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2 A PESQUISA SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS:

2.2 A ANÁLISE DE POLÍTICAS: CONTRIBUIÇÃO DE

2.2.2 O debate no campo da educação sob o enfoque regulacionista

A abordagem sobre regulação, como segunda perspectiva que contribuiu com este trabalho, mostra-se relevante pela pertinência com que vem sendo utilizada nas últimas décadas, em análises sobre a política educacional brasileira. Autores, dentre estes, Barroso (2004, 2005), Dalila Oliveira (2005) e Janete Azevedo e Alfredo Gomes (2009), têm proposto um referencial analítico valioso para a compreensão do papel do Estado e, por conseguinte, dos demais atores e instituições no processo de reajustamento dos sistemas educacionais.

Buscando esclarecer os usos do conceito de Regulação, apresentaremos a seguir a sua origem, suas características e finalidades, além de uma discussão sobre a incorporação e interpretação que lhe tem sido dada na análise da política educacional.

Os estudos sobre regulação no contexto das políticas públicas têm origem na Escola Francesa de Regulação. O seu marco fundador ocorreu com a defesa e a publicação da tese de doutorado de Michel Aglietta, em 1974, sobre o processo de acumulação e regulação capitalista nos Estados Unidos entre os anos de 1870 e 1970. Além de Aglietta, autores como Robert Boyer e Alain Lipietz podem ser considerados autores representativos da abordagem regulacionista. (BOCCHI, 2000)

Destaca-se ainda, que a geração dos regulacionistas foi influenciada por acontecimentos de grande importância no ambiente intelectual francês em 1968, tais como, protestos organizados pelos variados grupos, nos quais estavam presentes desde feministas, estudantes e operários a imigrantes e ecologistas.

O objetivo destes autores era o desenvolvimento de um referencial teórico de análise da economia capitalista, procurando compreender a crise econômica que se atravessava em meados da década de 1970 com o forte questionamento do consenso keynesiano. Esta crise representava o fim de um período de cerca de 30 anos gloriosos de crescimento econômico desdobrado após a II Guerra Mundial, tanto nos Estados Unidos como em muitos países da Europa Ocidental, conhecido como os anos dourados do capitalismo5. Assim, a Escola da Regulação afirma-se neste momento histórico, construindo uma análise do processo de acumulação capitalista, de suas regularidades e de suas crises.

5 O capitalismo pode ser entendido como um sistema de relações político-econômicas cujo principal objetivo é a

acumulação do capital, sendo esse o principal agente no processo contínuo de reprodução da riqueza. Esse sistema não é estático, apresenta modificações estruturais que vão constituir as suas diversas fases de desenvolvimento. Modificações nas interações dos diversos grupos sociais, transformações organizacionais e tecnológicas estabelecem essas diversas etapas da evolução do sistema.

Quanto às bases de origem do modelo keynesiano, a estratégia utilizada para procurar destravar o movimento da acumulação6, diante da crise dos anos de 1930, foi a adoção de uma política econômica de inspiração keynesiana, assim como de novas formas de organização da produção e do trabalho, o que ficou conhecido como o modelo fordista-keynesiano. Na perspectiva keynesiana, o crescimento da demanda, graças à garantia de pleno emprego, intrinsecamente articulada ao aumento da capacidade produtiva da economia, envolveria um conjunto de ações que deveriam requerer forte atuação do Estado como meio de planejamento equilibrado da produção e do consumo e, portanto, de controle das crises cíclicas de superprodução.

Nesse cenário, o Estado está a serviço de um determinado modelo de desenvolvimento econômico-social, tornando-se ele próprio produtor de bens e serviços destinados ao capital e à reprodução da força de trabalho. Para Rosanvallon (1992 apud AZEVEDO; GOMES, 2009, p. 98) o papel do Estado, nesse contexto, aprofundou exponencialmente sua intervenção na economia e nas demais esferas da vida civil, levando à ampliação dos quadros burocráticos, bem como dos aparelhos e ramos do Estado, possibilitando o crescimento das economias capitalistas durante um determinado período.

Enquanto que, nos países considerados de capitalismo avançado, surge o que ficou conhecido como o Estado de Bem-Estar Social, quando se ampliam as condições de exercício dos direitos da cidadania, no contraditório movimento de busca de reprodução do capital e do trabalho, nos países periféricos foram adotados modelos semelhantes com nuances reconfiguradas a partir de suas especificidades históricas e dos graus de subordinação aos ditames dos países centrais, o que quase sempre, resultou em tímidas conquistas para os trabalhadores nessas regiões. (AZEVEDO; GOMES, 2009)

Na década de 1970 a queda da taxa de lucro e a saturação do modelo de produção fordista constituíram um quadro de tensão no sistema de metabolismo social do capital ocasionando a crise do Estado de Bem-Estar Social. O fim do crescimento econômico trouxe consigo, além dos problemas decorrentes das crises capitalistas – como o aumento do desemprego e a inflação – uma crise da própria política econômica. O reaparecimento do caráter cíclico do capital colocou em questão as orientações keynesianas para a economia. (MENDONÇA, 1994)

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O movimento de acumulação é favorecido a partir do equilíbrio entre o padrão de organização da atividade produtiva e o padrão de consumo, o que, grosso modo, evitaria crises de superprodução ou circunstâncias de elevado nível de inflação.

Para compreender a crise capitalista que emergia nesse período, os representantes desta escola, ao mesmo tempo em que buscavam no marxismo uma explicação do lugar da crise no processo de desenvolvimento histórico do capitalismo, rompem com esta corrente, ao considerá-la reducionista na análise dos fenômenos das economias contemporâneas. (MENDONÇA, 1994) Assim, conforme Azevedo e Gomes (2009, p. 100) as preocupações da abordagem regulacionista vão se voltar para

[...] a busca da compreensão de como se instauram as crises e suas formas de superação. Isto significa dizer que o foco de investigação recai, ao mesmo tempo, no modo como se processa a acumulação do capital e no modo como são tratadas as crises cíclicas, partindo-se da premissa de que estas são inerentes às economias capitalistas.

No decorrer dos anos, os estudiosos no âmbito da economia, os quais construíram a Escola de Regulação, foram se distanciando, gerando uma variedade de abordagens a partir desta, inclusive com diferenciações significativas no referencial teórico utilizado. Em virtude destas diferenças alguns autores, dentre estes Mendonça (1994), têm sugerido que ao invés de se utilizar a denominação genérica de Escola da Regulação, seja mencionado ―enfoque regulacionista‖. Para Azevedo e Gomes (2009, p. 100),

O conceito de regulação com origem na física e na biologia passou a ser adotado por um determinado tipo de sociologia que focaliza as sociedades como sistemas sociais, conforme as formulações da teoria funcionalista criada por Parsons (1964).

Segundo esses mesmos autores (AZEVEDO; GOMES, 2009), ainda que a regulação traga subjacente a ideia de reprodução, o emprego do conceito diferencia-se substancialmente da maneira utilizada pela sociologia funcionalista, visto que não desconsidera os conflitos, as contradições e antagonismos próprios das sociedades de mercado e que permeiam as relações sociais e as instituições.

Desta forma, o modo como as economias se expandem e se reproduzem, levando em conta a tendência às crises cíclicas de acumulação e as relações sociais antagônicas, constitui- se como questão central que a teoria e seus desdobramentos procuram explorar. Nesse contexto teórico, o conceito de regulação é definido por Boyer (1990 apud AZEVEDO; GOMES, 2009, p. 100)

[...] como um conjunto de fatores que viabilizam a reprodução geral dos sistemas econômico e social em função do estado das estruturas econômicas e das formas sociais assumidas em um determinado momento histórico, contribuindo para um equilíbrio de ordem, que está constantemente sendo posta em questão.

Assim, a regulação, como conceito aplicável no campo das políticas públicas, a qual tem por finalidade assegurar a ordem vigente tendo em vista o equilíbrio social, pode ser denominada como um conjunto de ações voltadas para a manutenção do equilíbrio de um sistema social, visando a alcançar a sua preservação e/ou perpetuação.

Ainda, entende-se por regulação a atividade estatal mediante a qual o Estado, por meio de intervenção direta ou indireta condiciona, restringe, normatiza ou incentiva a atividade econômica de modo a preservar a sua existência, assegurar o seu equilíbrio interno ou atingir determinados objetivos públicos. (MARQUES NETO, 2005) Complementando esse conceito, Bauby (2002 apud BARROSO, 2005, p. 730) destaca que ―[...] a regulação resulta do facto de que as regras não podem prever tudo e por isso devem ser interpretadas, postas em causa‖.

As mudanças ocorridas nos serviços públicos, nas últimas décadas, podem ser entendidas como redução do envolvimento direto do Estado na ordem econômica. Este processo sobremodo amplo e difundido em vários países importa obviamente a redução da intervenção estatal direta no domínio econômico, mas não significa a erradicação da regulação estatal.

No Brasil, o conceito de regulação começou a ser difundido no campo da economia, nas últimas décadas, a partir do processo de privatização de serviços até então oferecidos exclusivamente pelo Estado, e com a consequente criação de agências reguladoras7 para controlar a oferta e o atendimento da demanda por estes serviços.

Além do debate em torno das funções exercidas por estas agências e a sua relação com o público e o privado, a regulação é vista, na economia, como ―algo necessário às relações de mercado, no sentido de coibir os monopólios, de controlar preços e condições de oferta e atendimento aos usuários‖. (OLIVEIRA, D., 2005, p. 756)

A discussão do conceito regulação no campo da educação é recente. Ainda são poucos os estudos que se apropriam da chamada sociologia das regulações como referencial analítico para a compreensão dos sentidos e significados das reformas educacionais ocorridas

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As agências reguladoras podem ser definidas como instituições, dotadas do poder de formular regras, que disciplinam a conduta dos agentes econômicos, com vistas a aperfeiçoar o desempenho do setor regulado. No caso brasileiro, as agências reguladoras são classificadas como ―autarquias de regime especial‖, definidas como entes administrativos autônomos, criados mediante lei, com patrimônio próprio, autonomia administrativa e financeira e atribuições específicas, que variam de acordo com a atividade especializada. (DASSO JÚNIOR, 2006, p. 115)

principalmente na década de 1990. Essas reformas nos sistemas de ensino são traduzidas nas medidas de descentralização, na autonomia das escolas, na focalização dos investimentos, na avaliação – medidas embasadas no discurso da eficiência na gestão do ensino e seus recursos. (OLIVEIRA, D., 2005)

Desta forma, nas últimas duas décadas, no Brasil, se promovem, discutem e aplicam medidas políticas e administrativas que vão, em geral, no sentido de alterar os modos de regulação dos poderes públicos. Em consonância com as mudanças ocorridas no setor público em vários países, estas medidas têm sido justificadas: de um ponto de vista mais técnico, em função de critérios de modernização, desburocratização e combate à ―ineficiência‖ do Estado; ou mesmo de natureza filosófica e cultural, no sentido de promover a participação comunitária e de natureza pedagógica, ou seja, centrar o ensino nos alunos e suas características específicas. (BARROSO, 2005)

Mesmo reconhecendo como legítimas as diferentes formas de abordagem sobre as transformações ocorridas na forma de regulação da educação nas últimas décadas, merece destaque a opinião de Maroy (2005) ao defender que a regulação educacional não se encontra mais fundamentada na legitimidade da racionalidade e da lei, mas sim a partir da permanente busca pela melhoria de resultados, tangíveis, mensuráveis e justificáveis.

Para Maroy (2005), o modelo burocrático passa a conviver com formas pós- burocráticas, em que sua dinâmica de coordenação perpassa por diversos modos: difusão de normas de referência (difusão das melhores práticas, sessões de formação, de acompanhamento de projetos); contratualização e avaliação (processos de resultados, de práticas); ajustamento individual e competição.

De acordo com Joaquim Araújo (2007, p. 5), o modelo que anteriormente funcionava ―de forma integrada com recurso a hierarquia e a sistema unificado de função pública deu origem em vários sectores da Administração Pública a um modelo de quase-mercado‖. Dentre as características deste novo modelo apontadas por este autor (ARAÚJO, J., 2007), destacamos: ênfase na eficiência, ambiente de concorrência orientado para o cliente, competição entre agentes públicos e privados e ênfase na produção de bens e serviços públicos.

As reformas no setor educacional, como consequência das mudanças ocorridas na gestão pública em países ocidentais ao longo das duas últimas décadas do século XX caracterizam-se como medidas de natureza neoliberal e suas nuances, na tentativa de revisão do papel do Estado, com repercussões na provisão das políticas sociais, e desencadeando a

passagem da regulação burocrática, para a pós-burocrática. Nesta mesma linha de argumentação, estudos de Almerindo Afonso (2001, p. 25), destacam

[...] o facto de estar em curso a transição de uma forma de regulação burocrática e fortemente centralizada para uma forma de regulação híbrida que conjuga o controlo pelo Estado com estratégias de autonomia e auto- regulação das instituições educativas.

Apesar das críticas em relação aos resultados destas reformas, o processo desencadeado pelas mesmas parece ter se constituído sem volta. Para Barroso (2003) a mudança é percebida como inevitável e permanente; é considerada como o único meio para modernizar a escola, aumentar a qualidade e a eficácia, lutar contra as forças adversas, vencer os desafios da competitividade e gerenciar na incerteza.

As principais críticas relativas à utilização dos pressupostos da escola de regulação ao estudo da política educacional focam a compreensão de reversão das crises e a ausência da luta de classes na conformação da ação pública. Apesar disso, ressalta-se que as análises realizadas a partir dos conceitos da regulação aprofundam a compreensão acerca das transformações ocorridas no papel e forma de atuação do Estado, possibilitando relevantes contribuições para a análise de políticas educacionais.

2.3 POSSÍVEIS APROXIMAÇÕES ENTRE A ABORDAGEM INSTITUCIONAL E O