• Nenhum resultado encontrado

3 ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS E REGULAÇÃO

3.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CONCEPÇÕES DE ESTADO MAIS

3.1.1 Das abordagens clássicas às abordagens contemporâneas

Sabemos que a definição de Estado varia de acordo com a perspectiva adotada, o período histórico e, principalmente, a posição ideológica de quem o define. Na tentativa de adotarmos uma compreensão compatível com os pressupostos teóricos deste trabalho, abordaremos alguns aspectos das concepções clássicas de Estado e em seguida apresentaremos alguns elementos condizentes com as abordagens contemporâneas.

O Estado, na concepção liberal, possui uma dimensão de maior neutralidade na organização da vida social, exercendo o papel de aglutinador dos diferentes interesses que fluem na sociedade, garantindo condições para o Estado de Direito. No enfoque do

9 Organização política na qual o soberano concentrava todos os poderes do Estado em suas mãos. 10

Em sentido Gramsciano, em que o Estado não é um puro instrumento de força a serviço da classe dominante, como o definiam versões mecanicistas do próprio marxismo, mas, exatamente, força revestida de consenso. O Estado ampliado, assim, cabe na fórmula: sociedade política + sociedade civil.

liberalismo clássico11 e do neoliberalismo12, portanto, o Estado ―[...] exerce um papel de guardião dos interesses públicos. Sua função é tão-somente responder pelo provimento de alguns bens essenciais‖ (AZEVEDO, 2004, p. 9), como, por exemplo, a defesa do território, a aplicação das leis e serviços sociais básicos como saúde e educação.

Para Marx, a existência do Estado está relacionada às contradições das classes sociais presentes na sociedade. Em vez do Estado imanente e superior, acima dos homens, aquele se apresenta como instrumento da classe dominante. Desta forma, a origem do Estado reside na divisão da sociedade em classes, sendo sua principal função conservar e reproduzir essa divisão, garantindo os interesses da classe que domina outra classe.

De fato, na concepção marxista, o Estado, longe de ser instância neutra e imparcial a serviço de todas as classes sociais, apresenta-se como organização que serve a classe dominante da sociedade, detentora do capital.

Por seu turno, a influência de Max Weber no campo dos estudos sobre a política é notória. Partindo de constatações no contexto da sociedade capitalista, típica dos países ocidentais, esse autor, apresenta uma abordagem mais detalhada sobre o Estado, por este motivo, trataremos com maior ênfase o seu pensamento.

Para Weber, o conceito de Estado está ligado à ideia de poder: ―[...] o Estado, como todas as associações políticas que o precederam historicamente, é uma relação de domínio de homens sobre homens, suportada por meio de violência legítima‖. (WEBER, 1973, p. 50)

Weber denomina esse Estado de Estado moderno ocidental ou Estado Racional e o difere de outras formas estatais como as de base patriarcal e patrimonial. Ainda, caracteriza-o como uma associação política. O conteúdo específico de sua ação se dá através do uso da violência e da coação física legítima. Assim, existe uma forte relação entre o Estado e a violência, pois é a ação pautada no uso da força que fundamenta o domínio sobre o grupo de indivíduos pertencentes ao território.

No exercício do seu domínio, o Estado racional conta com o reconhecimento da legitimidade da autoridade daqueles que se dizem detentores do poder em determinado território. Com efeito, se as pessoas não reconhecessem tal coação ou violência como

11

Nesta perspectiva, o Estado tem poderes e funções limitadas e, como tal, contrapõe-se tanto ao Estado absoluto quanto ao Estado que hoje chamamos de social. É a doutrina que admite que o Estado é sempre um mal, porém, necessário, devendo, assim, ser conservado embora dentro de limites os mais restritos possíveis.

12 A principal força balizadora do ideário neoliberal é a de que o setor público é o responsável pela crise, pela

ineficiência do Estado e que o mercado e o privado são sinônimos de eficiência, qualidade e equidade. Desta ideia advém a tese do Estado Mínimo, suficiente e necessário unicamente para os interesses da reprodução do capital.

legítima, não existiria o Estado, mas sim, outra forma de organização, denominada anarquia13. (WEBER, 1973)

Outra característica preponderante, no Estado racional, diz respeito ao domínio do caráter racional legal, sustentado na validade dos regulamentos estabelecidos racionalmente e na legitimidade dos chefes de Estado designados nos termos da lei. As autoridades estatais legitimadas pelo domínio racional legal devem obedecer e orientar suas ações pelas regras que foram racionalmente e legalmente instituídas. Do mesmo modo, os cidadãos devem se submeter ao Estado nos termos de tais regras legais.

A burocracia se constitui na forma mais expressiva do domínio racional legal ao ser considerada por Weber (1994) como um meio pelo qual se apresentam as regras legais e age o Estado racional moderno. Portanto, a burocracia pode ser entendida como a via mais propícia para o exercício de dominação do Estado, já que

[...] alcança tecnicamente o máximo de rendimento em virtude de precisão, continuidade, disciplina, rigor e confiabilidade – isto é, calculabilidade tanto para o senhor quanto para os demais interessados –, intensidade e extensibilidade dos serviços e aplicabilidade, formalmente universal a todas as espécies de tarefa (WEBER, 1994, p. 145)

A burocracia é uma forma de organização que se baseia na racionalidade, ou seja, na adequação dos meios aos fins pretendidos, visando a garantir a máxima eficiência no alcance dos objetivos. É modelo de organização racional capaz de caracterizar todas as variáveis envolvidas, bem como o comportamento dos membros dela participantes. É aplicável a todas as formas de organização humana e contempla uma divisão sistemática do trabalho, do direito e do poder, estabelecendo as atribuições dos indivíduos e as regras que devem seguir.

Destarte, o Estado racional, que nasce do capitalismo, tem como motor do seu desenvolvimento a burocracia que tudo prevê, controla e calcula, com o objetivo de atingir seus objetivos de eficiência.

Apesar da importância da abordagem pautada nas concepções clássicas sobre o Estado, apresentada anteriormente, faz-se relevante, apropriar-nos de alguns elementos trazidos por autores que se debruçam sobre a função do Estado nas modernas sociedades. Nesse sentido, um dos fatores considerados fundamentais neste momento perpassa pela discussão sobre a configuração do Estado capitalista contemporâneo.

13 O Movimento Anarquista surge no século XIX, propondo uma organização da sociedade onde não haja

Claus Offe14 (1984), autor de inclinação ideológica marxista, toma com referência uma interpretação diversa daquela defendida pelo marxismo tradicional, para quem existe uma relação instrumental entre a classe capitalista e o aparelho estatal, sendo este último apenas um instrumento dos interesses específicos das classes dominantes.

Para Claus Offe (1984), o Estado capitalista defende interesses comuns de todos os membros de uma sociedade capitalista de classes. Por esta razão, a intervenção do Estado está direcionada, sobretudo, à proteção de determinadas instituições e relações sociais. Isso vai orientar a única estratégia geral de ação do Estado, a qual consiste na criação das condições para que cada indivíduo seja incluído nas relações de troca. Tal concepção defende que o Estado

[...] não está a serviço nem é instrumento de uma classe contra a outra. Sua estrutura e atividade consistem na imposição e na garantia duradoura de regras que institucionalizam as relações de classe específicas de uma sociedade capitalista. O Estado não defende os interesses particulares de uma classe, mas sim os interesses comuns de todos os membros de uma sociedade capitalistas de classe. (OFFE, 1984, p. 123)

Dessa forma, o Estado se desenvolve, nas sociedades capitalistas, como resposta a crises periódicas que surgem nas relações capitalistas. A intervenção do Estado nas sociedades capitalistas cumpriria uma dupla função: comandar o processo global de acumulação de capital e legitimar esse processo aos olhos dos membros da sociedade através da extensão de direitos universais. O Estado, então, é visto como um mediador de crises capitalistas, ou melhor, um administrador de crises.

Nesta linha discursiva, incontestável é a doutrina de Antonio Gramsci. Para esse cientista político italiano, o Estado caracteriza-se como força e consenso. Mesmo estando a serviço de uma classe dominante, ele não se mantém apenas pela força e pela coerção legal, sua dominação é bem mais sutil. A partir de meios e sistemas, principalmente através de entidades que aparentemente estão fora da estrutura estatal coercitiva, o Estado se mantém e se reproduz como instrumento de uma classe, construindo o consenso no seio da sociedade.

14

Autores de orientação marxista se dividem em quatro grandes grupos quando estudam o Estado capitalista: Instrumentalismo (Lenin, G. William Domhoff, Ralph Miliband e Paul Sweezy); Estruturalismo (Nicos Poulantzas, Louis Althuser e Antonio Gramsci); Criticalismo (Escola de Frankfurt, Herbert Marcuse e Jürgen Habermas) e Estatismo (Claus Offe, Erik Olin Wright e James O‘Connor). Referindo-se ao Estatismo, em que se situa o pensamento de Claus Offe, o Estado tem relativa autonomia em relação à burguesia. Entretanto, apesar de não ser um mero instrumento da burguesia, este continua tendo suas ações limitadas pela luta de classes. (ALMEIDA, 2000)

Nesta perspectiva, o Estado é um elemento de superestrutura da sociedade, uma vez que neste plano estão situadas as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas da organização social. Segundo Gramsci (1982), há no âmbito da superestrutura dois grandes planos superestruturais precisamente organizativos e conectivos: ―o da sociedade civil (isto é, o conjunto de organismos comumente chamados de privados) e o da sociedade política ou Estado, que corresponde à função de hegemonia15 que o grupo dominante exerce em toda a sociedade‖. (GRAMSCI, 1982, p. 10-11)

Outros representativos autores do estudo da função do Estado nas modernas sociedades são Almerindo Afonso (2001) e O‘Donnell (1999).

Para Almerindo Afonso (2001), o Estado pode ser entendido como a organização política que, a partir de um determinado momento histórico, conquista, afirma e mantém a soberania sobre um determinado território, aí exercendo, entre outras, as funções de regulação, coerção e controle social – funções essas também mutáveis e com configurações específicas, e tornando-se, já na transição para a modernidade, gradualmente indispensáveis ao funcionamento, expansão e consolidação do sistema econômico capitalista.

O‘Donnell (1999), partindo do pensamento de Weber, mas não se circunscrevendo apenas a ele, destaca que o Estado incorpora o monopólio da coerção física como um dos pressupostos que permeiam o processo de controle do território e dos habitantes que esse conjunto delimita.

Tal perspectiva de Estado se manifesta em tempos atuais, segundo O‘Donnell (1999), através de democracias políticas ou poliarquias, entendida como síntese complexa entre três correntes ou tradições históricas: democracia16, liberalismo17 e republicanismo18. Essas três linhas se combinam de modo complexo e mutante ao longo da história das poliarquias formalmente institucionalizadas

Ademais, a poliarquia satisfaz as condições de uma democracia estipuladas por Robert Dahl, dentre estas, autoridades eleitas, eleições livres e justas, o direito de se candidatar aos

15 Em Gramsci, hegemonia é um modo de obter o consenso ativo dos governados para uma proposta abrangente

formulada pelos governantes.

16 Democracia vem da palavra grega ―demos‖, que significa povo. Entende-se uma das várias formas de governo

em que o poder está concentrado nas mãos do povo, e não de poucos. Democracia e liberalismo possuem diferentes lógicas de formação, apesar de ambos estarem presentes na atual formação do Estado democrático atual. (BOBBIO, 2000)

17 Por ―liberalismo‖ se entende uma concepção de Estado em que este tem seus poderes e funções limitados,

contrariando as ideias de Estado absoluto e de Estado social e fundamentando o Estado de Direito e o Estado mínimo. (BOBBIO, 2000)

18

Em latim ―res publica”, que significa "coisa pública". É a ideologia segundo a qual uma naçãoé governada como uma res publica, na qual o chefe de Estado é indicado por métodos não-hereditários, frequentemente através de eleições. O termo "república" remonta a antiguidade grega, contudo, a moderna ideologia republicana tomou formas ligeiramente diferentes em vários países.

cargos eletivos, liberdade de expressão, informação alternativa e liberdade de associação. Contudo, satisfazer essas condições não é uma garantia já que muitos países continuam sob mandatos autoritários. (O‘DONNELL, 1999)

Parece óbvio que o conceito de Estado sofreu muitas variações no tempo e no espaço. Mesmo sem aprofundar os princípios básicos da ―poliarquia‖, podemos inferir que esta – enquanto combinação complexa e às vezes exasperante entre três correntes: democracia, liberalismo e republicanismo – se traduz numa condensação de vários processos históricos que se inserem no contexto do Estado capitalista.

Notamos que as concepções de Estado até então apresentadas não se pautam nas políticas estatais, mas centram-se, em sua maioria, na relação de poder exercida pelo Estado dentro de um determinado território. Assim, mais do que definir Estado e suas funções, pretende-se explorar significativamente as diferentes concepções de Estado Capitalista e como este pensa e concebe suas políticas sociais, mormente a política educacional.