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4 FEDERALISMO, (DES)CENTRALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO

4.2 FEDERALISMO E (DES)CENTRALIZAÇÃO

No Brasil, a descentralização foi assumindo contornos federalistas. Predominou uma concepção que identificou o federalismo com maior descentralização. Contudo, essa concepção deve ser relativizada, ―[...] na medida em que, como derivada da noção de contrato social, a idéia de federação pode estar associada a uma lógica de perfil centralizador e até mesmo antidemocrático‖. (ARAÚJO, G., 2006, p. 5)

Complementando esta perspectiva, Fabrício de Oliveira (2007) defende que o fato do poder político e econômico encontrar-se centralizado no Estado unitário não faz deste

(federalismo) um regime antidemocrático ou autoritário, assim como a sua descentralização nas federações não representa nenhuma garantia de democracia. O referido autor parte do princípio de que ―... o regime político nestes [...] Estados pode ser democrático ou autoritário – ou totalitário, se considerarmos este uma terceira forma de regime político e não uma variação do autoritarismo‖ (SOARES, 1997, p. 38 apud OLIVEIRA, F., 2007, p. 4-5). Portanto, tanto o Estado unitário, como o federativo pode ter um ou outro regime político, não se podendo associá-los diretamente com democracia ou autoritarismo/totalitarismo.

Além disso, o argumento comumente utilizado nos estudos sobre o federalismo brasileiro referente à alternância de períodos de centralização e de descentralização na história do país, identificando habitualmente a centralização com o autoritarismo e a descentralização com avanços democráticos, parece-nos simplista e propício a equívocos.

Se há um movimento pendular, não há simetria neste movimento. Kugelmas e Sola (1999, p. 64), ao se referirem a períodos identificados como democráticos e períodos considerados autoritários, destacam que

[...] nem o Estado Novo chega a destruir a estrutura federativa, nem a Constituição de 1946 abala o reforço do governo central e sua ampliação de atribuições. [...] o regime autoritário controlou ferreamente os níveis subnacionais de poder, principalmente através das eleições indiretas para os governos estaduais e da centralização fiscal. Por outro lado, não excluiu as elites políticas regionais do pacto de dominação e manteve em boa medida as atribuições administrativas das esferas subnacionais.

A útil, mas insuficiente, ideia de alternância de momentos de centralização e de descentralização na história do federalismo brasileiro pode induzir a crença de uma anulação completa dos mecanismos institucionais anteriores, quando o que, de fato, ocorre é uma modificação do padrão de relacionamento entre as esferas, através de uma dinâmica de aperto/afrouxamento de controles políticos e fiscais.

Outra abordagem necessária, neste momento, diz respeito à distinção entre os conceitos de descentralização e desconcentração, tão presentes nos estudos sobre federalismo. Apesar de estarem relacionados com a forma de distribuição do poder nos Estados modernos, existem diferenças fundamentais entre eles. Enquanto a descentralização implica transferência de competências e de poder, a desconcentração se limita à distribuição de tarefas, através da fragmentação e segmentação de políticas públicas, com vistas a um maior controle político e social pelo poder central. Isto quer dizer que a descentralização resulta de um embate de forças por mais espaço de poder, na direção de um pacto que, explícita ou implicitamente,

estabeleça as relações e competências dos entes federados envolvidos. (EGLER; MATTOS, 2003)

Nas palavras do jurista Celso Antonio Bandeira de Mello (2004, p. 140-141):

O fenômeno da distribuição interna de plexos de competências decisórias, agrupadas em unidades individualizadas, denomina-se desconcentração. [...] Desconcentração e descentralização são conceitos claramente distintos. A descentralização pressupõe pessoas jurídicas diversas: aquela que originariamente tem ou teria a titulação sobre certas atividades e aqueloutra ou aqueloutras às quais foi atribuído o desempenho das atividades em causa. A desconcentração está sempre referida a uma só pessoa, pois cogita-se da distribuição de competências na intimidade dela, mantendo-se, pois, o liame unificador da hierarquia. Pela descentralização rompe-se uma unidade personalizada e não há vínculo hierárquico entre a Administração Central e a pessoa estatal descentralizada. Assim, a segunda não é ―subordinada‖ à primeira. O que passa a existir, na relação entre ambas, é um poder chamado controle.

A palavra controle vai aqui usada em sentido estrito, em oposição à hierarquia, e designa o poder que a Administração Central tem de influir sobre a pessoa descentralizada. Assim, enquanto os poderes do hierarca são presumidos, os do controlador só existem quando previstos em lei e se manifestam apenas em relação aos atos nela indicados.

De todo o modo, quer por motivações ideológicas, como a identificação das relações entre democratização e descentralização, quer por intenção de redução de encargos pelo governo federal, coloca-se em dúvida a automaticidade dos benefícios da descentralização. Como descentralizar quando faltarem a Estados ou a Municípios as condições administrativas, financeiras e institucionais para implementar programas com êxito? O entendimento sobre as relações entre descentralização e sistema federativo perpassa pelo entendimento de que ―[...] se toda organização federativa supõe alguma forma de descentralização, a recíproca não é verdadeira, ou seja, regimes político-institucionais de tipo unitário podem conviver com fortes doses de descentralização administrativa‖. (KUGELMAS; SOLA, 1999, p. 75)

Portanto, em se tratando da descentralização no contexto do sistema federativo, a experiência recente no Brasil nos mostra um cenário multifacetado, onde convivem experiências bem sucedidas e tentativas frustradas, avanços e retrocessos. Tal situação nos remete aos estudos de Barroso (2005), sobre a regulação das políticas públicas, especialmente o efeito mosaico, em que, raramente, as políticas atingem a globalidade e na maior parte das vezes resultam em tímidas medidas avulsas. Ao que nos parece, o florescimento das esperadas vantagens da descentralização não dependem unicamente de um real ou suposto figurino institucional, mas de um contexto social e cultural mais amplo. Ressaltar estes aspectos é de

peculiar relevância para uma análise da rica e complexa conjuntura recente do federalismo brasileiro, em que convergem aspectos centralizadores e descentralizadores.

4.3 CONCEITO E MODELOS DE RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS NO