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3 DO PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO DA INCORPORAÇÃO

3.3 DAS CARACTERÍSTICAS DO PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO DA

INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA

Toda incorporação imobiliária, conforme exposto alhures, é formalmente constituída mediante o arquivamento e o registro do memorial de incorporação, documento que reúne os elementos que conferem identidade própria e relativa autonomia funcional, material e financeira177 ao correspondente empreendimento imobiliário. Dentre outros, os principais elementos que integram o citado documento são (i) o projeto de construção, (ii) a descrição da edificação e a individualização das unidades autônomas vinculadas às respectivas frações ideais do terreno, (iii) o orçamento do custo global da obra e do custo de cada unidade imobiliária etc.

Assim, a consecução da incorporação imobiliária pode ser realizada com total ou parcial autonomia financeira. Porém, essa total autonomia financeira somente ocorrerá se a incorporação se autofinanciar integralmente com os recursos captados dos adquirentes, geralmente, decorrentes das receitas de venda das unidades imobiliárias do correspondente empreendimento. A autonomia financeira será parcial se a incorporação necessitar de aportes de recursos do incorporador ou de financiamento bancário, para concluir a construção da edificação. Aliás, no âmbito da atividade incorporativa, essa modalidade de financiamento é uma fonte relevante de oferta de recursos financeiros. E se houver afetação da incorporação, certamente, haverá mais facilidade e menor custo na captação desses tipos de recursos, porque a instituição financiadora terá assegurada maior garantia de pagamento, pois os bens e direitos

176 CHALHUB, Melhim Namem, op. cit., p. 86.

177 Em face das citadas relativas autonomias, afirma Melhim Namem Chalhub, que a incorporação imoibiliária

ajusta-se “com perfei ão à ideia da afetação patrimonial, sendo até lícito admitir que, ao configurar esse negócio, na ei nº 4 591/1964 o le islador tenha se orientado pelas linhas mestras da teoria da afeta ão ” (CHALHUB, Melhim Namem, op. cit., p. 79.)

do próprio acervo patrimonial afetado também garantem tal tipo de dívida. Ademais, numa eventual liquidação do patrimônio de afetação, a instituição financiadora terá preferência no reembolso do valor débito referente ao financiamento da construção178.

Assim, por apresentar relativa autonomia, a atividade de incorporação imobiliária revela-se apropriada à implantação do regime de afetação patrimonial, consoante magistério de Melhim Namem Chalhub para uem “o ne cio da incorpora ão se a usta com perfei ão à ideia da afeta ão por causa de sua natural se re a ão e da densidade do seu conteúdo”179.

Entretanto, apesar do negócio incorporativo apresentar estrutura adequada e compatível com regime de afetação patrimonial, a utilização desse regime no âmbito da atividade incorporativa dependia de expressa previsão legal. Por força dessa condição, no País, o exercício pelo incorporador da opção pelo regime de patrimônio de afetação da incorporação imobiliária somente passou a ser permitida a partir da vigência dos arts. 31-A a 31-F da LCI, introduzidos pelo art. 53 da Lei nº 10.931, de 2004180.

Em termos gerais, ressalta-se novamente, a característica inerente a todo patrimônio de afetação consiste na sua separação ou incomunicabilidade temporária com patrimônio geral do seu titular, até o cumprimento da finalidade ou função específica determinada no diploma legal instituidor ou outra forma de extinção, quando então os bens, direitos e obrigações remanescentes retornam ao acervo patrimonial geral do titular, sem qualquer limitação ou restrição de uso e disponibilidade.

No âmbito da atividade de incorporação imobiliária, o patrimônio de afetação tem por finalidade à consecução da incorporação imobiliária, que se concretiza com a construção da edificação e a entrega das respectivas unidades imobiliárias autônomas aos adquirentes. Para cumprimento dessa finalidade, o terreno e as respectivas acessões (construções), bem como os demais bens, direitos e obrigações vinculados à incorporação afetada181, serão mantidos separados do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e serão destinados, com exclusividade, à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes.

178 O crédito de financiamento bancário da construção só não prefere os créditos trabalhistas, previdenciários e

tributários, que estão no topo da preferência (LCI, 31-F, § 18, III).

179 CHALHUB, Melhim Namem, op. cit., p. 87.

180 Oportuno ressaltar que, embora o patrimônio de afetação da incorporação imobiliária tenha sido instituído,

inicialmente, pela Medida Provisória nº 2.221, de 2001, em face das graves deficiências do regime previsto neste diploma legal, ele somente teve aplicação prática a partir da vigência da citada Lei.

181 O patrimônio de afetação da incorporação imobiliária é constituído pelo terreno, acessões, receitas e direitos

creditórios provenientes das vendas das respectivas unidades imobiliárias, obrigações e encargos fiscais, trabalhistas, previdenciários etc.

Assim como os demais tipos patrimônio de afetação, o patrimônio de afetação da incorporação imobiliária não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e só responde por dívidas e obrigações da respectiva incorporação afetada, incluindo as dívidas tributárias, previdenciárias e trabalhistas182, as quais, ressalta-se, gozam de preferência no pagamento.

Ainda em decorrência da referida segregação patrimonial, os bens e direitos do patrimônio de afetação da incorporação imobiliária somente poderão ser excutidos por credores vinculados à correspondente incorporação, sendo vedado aos demais credores do incorporador, inclusive os credores de outros patrimônios de afetação, praticar qualquer ato de execução em relação aos ativos de determinado acervo patrimonial afetado.

E para resguardar a integridade do patrimônio de afetação, os bens e direitos integrantes da incorporação afetada somente poderão ser objeto de garantia real em operação de crédito cujo produto seja integralmente destinado à construção da edificação e à entrega das unidades imobiliárias aos adquirentes. E o incorporador ainda responde pelos prejuízos que causar ao patrimônio de afetação.

Com a instituição do regime de patrimônio de afetação, mediante averbação, no Registro de Imóveis, do termo de afetação firmado pelo incorporador, o empreendimento afetado passa a ter relativa autonomia funcional e o pleno direito de propriedade do incorporador será mitigado. De certo, no âmbito da atividade de incorporação imobiliária, em reconhecimento ao prestígio da função social da incorporação imobiliária, a afetação patrimonial relativiza o direito de propriedade do incorporador sobre o terreno, as acessões e os demais bens e direitos vinculados à correspondente incorporação afetada, com vista ao cumprimento da finalidade precípua do regime183.

Assim, os investimentos dos adquirentes no empreendimento terão a proteção e garantia fortalecidas, posto que os recursos financeiros que ingressarem no empreendimento incorporativo afetado, seja proveniente das vendas das quotas do terreno ou das unidades

182 De acordo com o art. 9º da Lei nº 10.931, de 2004, nos casos de falência ou insolvência civil do incorporador,

perde eficácia a deliberação da Assembleia Geral dos adquirentes pela continuação da obra, bem como os efeitos do correspondente regime de afetação, caso o condomínio dos adquirente não realize o pagamento das obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas, vinculadas ao respectivo patrimônio de afetação, cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data da decretação da falência, ou insolvência do incorporador, até um ano referida deliberação, ou até a data da concessão do habite-se, se esta ocorrer em prazo inferior.

183No ue tan e autonomia funcional ressalta Aldo D rea attos ue com a afeta ão não “se dá uma cisão

para constituição de novo patrimônio distinto do patrimônio do titular, mas a atribuição de uma autonomia funcional, em que os bens afetados ficam destinados à função precípua de garantir aos adquirentes que os recursos aportados para o empreendimento serão efetivamente nele aplicados ” ( A O Aldo Dórea, op. cit., p. 57.)

imobiliárias como coisa futura, seja decorrente de operações de cessão, plena ou fiduciária, de créditos oriundos da comercialização dos referidos bens componentes da incorporação, seja obtido por meio de financiamento da obra, todos eles serão utilizados, preferencial e exclusivamente, para o pagamento e reembolso das despesas inerentes à incorporação184, incluindo o reembolso ao incorporador do preço de aquisição do terreno185.

No que tange ao reembolso do preço do terreno, este somente poderá ser feito ao patrimônio geral do incorporador após a alienação das unidades imobiliárias autônomas, na proporção das respectivas frações ideais do terreno, devendo o valor do reembolso ser calculado com base tão-somente nos valores efetivamente recebidos pelo incorporador (LCI, art. 31-A, § 7º).

Mas, nem todos os bens vinculados ao empreendimento incorporativo integram o acervo patrimonial afetado. A lei expressamente exclui do patrimônio de afetação (i) os recursos financeiros que excederem a importância necessária à conclusão da obra, considerando-se os valores a receber até a data da conclusão obra e os recursos necessários à quitação de financiamento para a construção, se houver; e (ii) o valor referente ao preço de alienação da fração ideal de terreno de cada unidade vendida, no caso de incorporação por preço não global em que a construção da edificação seja contratada sob o regime de construção por empreitada (LCI, art. 55) ou por administração (LCI, art. 58)186.

Essa exclusão está em consonância com a finalidade do regime de afetação, consistente em manter segregado apenas os recursos da incorporação necessários à conclusão da obra e entrega das unidades aos adquirentes. Assim, os recursos financeiros, incluindo os direitos creditórios, excedentes a importância necessária à conclusão da obra devem ser transferidos para o patrimônio geral do incorporador e, nesta condição, ficam livres para

184 No mesmo sentido, o magistério de Melhim Namem Chalhub para uem “os ad uirentes das unidades

imobiliárias de determinada obra e os credores daquela obra devem obter a satisfação dos seus direitos com as receitas do empreendimento e, por outro lado, não sofrem os efeitos dos desequilíbrios do patrimônio geral do incorporador, nem são contaminados por eventual insucesso de outros empreendimentos do mesmo incorporador, porque os compromissos de cada empreendimento afetado devem ser atendidos pelas suas receitas pr prias ” (CHALHUB, Melhim Namem, op. cit., p. 90.)

185 O reembolso do preço do terreno somente ocorre na modalidade de incorporação por preço global (LCI, art.

41), em que, no valor da alienação da unidade imobiliária, está incluso o preço da fração ideal do terreno e o preço da construção da respectiva unidade imobiliára. Se o regime for de incorporação por preço não global, não há reembolso, mas exclusão integral do valor da fração ideal do terreno do acervo patrimonial afetado, uma vez que este pertence ao condomínio dos adquirentes e não ao incorporador.

186 Essa determinação está em perfeita consonância com a natureza do regime de incorporação por preço não

global (LCI, art. 48), em que a construção é contratada, separadamente, sob o regime por empreitada ou por administração, pois, nesse tipo de incorporação, o valor da fração ideal do terreno de cada unidade vendida pertence, exclusivamente, ao incorporador e não será aplicado na construção da edificação, que será objeto de contrato de construção firmado a parte entre o condomínio dos adquirentes (titulares de direitos aquisitivos sobre o terreno) e o construtor, que poderá ser o próprio incorporador, se este for construtor (LCI, art. 31-A, § 8º, II).

serem utilizados pelo incorporador da forma que considerar mais conveniente à sua atividade empresarial.

Em relação ao passivo, o patrimônio de afetação da incorporação imobiliária fica isento das dívidas e obrigações relativas aos demais negócios realizados pelo incorporador, de sorte que, havendo insucesso nos demais empreendimentos, afetados ou não, o correspondente empreendimento afetado poderá prosseguir na consecução da obra até a conclusão da incorporação. Assim, os adquirentes e demais credores do patrimônio afetado ficam imunes aos efeitos negativos da insolvência ou incapacidade financeira do incorporador, o que, normalmente, inviabiliza a consecução normal do empreendimento.

Em face dessas características, fica evidente que o patrimônio de afetação confere ampla e relevante garantia patrimonial aos adquirentes, no sentido de lhes assegurar o recebimento do sonhado imóvel, uma vez que os protege de eventuais desequilíbrios econômico-financeiros do incorporador em outros negócios, inclusive dos efeitos da insolvência, pois, com a afetação dos empreendimentos, o acervo patrimonial destes não integrará a massa concursal do incorporador insolvente. Por essa razão, a implantação do patrimônio de afetação no âmbito dos empreendimentos incorporativos confere tutela especial e, por conseguinte, maior segurança patrimonial aos adquirentes187.

Entretanto, não se pode olvidar que a afetação do empreendimento incorporativo não tem o condão de proteger os adquirentes de todo e qualquer prejuízo econômico-financeiro, mas apenas circunscrever e limitá-lo ao âmbito do correspondente empreendimento afetado. Deveras, sob o regime de afetação, se o incorporador vier à falência ou insolvência civil, os adquirentes podem assumir a direção do empreendimento, por meio da Comissão de Representantes, e dar início ou prosseguir na execução da obra, ou, alternativamente, se inviável a consecução da incorporação, proceder a liquidação do acervo patrimonial afetado. E, nesta última hipótese inclusive, certamente, os prejuízos dos adquirentes serão bem menores do que os decorrentes de uma eventual participação no resultado final da liquidação

187 O aspecto da segurança patrimonial dos adquirentes foi ressaltado por Melhim Namem Chalhub, no excerto a

se uir transcrito: “ om efeito a afeta ão pode constituir importante mecanismo de se uran a dos ad uirentes de unidades imobiliárias integrantes de incorporação imobiliária, na medida em que, representando um patrimônio com autonomia funcional em relação ao patrimônio geral do incorporador, protege as unidades imobiliárias dele integrantes contra efeitos patrimoniais negativos decorrentes de eventuais desequilíbrios econômico-financeiros do incorporador notadamente contra os efeitos da sua insolvência ” (CHALHUB, Melhim Namem, op. cit., p. 89.)

do acervo da massa concursal, ainda que ostentando a condição de credores privilegiados188. Em suma, chega-se a conclusão que o patrimônio de afetação da incorporação