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2 DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA

2.7 DO CONTRATO DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA

2.7.2 Do contrato de incorporação por preço global

O contrato de incorporação por preço global é aquele em que há alienação das unidades imobiliárias por preço integral, neste incluído o preço da quota do terreno e o preço de construção da respectiva unidade imobiliária, os quais devem constar discriminados, separadamente, no respectivo instrumento contratual celebrado entre o incorporador e os adquirentes (individualmente).

Essa é a modalidade de contrato de incorporação majoritariamente preferida pelo mercado. Ele representa a essência do regime de incorporação imobiliária, que se caracteriza pela captação, direta dos adquirentes, dos recursos a serem aplicados na obra130.

No âmbito dessa modalidade contratual, o incorporador obriga-se a construir a edificação (obrigação de fazer) e a transferir ao adquirente, ao término da construção, a propriedade plena da unidade imobiliária (obrigação de dar), enquanto que o adquirente compromete-se a pagar o preço combinado (obrigação de dar), que pode ser à vista ou parcelado. Normalmente, o adquirente financia o preço de aquisição diretamente com o incorporador, inclusive podendo parte do valor ser pago após a entrega da unidade imobiliária ao adquirente.

Além disso, em razão da vinculação inseparável entre fração ideal do terreno e unidade imobiliária a ser construída, havendo rescisão do contrato relativo à fração ideal do terreno e partes comuns (propriedade comum), a pessoa favorecida com a resolução sub- rogar-se-á nos direitos e obrigações contratualmente atribuídos ao inadimplente, com relação a construção da unidade imobiliária (propriedade exclusiva). No referido contrato, conforme já ressaltado, ainda poderá ser convencionado, que havendo inadimplemento no pagamento de parcela relativa ao preço da construção, os efeitos da mora também recairão sobre a aquisição da parte construída e da fração ideal do terreno, ainda que este tenha sido integralmente pago; de outro modo, poderá ser acordado que se o atraso for em relação ao pagamento da parcela relativa à fração ideal de terreno, os efeitos da mora recairão não apenas sobre a aquisição deste, mas também sobre a parte construída, ainda que totalmente paga.

Nos termos do caput do art. 43 da LCI, o contrato de incorporação por preço global caracteriza-se pela contratação da entrega da unidade imobiliária a preço certo, determinado ou determinável, o que pressupõe, necessariamente, a existência de uma operação de alienação de unidade imobiliária como coisa futura, firmada entre adquirente e

130 Na incorporação por preço global, normalmente, o incorporador realiza a construção com os recursos

incorporador131. Assim, em consonância com a doutrina de Sílvio de Salvo Venosa, tem-se que o contrato firmado pelo incorporador com os adquirentes sob regime de preço global não se subordina “nem ao contrato de empreitada nem ao de administra ão” e “será um compromisso de venda e compra de imóvel em construção, cujas responsabilidades do incorporador encontram-se discriminadas no art 43”132 da LCI.

Da mesma forma, leciona Melhim Namem Chalhub, que, na incorporação por preço global, o tipo de contrato que predomina é o contrato de promessa de compra e venda de coisa futura “tendo como ob eto a unidade imobiliária ue ainda será constru da” 133 No mesmo

sentido, o magistério de Caio Mário da Silva Pereira, para quem é prática consagrada no mercado a contratação da promessa de venda da unidade imobiliária como coisa futura, pela ual o incorporador sendo proprietário do terreno e das acess es “promete vender a unidade e entregá-la ‘pronta’ por pre o certo rea ustável ou não acrescido de uros ou não assumindo o risco da construção, custe quanto custar, e podendo executá-la por si ou por terceiros” 134

Na modalidade contratual em apreço, o incorporador assume, com exclusividade, todos os custos da construção da edificação e ainda responde civilmente pela inexecução, parcial ou total, da incorporação, devendo indenizar os adquirentes ou compromissários compradores por eventuais prejuízos que lhes causar em razão da não conclusão, ou da conclusão extemporânea da construção da edificação. Neste caso, se houver contratação de construtor e este for considerado culpado pelo atraso ou não conclusão das obras, caberá ação regressiva do incorporador contra o construtor (LCI, art. 43, II).

No âmbito do referido contrato, o incorporador não poderá modificar as condições de pagamento nem reajustar o preço das unidades, ainda que haja elevação dos custos dos materiais e da mão de obra, salvo se tiver sido expressamente estabelecida a faculdade de reajustamento do preço, o que será realizado segundo as condições pactuadas no contrato, que deverão atender os critérios fixados no art. 46 da Lei nº 10.931, de 2004, anteriormente comentado (LCI, art. 43, V)135. Também é vedado ao incorporador alterar o projeto e

131 Segundo Sílvio de Salvo Venosa, a venda “pressupõe necessariamente um preço. Sem estipulação de preço, inexiste venda. O preço é a contrapartida da entrega da coisa na compra e venda. [...] O preço deve ser determinado ou determinável. Se não vier determinado, é necessário que sejam fixados parâmetros para essa determinação ” (V NO A Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2014, v.3. p. 15.)

132VENOSA, Sílvio de Salvo, op. cit., 2014, p. 522. 133 CHALHUB, Melhim Namem, op. cit., p. 185. 134 PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., 2014, p. 232.

135 Esse também é o entendimento Humberto Thedoro Júnior, para quem o preço consignado no contrato é

sempre certo, “podendo ser fixo ou reajustável, na forma do contrato. A variação se houver não será de composição do custo, mas de correção, segundo índices contratualmente previstos. O incorporador se obriga a

modificar as especificações, especialmente, da unidade do adquirente e das partes comuns da edificação e desviar-se do plano da construção, salvo autorização unânime dos adquirentes ou exigência legal.

De modo geral, o contrato de promessa de compra e venda de bem imóvel é um contrato preliminar por meio do qual as partes obrigam-se a celebrar, sob certo prazo e após atendidas as condições fixadas no citado contrato, a escritura definitiva de compra e venda do bem imóvel136. A característica principal desse tipo de contrato está nos tipos de direitos sobre o imóvel que são, imediatamente, transferidos após a sua celebração.

Nessa modalidade contratual, o promitente vendedor transmite ao promitente comprador os poderes inerentes ao jus utendi (direito de usar) e ao jus fruendi (direito fruir), ficando reservado ao promitente vendedor a manutenção dos poderes inerentes ao jus

disponendi (direito de dispor), até que o promitente comprador efetive o pagamento integral

do preço acertado, que, após efetivado, o promitente vendedor se obriga a lhe outorgar a escritura de compra e venda, consolidando-se assim a propriedade plena do imóvel na pessoa do promitente comprador.

A doutrina e a jurisprudência tem firmado entendimento de que a manutenção do domínio na pessoa do promitente vendedor, na prática, funciona como uma forma de garantia do pagamento do preço em favor promitente vendedor137. Por força dessa circunstância, na medida que o promitente vendedor avança na liquidação das parcelas do preço avençado, na mesma proporção, também se expande os seus poderes em relação ao direito de propriedade do bem imóvel, consolidando-se os poderes inerentes ao jus disponendi com o pagamento da última parcela da dívida138, remanescendo apenas a obrigação do promitente vendedor de outorgar a escritura definitiva de compra e venda do bem imóvel139, ou, se houver recusa entregar o imóvel objeto do contrato (apartamento, loja, sala etc.) ao adquirente, no prazo convencionado, pelo pre o inicialmente estipulado entre as partes ” (THEDORO JÚNIOR, Humberto, op. cit., p. 86.)

136 Segundo Sílvio de Salvo Venosa no “compromisso de compra e venda imobiliário o ob eto claro das partes

não precipuamente a conclusão de outro contrato mas a compra definitiva de um im vel ” (VENOSA, Sílvio de Salvo, op. cit., 2014, p. 538.)

137 Esse é o entendimento de Arnaldo Rizzardo, para quem serve “a promessa de garantia ao promitente

vendedor, que reserva para si o domínio como meio de garantia do cumprimento do pactuado em sede contratual, ofertando para o promitente comprador o direito de usar e fruir.” (RIZZARDO, Arnaldo, op. cit., p. 458.)

138 Para Melhim Namem Chalhub, a construção doutrinária e jurisprudencial “ á consa rou o entendimento de

que o imóvel objeto de promessa de compra integra o patrimônio do promitente comprador, ficando o promitente vendedor só com o crédito, numa construção jurisprudencial que vai aproximando a promessa cada vez mais da compra e venda, aproximação que se torna inequívoca e definitiva uma vez pago o preço: a partir daí, os poderes do dominus se exaurem por completo s lhe restando a obri a ão de outor ar o contrato definitivo ” (CHALHUB, Melhim Namem, op. cit., p. 184.)

139 Em face do efeito de direito real decorrente do registro do contrato de promessa de compra e venda, Sílvio de

Salvo Venosa faz dura crítica a necessidade de emissão posterior da escritura ão definitiva Para ele “ uando pago o preço do contrato, razão nenhuma existe para que uma nova escritura seja lavrada, a chamada escritura definitiva. Há que se procurar simplificar a vida do cidadão, mormente na aquisição de sua casa própria.

daquele, o direito do promitente comprador de requerer em juízo a adjudicação do referido bem, nos termos do art. 1.418 do Código Civil de 2002.

Como o contrato de promessa de compra e venda da unidade imobiliária, na esfera do negócio incorporativo, é firmado antes ou durante a construção da edificação, no ato da celebração do contrato, concretamente, só existe a fração ideal do terreno, que fica indissoluvelmente vinculada à construção da correspondente unidade imobiliária. E o referido vínculo, que tem natureza real, vai se ampliando na proporção em que a construção avança e, uma vez concluída a edificação, o direito real sobre a dita unidade imobiliária também ganha concretude.

Entretanto, se emitido sem cláusula de arrependimento e registrado no competente Registro de Imóveis, o contrato de promessa de compra e venda em comento tem eficácia real, conforme expressamente estabelecido no art. 69 da Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, que atribui ao promitente comprador ou cessionário direito real oponível a terceiro e lhe confere “direito a obten ão compuls ria da escritura definitiva de cessão aplicando-se, neste caso, no que couber, o disposto no art. 16140 do Decreto-lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, e no art. 346141 do di o do Processo ivil [de 1939] ”

O registro do referido contrato no registro imobiliário também atribui ao promitente comprador o direito de sequela, conferindo-lhe o direito de reivindicar a imediata transferência da propriedade da unidade imobiliária autônoma, após cumprir integralmente o pagamento do preço compromissado, e exigir a outorga da escritura, inclusive, mediante adjudicação compulsória. Porém, o adquirente somente poderá ser imitido na posse da sua unidade imobiliária se estiver em dia com as obrigações assumidas perante o incorporador, inclusive as relativas à construção, exercendo o incorporador o direito de retenção enquanto não adimplida a obrigação em mora (LCI, art. 52).

Uma situação que gerou e continua gerando controvérsia no seio da doutrina e da jurisprudência consiste na hipoteca do terreno e das acessões em favor de instituição Somente um interesse exclusivamente cartorial faz persistir no direito brasileiro a necessidade de mais um documento, a famigerada e inútil escritura definitiva, mormente quando o compromisso de compra e venda se apresenta pago e já registrado no registro de imóveis. Basta o legislador permitir que, apresentada a prova do pagamento no registro imobiliário, transforme-se o compromisso em propriedade plena. Não se esqueça que, com o re istro do compromisso direito real á existe ” (VENOSA, Sílvio de Salvo, op. cit., 2014, p. 543.)

140 Determinam os arts. 15 e 16 do Decreto-lei nº 58, de 1937, que uma vez antecipado ou ultimado o pagamento

integral do preço, o promitente comprador têm o direito de, estando quites com os impostos e taxas, exigir a outorga da escritura de compra e venda, porém, havendo recusa do promitente vendedor em outorgar a respectiva escritura definitiva, o promitente comprador poderá propor, para o cumprimento da obrigação, ação de adjudicação compulsória, que tomará o rito sumaríssimo.

141 Por força do disposto no art. 1.218, I, do CPC atual, o referido art. 346 do CPC antigo continua vigente, com

exceção dos seus §§ 3º e 4º, porque conflitantes com procedimento sumário preconizado para matéria no novo diploma legal.

financiadora do empreendimento, como forma de garantia de pagamento do valor do financiamento contraído para aplicação no empreendimento incorporativo142. Neste caso, se a hipoteca foi realizada em momento posterior à celebração do contrato de promessa de compra e venda, com ou sem averbação à margem do registro da correspondente incorporação imobiliária, a jurisprudência do STJ tem se firmado no sentido de prestigiar o direito do promitente comprador e, nestes casos, tem decidido por determinar a nulidade da hipoteca outorgada pela construtora em favor do agente financiador143.

Mas, se a hipoteca foi realizada em momento anterior à celebração do contrato de promessa de compra e venda, independentemente do registro ou não do referido gravame à margem do registro da incorporação, embora a jurisprudência do STJ, inicialmente, tenha proferido algumas decisões favoráveis ao agente financiador, posteriormente, firmou-se no sentido de prestigiar o direito do promitente comprador144, conforme se infere dos termos do enunciado do verbete da úmula J nº 308 ue tem o se uinte teor: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda não tem eficácia perante os ad uirentes do im vel ” Assim do sopesamento entre o direito à garantia hipotecária do financiador e o direito fundamental social à moradia do adquirente, na jurisprudência do STJ, este último foi o que prevaleceu.