário do SPN/SNI falava da necessidade política de tal acção, bem como da importância de um grupo de bailado fundamentado no folclore:

O espectáculo de bailados (…) é sempre uma lição de bom gosto (…) mas essa lição tem ainda o interesse de ser uma lição de bom gosto nacional. A arte do bailado é uma arte eminente, dogmaticamente nacional (…). O campo é para a dança, o melhor conservatório no sentido absoluto da palavra437.

Último traço de cor das celebrações nacionais da Grande Exposição do Mundo Português – que encerraria as suas portas a 2 de Dezembro do mesmo ano – o nome Verde Gaio lembraria O Pássaro de Fogo dos Bailados Russos, e seria a concretização de uma

433 Século Ilustrado de 13.8.1939

434 IAN/TT, AOS/CO/PC-22, pt. 1, fl. 17, reproduzido nos anexos.

435 Presidente da Comissão Administrativa da Exposição Histórica do Mundo Português. 436 IAN/TT, Fundo SNI/GS, Caixa 1903

190

companhia “de raízes e expressão integralmente portuguesas”438. Sob o signo do

nacionalismo, e nas palavras do próprio António Ferro:

A Comissão Executiva dos Centenários, através da secção de Festas e Espectáculos, proporcionara ao Secretariado da Propaganda Nacional a realização de mais esta conquista da Política do Espírito439.

Numa publicação posterior pode ler-se:

Antes da criação do Verde Gaio não havia coreografia em Portugal (…) É que a arte popular, quer seja movimento, quer seja realização plástica, não basta, só pela frescura, pela originalidade ou pela tradição, para atingir a quinta essência da Arte (…) É preciso que um espírito se apodere delas e lhes dê forma plena (…) para que possam ser sentidas, pelos homens de todos os climas e de todas as raças (…) O SNI interveio como animador e proporcionador de condições para o aparecimento da coreografia nacional de acabada expressão artística440.

Glosando ambas as citações, pode verificar-se que, inicialmente, o Verde Gaio tinha como objectivo dar movimento à arte popular, revitalizando o folclore. Aliás, nos seus primeiros anos, o Grupo de Bailados Portugueses reforçava as suas actuações com a apresentação de canções populares, onde participava a actriz Maria Paula que interpretava canções inspiradas no folclore regional, da autoria de Rui Coelho (1889-1986) e de Alexandre Rey Colaço (1854-1928). Por outro lado, os espectáculos do Verde Gaio foram muitas vezes acompanhados de exposições de arte popular, como aconteceu na Feira de Madrid, em 1943.

A estreita relação mantida entre Francis Graça e António Ferro, desde o Teatro Novo de 1925, e os posteriores convites para participar em vários recitais no estrangeiro organizados pelo Secretariado, dos quais fazem parte recitais como Minho, Alegria

Popular, Nazaré, Gente do Mar, Lisboa e Fado, fizeram com que se traçasse um percurso coerente, entre a vontade do bailarino e o desejo de propaganda do director do SPN/SNI. Em parte, e na leitura de Maria Luísa Roubaud, “isso explica a razão pela qual em vários

438 Os anos 40 na Arte Portuguesa, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1982, p. 178

439 António Ferro, Verde Gaio – 1940, Palavras de apresentação por António Ferro, SPN, Lisboa, 1940,

p. 5.

191

momentos a colaboração parecer querer evocar a dupla Diaghilev-Nijinsky, e a influência de intenções vanguardo-moderno-folclóricas assimiláveis ao modelo dos Ballets Russes”441, ainda que salvaguardando as devidas distâncias.

Nas suas palavras de apresentação da companhia, António Ferro não deixa de sublinhar o carácter folclórico que presidira à sua criação:

Com o Verde Gaio começaram a animar-se e a ganhar vida e arte todos aqueles objectos ingénuos e familiares do Centro Regional (…) não se trata de uma companhia que possa comparar-se de longe ou de perto, com as organizações complexas dos Bailados Russos de Diaghilev ou de Colonel de Basil, ou até das grandes troupes suecas e polacas. Pensá-lo, admiti-lo sequer, é ignorar a lenta preparação necessária para se formar uma geração de bailarinos apta às grandes criações coreográficas.

E mais adiante conclui:

Há mais de vinte anos, desde a primeira visão dos Bailes Russos, que sonhávamos com a oportunidade que hoje, ainda que num plano mais modesto, se nos oferece 442.

Havia portanto, em Ferro, a consciência de que o Verde Gaio não era os Ballets Russes, ainda que eventualmente aquele pudesse aspirar a tal num futuro próximo, depois de adquirida uma técnica efectiva, numa consistência que só o tempo podia proporcionar.

Numa fase inicial, a crítica orienta-se maioritariamente a uma voz. No Novidades de 10 de Novembro, Palma Vargas escrevia:

“Verde Gaio” é uma formidável vitória dos artistas portugueses. Compositores, bailarinos, cenógrafos, debuxadores de figurinos, todos tiveram anteontem à noite, no “Trindade”, a sua hora alta de triunfo definitivo. Porque entre as coisas novas que estamos vendo, em Portugal, esta é, sem

441 Maria Luísa Roubaud, “Comunicação simbólica e dança teatral – os bailados portugueses Verde Gaio e

a sua simbologia: Estado Novo, psicologia colectiva e modernidade”, Danças e Discursos - Conferência

Internacional, FMH, Lisboa, 1992, p. 88

192

sombra de dúvida, a mais perfeita síntese das altas possibilidades dos nossos artistas443.

Corroborando esta ideia, o Século Ilustrado de 30 de Novembro de 1940 noticiava:

Baila-se em Lisboa. O culto do baile, mas do baile com raízes e expressões nacionalistas, muito nossas, serve justamente para mostrar e para desenvolver, também um marcante aspecto da nossa cultura (…) bailando-se com beleza e senso patriótico.

No início de 1946, Francis Graça abandonava o Verde Gaio e partia para o Brasil444, sendo substituído por Guilherme Morresi, primeiro bailarino da Ópera de Roma

e ex-aluno de Enrico Cecchetti. Em 1947, foi a vez do sueco Ivo Cramér (1921-2009), antigo dirigente da Companhia de Teatro-Dança Sueco de Estocolmo, encabeçar a companhia mas, em 1948, Francis Graça regressou aos Bailados Portugueses e, juntamente com Ivo Cramér, prosseguiu na sua direcção.

Em 1950, e já sem o comando de Ferro, o grupo iria enveredar por uma via mais clássica, que já vinha de Guilherme Morresi e Ivo Cramér, prosseguindo com Violette Quenolle (1923-2004), Daniel Seillier, Paula Gareya (1932) e Anna Ivanova (1906- 1992)445. Esta inflexão era ambicionada por determinados artistas que tinham vindo a

colaborar na companhia, bem como por alguns dos críticos portugueses que haviam acompanhado o primeiro decénio do grupo nos palcos nacionais e no estrangeiro, como ilustra o texto de Rui Medina saído em A Semana:

O Verde Gaio ao fim de muitos anos de existência, começou a aprender... Se o Verde Gaio decidiu entrar pelo caminho correcto – estudo primeiro e criação depois – tem de se reformar por dentro, não se exclui que continue a criar bailados como aqueles que o fizeram justamente aplaudido mas apenas se

443 Novidades, de 10.11.1940, suplemento Letras e Arte, p. 5

444 Aí fazendo par com Madeleine Rosay, primeira bailarina do país. Sobre o assunto ver A Casa, Revista

do Lar, N.º 280, Outubro de 1947

445 Aluna de Cecchetti e de outros grandes mestres mundiais, Anna Ivanova foi primeira figura da

companhia de Anna Pavlova, maitresse de ballet no teatro da Ópera de Belgrado, do Ballet Espanhol de Antonio e do Ballet du XXème Siècle de Maurice Béjart, criando a sua própria escola em Londres e tendo sido convidada a criar e organizar os ballets nacionais de Cuba e da Turquia. Nos anos 60 instalou-se em Portugal e foi contratada pelo Instituto de Alta Cultura como professora do Centro de Estudos de Bailado do teatro S. Carlos.

193

pretende que cada um veja a medida das suas possibilidades. Se hoje se decidiu entrar na porta por onde devia ter começado, tem de adaptar a sua orgânica às novas realidades: estudo intenso, selecção rigorosa, exclusões impiedosas e novas aquisições446.

Mas cinco anos depois, o fruto dessa directiva de inspiração clássica parecia não ter sortido o efeito desejado, como se pode ler num artigo publicado em 1957 no Diário

de Lisboa:

Faltava à sua bela iniciativa uma escola, uma classe, uma técnica, um prestígio de bailado clássico. (…) O Verde Gaio, a dezassete anos do seu aparecimento, continuou a ser uma sedutora aspiração do bailado português. Nos últimos anos – poderia mesmo acrescentar-se com lástima – limitou-se a aparecer nas temporadas de ópera, em intervenções que nem sempre puderam corresponder à categoria do espectáculo447.

Em 1960 a direcção do Verde Gaio foi entregue a Margarida de Abreu (1915- 2006)448 e Fernando Lima (1928-2005)449, que se manteriam à frente da companhia até

1978. Prejudicado por uma certa indefinição e orientação, o grupo foi perdendo o seu vigor e esmorecendo as suas apresentações.

De igual modo, o equívoco de rotulá-lo de “Ballets Russes à portuguesa” manter- se-ia ao longo do tempo. O facto de os russos terem construído um projecto moderno que assentava numa tradição folclórica genuína, era sustentado por uma tradição balética clássica, vinda da escola dos Teatros Imperiais, que em nada se assemelhava à situação portuguesa. Isto porque o Verde Gaio foi construído a partir de um folclore (re)inventado sem o suporte de qualquer espécie de escola para além das sinergias desenvolvidas com

446 Rui Medina, A Semana de 22.3.1952, p. 2 e 6 447 Diário de Lisboa de 22.2.1957, p. 8

448 Margarida de Abreu formou-se em Genebra, no Instituto Dalcroze. Prosseguiu estudos em Berlim, no

Deutsche Tanz Schule, e depois no Hellerau Laxemburg Schule, de Viena. Em Inglaterra estudou na Sadler's Wells, regressando em seguida a Portugal onde ensinou dança no Conservatório Nacional. Em 1946, criou o Círculo de Iniciação Coreográfica que fez acompanhar de um Manifesto, chamando a colaborar os compositores Artur Santos (1914-1987), Ivo Cruz (1901-1985) e Rui Coelho e os artistas plásticos Raul Lino, Almada Negreiros e, anos mais tarde, Abílio de Matos e Silva (1908-1985).

449 Fernando Lima, aluno de Margarida de Abreu. Entre 1953 e 1974, Fernando Lima dança, cria, dirige e

ensina em diversos grupos independentes que vai fundando, nos Bailados Portugueses Verde-Gaio, trabalhando ainda como bailarino e coreógrafo, em teatro e para televisão.

194

os artistas plásticos nacionais ficaram àquem do fulgor da trupe russa como se verá adiante.

Num primeiro tempo, os bailados Portugueses desenvolveram-se sob a luz dos palcos nacionais e, numa segunda fase, procuraram a internacionalização, primeiro europeia e depois mundial. Constituindo a embaixada artística possível, o Verde Gaio pisaria os palcos de Espanha (1943 e 1968), França (1949 e 1967), Suíça (1957), Bélgica (1958), Brasil (1965), Moçambique, África do Sul e Angola (1966), Japão (1970) e Alemanha (1972).

Convém debruçar-mo-nos sobre algumas das reacções e críticas mais pertinentes que foram sendo tecidas ao longo da sua existência, uma vez que o grupo foi, sem dúvida, um dos porta-bandeiras do Estado Novo que mais repercussão obteve na imprensa nacional e estrangeira.

A verdadeira primeira prova de fogo internacional do Verde Gaio foi a sua apresentação em Paris, no Théâtre des Champs-Élysées, em 1949. Os designados Les

Ballets Portugais “Verde Gaio” realizaram-se no palco parisiense, num conjunto de

espectáculos onde se misturaram coreografias de Francis Graça e de Ivo Cramér. A imprensa francesa deu largo destaque à presença do Verde Gaio nas suas diversas representações. De um modo geral, a crítica aludia à falta de técnica que era largamente compensada pelo conjunto. De entre os artigos saídos nos jornais franceses, alguns revelam-se significativos450. A secção de espectáculos do L´Aurore de 10 de Junho de

1949, assinada por Michel Aubriaut, abria com a seguinte notícia: “Graças a um ministro- mecenas o Verde Gaio maravilhou Paris com um estandarte de 400 trajes (…) António Ferro conquistou o governo para a sua causa (…) e a mágica começou (…) o Verde Gaio bebeu a sua inspiração no folclore lusitano”. Na óptica de L. Algazi, “Francis Graça explorou o folclore nacional com um engenho, uma finura e uma segurança de mão que tocam a arte perfeita (...) As próprias danças nos impressionam pela sua originalidade no que reproduzem de passos tradicionais. O seu interesse é menor sempre que se voltam para o estilo clássico”451, enquanto que na perspectiva de Robert Daniel, “O folclore

450 Entre os jornais Le Figaro, Libération, Combat, L´Aurore, France-Presse, Franc-tireur, Le Paris,

Opéra, Le Monde, Les Nouvelles Littéraires, Juvénal, L´Époque, La Croix, Carrefour, Parisien Weekly, o

Daily Mail, Une Semaine à Paris, figuram numerosos artigos sobre a presença da companhia portuguesa

em Paris. Espólio Florêncio Graça, Museu Nacional do Teatro.

195

português não possui, coreograficamente, senão um número restrito de passos (...) mas o coreógrafo do grupo sabe tirar disso o maior partido. Ele tem o mérito, de manter os seus bailarinos estritamente na tradição popular, evitando assim tudo o que poderia lembrar a dança académica e onde, fatalmente, o seu grupo teria de sofrer certas comparações”452.

Ainda na apreciação de Dinah Maggie, “o que ainda falta ao Verde Gaio é uma riqueza coreográfica equivalente à sua riqueza decorativa ou musical”453.

A imprensa nacional logo tratou de copiar os cabeçalhos franceses, fazendo eco das notícias parisienses. No Diário de Notícias de 12 de Junho de 1949, pode ler-se a partir da primeira página: “O eco vibrante do êxito clamoroso dos bailados Verde Gaio começa a reflectir-se de forma nítida não somente através do noticiário dos jornais, como nas primeiras críticas já publicadas”454. No Diário da Manhã, Emile Vuillermoz escrevia: “Passou por Paris e deixou um rasto de esperança. O Verde Gaio soube evitar as soluções fáceis do amadorismo (…) os bailarinos portugueses são donos de uma técnica séria. Essa técnica é muito pessoal e muito maleável. Não procura atingir a leveza com as “pontas” – encontra-se no jogo dos braços que levantam o corpo como asas. Foi uma autêntica revelação. Desde os Bailados Russos de Diaghilev, não víamos uma dança de arco-íris tão bem ordenada”455. Ainda neste mesmo jornal e a par deste artigo de opinião, surgia uma entrevista com Francis Graça da autoria de Manuel Moutinho, onde o bailarino português afirmava:

O êxito foi cem vezes mais retumbante do que se disse em Lisboa. Se acho que valeu a pena? Então V. pergunta-me se vale a pena levar a Paris Portugal e a sua dança, Portugal e a sua música, Portugal e a sua cenografia, quando Paris julgava que em Portugal não havia nem dança, nem música, nem cenografia, e ficou louca com o ritmo do nosso baile, a riqueza da nossa música sinfónica, o colorido da nossa cenografia, que lhe levava a alma dum povo que ele conhecia pelos telegramas das agências e por alguns literatos e políticos de circunstância? Valeu a pena por tudo (…) principalmente, pela revelação que nós, portugueses, fomos para a França, - que eu creio que nada há como o bailado, como o nosso bailado, para se conhecer um povo, sem dificuldades linguísticas, sem barreiras de qualquer espécie. A dança sente-se pelos olhos

452 Robert Daniel, France Press de 11.6.1949 453 Dinah Maggie, Combat de 15.6.1949 454 Diário de Notícias de 12.6.1949, pp. 1 e 6

196

e pelos ouvidos. Só os cegos e os surdos, e os que não conseguiram bilhete, nos não foram ver ao Champs Elysées. De resto, todo o Paris lá foi e todo o Paris gostou. E Paris continua a ser o Mundo... Portugueses que lá estavam e lá vivem, afastados da Pátria, chegavam-se até nós com as lágrimas nos olhos, custando-lhes a acreditar, emocionados, saudosos, vivendo naquela hora um bem alto momento de portuguesismo456.

O que terá reiterado o apoio do regime à companhia terá sido o facto de ter cumprido o seu papel de embaixada cultural do governo de Salazar, como atesta René Jouglet num artigo publicado no Les Nouvelles Littéraires:

Não é só uma dança; é uma fé. Encontramo-nos em presença de uma arte nacional autêntica (...) e é esse o seu mérito. Tenho a nítida sensação de que o grupo exprime a alma duma terra457.

Se em 1943 à Espanha o Verde Gaio agradara pelo seu carácter popular- nacionalista como dera conta a imprensa à altura458, à França atraíra o seu pendor

folclórico e despretensioso. Não havia dúvida que o grupo despertada a simpatia nos franceses, como escreveu Suzanne Chantal, mulher de José Augusto, o director da Casa de Portugal em Paris:

A actuação em Paris elevara o Verde Gaio à categoria de símbolo de Portugal (...). Talvez António Ferro nunca tivesse ambicionado tanto459.

Foi possivelmente este sucesso inesperado que fez com que o próprio chefe do Governo, Salazar, escrevesse pela primeira vez acerca do Verde Gaio. A carta, reproduzida na íntegra nos Anexos desta investigação, foi enviada ao embaixador em Paris, Marcello Mathias (1903-1999), a 13 de Junho de 1949, apresentando-se com carácter de excepção, uma vez que o ditador português sempre se distanciara de pormenores desta natureza.

456 Entrevista a Francis Graça, Diário da Manhã de 20.7. 1949, pp. 1 e 2 457 René Jouglet, Les Nouvelles Littéraires de 16.6.1949

458 No que se refere às exibições espanholas em 1943, em Barcelona e Madrid a crítica parece gostado do

grupo português, destacando-se frases como: “O Verde Gaio foi uma lição para nós” (Javier Montsalvatage,

Destino, Barcelona); “O grupo português impôs-se pelo seu brilhantismo e pelo seu bom gosto, pela riqueza e elegância” (Jorke de la Cueva, Ya, Madrid); “Estas danças constituem um curso completo de etnicismo e história” (Eugénio Montes, Arriba, Madrid).

197

No documento escrito por Salazar, o ditador solicitava a Mathias que lhe desse