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5 REFORMAS E MODELOS ORGANIZACIONAIS: DA

5.2 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A BUROCRACIA

5.3.3 A reforma do Estado e seus efeitos nas relações entre entes federados

As mudanças institucionais são influenciadas não somente por condições estruturais, mas também por processos que envolvem ações passadas e arranjos existentes que podem propiciar o surgimento de novos padrões decisórios e institucionais. Neste sentido, opta-se pela aproximação destas abordagens tendo a finalidade de obter ganhos analíticos a partir de visões complementares.

As mudanças na forma de conceber o Estado provocaram modificação nas relações intergovernamentais. Mediante a substituição gradual de um modelo intervencionista de Estado por funções de caráter orientador e regulatório, reduziram-se gradativamente os mecanismos de proteção aos Estados e Municípios criando-se um vácuo e um novo espaço de atuação para as instâncias subnacionais de governo. Partindo dessa realidade, Kugelmas e Sola (1999, p. 71) ao refletirem sobre as relações entre a União e os Municípios enfatizam que

A ênfase político-ideológica nas virtudes da descentralização e a maior autonomia constitucional dos municípios como entes federados, presentes no início de sua tramitação, defrontaram-se, na segunda metade da década de 1990, com uma série de medidas marcadas pelo reenquadramento dos governos locais pelo poder central.

Durante esse período, as ações da União evidenciaram que os governos locais não conseguiram resistir ao crescente processo de transferência de funções de gestão, na medida em que as políticas eram definidas em âmbito central, com repasse das responsabilidades pela execução para os outros níveis. Essa mudança provocou uma alteração significativa na distribuição das competências entre os entes federados, no que se refere ao processo de implementação de políticas, que envolveu a transferência, para os Municípios, da responsabilidade de oferta de vários serviços, dentre esses, os serviços sociais, como os de educação e de saúde, e a diminuição dos investimentos federais em políticas sociais.

Segundo Reinaldo Tenório (2004), encerrada as discussões sobre a reforma tributária e promulgada a Constituição de 1988, a União procurou compensar suas perdas de receitas para as esferas subnacionais, reduzindo os gastos, por meio da diminuição de transferências não constitucionais para Estados e Municípios, estabelecendo restrições creditícias para esferas subnacionais, desonerando-se de alguns encargos financeiros, criando tributos e elevando alíquotas de impostos não sujeitos à partilha com as demais esferas subnacionais.

No âmbito educacional, o movimento correspondente às reformas descentralizadoras executadas na saúde, habitação e saneamento básico foi a municipalização acentuada do ensino fundamental, induzida principalmente pela instituição da política de fundos na educação51, ou mais especificamente pelos recursos adicionais possíveis para ampliação do atendimento. Segundo Arretche (2002), essa descentralização caracterizou-se como um processo induzido, de transferência de responsabilidades e de atribuições para o poder local, sem a contrapartida necessária para a qualificação de tais políticas e ações.

O discurso em favor da descentralização no campo da educação brasileira torna-se acentuado a partir dos anos 1990, sustentado pela eficácia, eficiência e competitividade, típicos do modelo de racionalidade econômica. Este fato teria indicado a necessidade de rever a ação do Estado, conduzindo a transferência de parte dos mecanismos de atuação para as instâncias regionais, locais ou para a sociedade civil, por via de parcerias consoantes com as relações de quase-mercado. Ao analisar este processo, Nardi (2005, p. 58) destaca que

[...] se o discurso descentralizador, construído alternativamente ao período histórico brasileiro em que se constituíram propostas aos efeitos da ditadura militar, se postara como um referencial para um modelo de descentralização em educação então defendido, o que se observa nos anos 90 é uma espécie

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A política de fundos na educação básica brasileira teve início com o Fundef, instituído pela Emenda Constitucional n.º 14, de setembro de 1996, vigorando de 1997 a 2006 e deu continuidade com o Fundeb, instituído pela Emenda Constitucional nº 53, de dezembro de 2006, com prazo de vigência de 14 anos.

de renovação daquelas propostas, uma ressignificação, de sorte que, por via da descentralização, seriam preservadas formas de controle pelo Estado.

Esse período foi marcado por acentuada orientação dos organismos internacionais, especialmente aquelas formuladas pela Unesco e o Banco Mundial às políticas brasileiras, intervindo no planejamento do sistema educacional e nas políticas sociais como um todo.

A nova forma de administração apresentada tinha como pressuposto colocar em evidência uma estrutura burocrática de não racionalidade de custos em que os sistemas educacionais brasileiros se apoiavam. Para Rabelo e Segundo (2007, p. 4), a concepção de educação contida no ―receituário‖ desses organismos internacionais é entendida

[...] como um mecanismo de redução da pobreza, mas principalmente, como fator fundamental para a formação de capital humano necessário aos requisitos do novo padrão de acumulação do capital. É por esta razão, que assistimos à implementação de reformas educacionais, na maioria dos países periféricos.

Essas reformas educacionais caracterizam-se pela promoção da adequação desses países aos novos parâmetros internacionais do trabalho, que ao mesmo tempo tem como base o atendimento às exigências dos organismos internacionais que adotam como uma das estratégias a reforma gerencial do sistema educacional, já que em seus diagnósticos os países em desenvolvimento são altamente incompetentes na Administração Pública dos seus recursos.

Frente a esses novos requisitos, os governos locais são induzidos a assumir novos papéis e funções, dentre estas, a liderança desse processo de transformação e o desempenho de função articuladora entre as administrações públicas das diferentes instâncias de governo, a iniciativa privada e os demais integrantes da sociedade civil. A resposta a essas demandas implica a ampliar seus respectivos campos de atuação em muitos setores estratégicos como: concepção e implementação de projetos urbanísticos, de moradia e de meio ambiente, infra- estrutura de serviços urbanos, transportes, segurança pública e principalmente, políticas sociais.

Diante desse quadro, Barreto e Vigevani (2004, p. 3) apontam que o grande desafio da Administração Pública municipal consiste

[...] não apenas em promover mudanças capazes de conseguir competitividade e inserção nos espaços econômicos globais, mas também – e, sobretudo nos países em desenvolvimento, como é o caso latino- americano – em assegurar as condições mínimas de bem-estar social para que a convivência democrática possa se consolidar.

Podemos assinalar os reflexos para os Municípios dessas medidas tomadas em nível da política nacional, com o fim de transferir para esta instância governamental a responsabilidade da prestação de vários serviços à população a partir do princípio da descentralização, visto que esse processo vem se constituindo, quase que exclusivamente, ―[...] enquanto fruto das iniciativas do governo federal, visando a adequar o Estado aos novos modelos de racionalidade [...] e não para o atendimento às reivindicações da sociedade civil‖. (ARELARO, 1999, p. 65)

O que se observa é que o Estado vem passando por inúmeras transformações no contexto contemporâneo, e a esfera municipal, principalmente, tem sido alvo de atenção e responsabilidade, valorização e expectativas que lhe são atribuídas num forçado redesenho do Estado em resposta a uma situação de crise. Nesse cenário, a tentativa de implantar o gerencialismo na Administração Pública assumiu posição de destaque. No Plano Diretor, esse modelo apresenta características distintas, o que torna relevante a sua explicitação nos termos da proposta:

O paradigma gerencial contemporâneo, fundamentado nos princípios da confiança e da descentralização da decisão, exige formas flexíveis de gestão, horizontalização de estruturas, descentralização de funções, incentivos à criatividade. Contrapõe-se à ideologia do formalismo e do rigor técnico da burocracia tradicional. À avaliação sistemática, à recompensa pelo desempenho, e à capacitação permanente, que já eram características da boa administração burocrática, acrescentam-se os princípios da orientação para o cidadão-cliente, do controle por resultados, e da competição administrativa. (BRASIL, 1995, p. 8)

Nas palavras de Clarke e Newman (2012, p. 360), os métodos de administração burocrática eram desafiados pela promessa de uma abordagem mais dinâmica e empresarial para gerir as organizações. Desta forma, a utilização do modelo gerencial foi movida pela crença de que este seria um mecanismo de eficiência e qualidade dos serviços públicos, por meio da otimização dos recursos. Outro aspecto desse modelo é a rigidez nos mecanismos de fiscalização e controle, que requisitou da sociedade civil uma atuação efetiva mediante a implantação de conselhos e organizações sociais, necessários em um processo de descentralização que manteve a União encarregada de controlar a proposição de políticas

públicas e promover a redistribuição dos recursos financeiros, reservando a implementação aos níveis subnacionais.

Para além das contradições identificadas nessa perspectiva, destaca-se a semelhança entre essas diretrizes adotadas no âmbito nacional e as orientações propostas internacionalmente, que, apesar de não determinar por completo as políticas locais, mantiveram grandes influências sobre seus rumos.

As discussões desenvolvidas ao longo do texto, com intuito de apreender algumas características da reforma do Estado e as mudanças advindas desse processo para as relações intergovernamentais, demonstraram que a reestruturação do Estado, centrada na eficientização de suas funções através da busca por excelência, com o constante desafio de fazê-la com os recursos disponíveis e, muitas vezes, insuficientes para atendimento da demanda, surgiu como alternativa para o complexo quadro político e econômico do Brasil.

Todavia, não se pode subestimar a dinâmica das instituições públicas e a sua marcante cultura, pois, sem embargo do empenho das agências internacionais, a reforma do Estado não foi implementada conforme previu o receituário neoliberal. Um dos entraves para essa realização deve-se à herança patrimonialista do Estado brasileiro e seu legado histórico de caráter autoritário, marcado pela intervenção dos detentores do poder, ―[...] instalados nos altos postos da Administração Pública, na economia e na sociedade‖. (GANDINI; RISCAL, 2002, p. 43) Apesar disso, nas palavras de Nader (2005, p. 2), o Plano Diretor, mesmo que não tenha sido incorporado na íntegra, favoreceu a inserção de alguns princípios como ―[...] descentralização, flexibilização e responsabilização por resultados, que continuam a ser perseguidos‖.

A eleição presidencial no Brasil, no início da década de 2000, desencadeou várias expectativas diante da mudança do grupo político que se encontrava no poder. Esperava-se ser possível reverter muitas das mudanças introduzidas pelos governos anteriores. No entanto, observou-se que os novos governos parecem não ter promovido mudanças administrativas significativas no setor público, há, em maior grau, elementos de continuidade do que de ruptura. (BOITO JÚNIOR, 2003)

O que se tornou evidente foi que, se os governos anteriores teriam logrado uma reforma mais ampla do Estado, priorizando também a reforma do aparelho estatal, caberia aos novos governos, a partir da década de 2000, deter-se nas reformas setoriais que os antecessores não conseguiram realizar, seja porque não deu tempo, seja porque não possuíam apoio político para tanto. A razão deste cenário de continuidades, segundo Fernham et al (1999 apud MENDES, 2000, p. 68) é que ―[...] todos os governos são pressionados pelo

sistema capitalista internacional e pelas forças da globalização e transformação tecnológica sobre as quais eles não tem controle‖.

Faz-se necessário deixar claro que o objeto deste estudo situa-se no contexto das modificações processadas no sistema capitalista a partir da década de 70, quando vem à tona a crise estrutural do capital. Assim, investigando as implicações dessa crise é que procuramos caracterizar a reforma do Estado e seus efeitos na Administração Pública e em especial na política de educação básica brasileira instituída pelo Plano de Desenvolvimento da Educação, focalizando as bases que dão sustentação às relações intergovernamentais no federalismo brasileiro, no contexto da nova gestão pública, com ênfase na educação municipal.

Clarke e Newman (2012) ao focarem seus estudos sobre os contornos do Estado gerencial, com atenção à ideologia do gerencialismo, afirmam que esta traz implicações sobre a educação, particularmente a escolarização. Reformas dos sistemas educacionais na Inglaterra, nos últimos anos da década de 1980 imbuídas nesta lógica, dão conta de que, quando as escolas foram liberadas do controle do governo nacional e local, precisaram competir – por financiamento, por alunos e por boa reputação. A ideia de que determinada Escola é uma ―boa escola‖, define, em si, vantagem competitiva. Este fato permitiu novas dinâmicas e estratégias por parte da organização escolar, dentre as quais se destaca a seletividade enquanto uma lógica organizacional que procura manter os alunos mais capazes para que consigam ter um bom desempenho nas tabelas classificatórias de sucesso em exames e, assim, atrair pais clientes de boa qualidade.

Os autores afirmam que o Estado não abandonou completamente seu papel de governo neste setor; ele estabeleceu as regras do jogo. Contudo, torna-se evidente a adoção de uma racionalidade capitalista no sistema de educação e um consequente distanciamento da ideia de escolarização como um meio de formação integral do educando, levando em conta todas as dimensões da formação humana e também como meio de reparar padrões estruturais de injustiça social. Neste cenário, percebe-se um clima em que as crianças são encaradas como mercadoria que era valorizada de forma diferenciada.

O que se torna comum é que o ciclo de reformas empreendidas no setor público em países, especialmente, no Brasil, fez emergir um novo modo de regulação das políticas sociais amparado na descentralização da execução e na centralização da formulação e do controle sobre os resultados. Para tanto, no contexto de descentralização dos serviços públicos, a melhoria do desempenho via introdução da lógica de resultados tornou-se fundamental para o aperfeiçoamento da gestão governamental, do aumento da eficiência e do controle social, conforme essa lógica capitalista.

As estratégias da nova gestão pública inauguram através do empoderamento, da responsabilização e da descentralização, um (neo) taylorismo (ABRÚCIO, 1997), a partir do momento em que distribui tarefas e delega poder de decisão em níveis inferiores da escala organizacional. Seguindo esta tendência de mudanças, intentamos, a seguir, analisar a política da educação básica brasileira, através de documentos que fazem parte do PDE como propósito de contemplar: uma discussão sobre a dinâmica das relações intergovernamentais e uma abordagem sobre as características do modelo de gestão adotado nesta política e suas repercussões na gestão da educação municipal.