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3 DO PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO DA INCORPORAÇÃO

3.5 DOS EFEITOS DA DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA OU DA

3.5.1 Providências relativas à continuação da obra

Nos casos de falência do incorporador ou paralisação injustificada da obra, se viável e benéfica aos interesses dos adquirentes, a Assembleia Geral poderá deliberar pela continuidade da construção da edificação. Se esta for a decisão, de imediato e sem formalidades especiais, a Comissão de Representantes, em nome do condomínio da construção, substituirá o incorporador e assumirá a administração do empreendimento afetado, com a incumbência de implementar todas as medidas necessárias à conclusão da construção da edificação e entrega das unidades imobiliárias aos adquirentes, inclusive,

199 Para Melhim Namem Chalhub o “mandato le al ue a lei confere à comissão de representantes é medida de

extraordinário alcance social, pois assegura aos adquirentes à obtenção da sua escritura independente de intervenção judicial; como se sabe, anteriormente era o juiz da falência que autorizava a assinatura de cada contrato, fazendo-o mediante deferimento de requerimento de alvará para cada adquirente; além disso, afasta a eventual necesssidade de propositura de a es de ad udica ão compuls ria ” (CHALHUB, Melhim Namem, op. cit., p. 134.)

podendo contratar, às suas expensas, pessoa física ou jurídica para realizar e acompanhar a execução da obra200.

Uma vez adotada a decisão de continuar as obras, os adquirentes ficarão automaticamente sub-rogados nos direitos, nas obrigações e nos encargos relativos à incorporação afetada, inclusive, se houver, aqueles relativos ao contrato de financiamento da obra. Porém, ficam expressamente excluídas da responsabilidade dos adquirentes as obrigações, diretas ou indiretas, relativas ao Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), devidas pela pessoa jurídica do incorporador, inclusive por equiparação, bem como as obrigações oriundas de outras atividades do incorporador não relacionadas diretamente com as incorporações objeto de afetação (LCI, art. 31-F, § 20).

Para angariar os recursos financeiros necessários à conclusão da incorporação, incluindo o custeio da parcela da obra inacabada e a averbação da construção, a Comissão de Representantes contará com:

a) os recursos disponíveis afetados, especialmente os valores depositados na conta- corrente bancária aberta em nome da respectiva incorporação; e

b) os valores das parcelas dos créditos a receber, vencidas e vincendas, mas ainda não pagas, relativas ao preço de aquisição das respectivas unidades ou do preço de custeio de construção.

Para esse fim, os adquirentes deverão dar continuidade aos pagamentos, nos mesmos prazos e formas estabelecidos nos respectivos contratos de aquisição ou de construção, celebrados com o incorporador ou diretamente com o construtor.

Com o mesmo objetivo, os saldos dos preços das frações ideais do terreno e acessões integrantes da incorporação que não tenham sido pagos ao incorporador até a data da decretação da sua falência ou insolvência civil passarão, imediatamente, a ser pagos à Comissão de Representantes, permanecendo o somatório dos valores dos créditos recebidos submetido à afetação até o limite dos recursos necessários à conclusão da incorporação. Neste caso, o incorporador deve assegurar à pessoa nomeada pela Comissão de Representantes livre acesso aos documentos e informações necessários à verificação e apuração do montante dos

200 Ainda segundo Melhim Namem Chalhub na tarefa de continuar a constru ão da edifica ão “a omissão de

Representantes atuará como substituta do incorporador, agindo por seus membros ou por prepostos, sendo admissível que venham a ser contratados engenheiros, administradores ou outros profissionais habilitados a promover a execu ão dos atos relacionados ao prosse uimento da incorpora ão ” (CHALHUB, Melhim Namem, op. cit., p. 129.)

débitos a pagar dos adquirentes relativos aos saldos dos preços, vinculados ao respectivo patrimônio de afetação, provenientes da alienação das frações ideais do terreno ou das unidades imobiliárias autônomas.

Para cumprimento do encargo de administradora da incorporação afetada, a Comissão de Representantes fica investida demandato legal, em caráter irrevogável, para, em nome do incorporador ou do condomínio de construção, conforme a modalidade de incorporação, receber as parcelas vencidas e vincendas do preço de aquisição das unidades imobiliárias vendidas, dar quitação aos adquirentes dos valores recebidos, bem como promover as medidas extrajudiciais ou judiciais necessárias ao recebimento dos créditos pendentes de pagamento. No exercício dessa função de cobrança dos créditos, a Comissão terá atribuição para praticar todos os atos relativos à venda das unidades imobiliárias dos adquirentes inadimplentes, por meio de leilão público extrajudicial, previsto no art. 63 da LCI, bem como praticar os atos relativos à consolidação da propriedade fiduciária e ao público leilão das unidades imobiliárias alienadas fiduciariamente201. Neste caso, a Comissão deve realizar a garantia e aplicar no empreendimento afetado todo o produto do recebimento do saldo do preço e do leilão realizado (LCI, art. 31-F, § 12, II).

Embora a obrigação de cada adquirente esteja limitada ao valor total do preço de aquisição da unidade imobiliária (incorporação por preço global) ou do preço de custeio da construção (incorporação por preço não global) da respectiva unidade imobiliárias, caso o valor total do saldo do preço da unidade ou do custeio da construção a pagar pelos adquirentes somado ao total dos recursos afetados disponíveis seja insuficiente para cobrir o custo da conclusão da incorporação, os adquirentes terão que fazer aporte adicionais de recursos financeiros até o valor suficiente para a conclusão da incorporação afetada.

Assim, se apurado saldo negativo entre as receitas da incorporação202 e o custo da conclusão da incorporação, cada adquirente responderá, individualmente, pelo valor que lhe for atribuído no referido saldo, que será determino de acordo com a proporção dos coeficientes de construção das respectivas unidades imobiliárias, se outro critério de rateio não for deliberado pela Assembleia Geral, por decisão que exige quórum qualificado de 2/3 (dois terços) dos votos dos adquirentes presentes.

201 A disciplina legal da consolidação da propriedade do imóvel em nome do fiduciário e a realização do público

leilão para a alienação do imóvel dado em garantia pelo fiduciante encontra-se prevista, respectivamente, nos arts. 26 e 27 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, que instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel.

202 Consideram-se receitas do empreendimento os recursos disponíveis afetados e os valores das parcelas a

receber, vincendas e vencidas e ainda não pagas, de cada adquirente, correspondentes ao preço de aquisição das respectivas unidades ou do preço de custeio de construção, conforme o tipo de incorporação (LCI, art. 31-F, § 12, III).

Por outro lado, se apurado saldo positivo entre as receitas da incorporação e o custo da conclusão da incorporação, o valor correspondente a este saldo deverá ser entregue à massa falida pela Comissão de Representantes, o que deverá ser feito durante a execução da incorporação e não apenas ao término da extinção do patrimônio de afetação. Sob pena de grave prejuízo à consecução da incorporação e prejuízo aos adquirentes, a decisão de entregar à massa falida a parcela da receita excedente ao custo de conclusão da incorporação deve estar amparada em dados e informações corretas, consignadas no orçamento do fluxo financeiro de recebimentos e pagamentos futuros.

Enfim, é pertinente mencionar que, contrariando o espírito de proteção dos adquirentes das unidades imobiliárias, que norteia a instituição do patrimônio afetação, perde eficácia a deliberação da Assembleia Geral pela continuação da obra, caso a Comissão de Representantes não realize o pagamento das obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas, vinculadas ao respectivo patrimônio de afetação, cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data da decretação da falência ou insolvência civil do incorporador, em até um ano contado da referida deliberação, ou até a data da concessão do habite-se, se esta ocorrer em prazo inferior (art. 9º203 da Lei nº 10.931, de 2004).

Em relação aos débitos tributárias, previdenciárias e trabalhistas, cabe ressaltar que, por força do disposto no art. 10 da Lei nº 10.931, de 2004, o acervo patrimonial afetado só responde pelos citados débitos que forem a ele vinculados e cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data da decretação da falência ou insolvência do incorporador, não se lhe aplicando o disposto no art. 76 da Medida Provisória no 2.158-35, de 24 de agosto de 2001204. A contrário senso, o patrimônio de afetação não responde pelos débitos tributários, previdenciários e trabalhistas do incorporador vinculados a outros empreendimentos incorporativos, afetados ou não, e às demais atividades do incorporador, bem como pelos débitos que surgirem no curso do processo de falência do incorporador.

203 O citado dispositivo legal tem o seguinte teor, in verbis: “Art. 9o Perde eficácia a deliberação pela

continuação da obra a que se refere o § 1o do art. 31-F da Lei no 4.591, de 1964, bem como os efeitos do regime

de afetação instituídos por esta Lei, caso não se verifique o pagamento das obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas, vinculadas ao respectivo patrimônio de afetação, cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data da decretação da falência, ou insolvência do incorporador, as quais deverão ser pagas pelos adquirentes em até um ano daquela deliberação, ou até a data da concessão do habite-se se esta ocorrer em prazo inferior”.

204 O referido preceito le al tem reda ão ue se ue transcrita: “Art. 76. As normas que estabeleçam a afetação

ou a separação, a qualquer título, de patrimônio de pessoa física ou jurídica não produzem efeitos em relação aos débitos de natureza fiscal, previdenciária ou trabalhista, em especial quanto às garantias e aos privilégios que lhes são atribuídos. Parágrafo único. Para os fins do disposto no caput, permanecem respondendo pelos débitos ali referidos a totalidade dos bens e das rendas do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa falida, inclusive os que tenham sido objeto de separação ou afetação”.

A perda da eficácia da deliberação pela continuação da obra, além de contráriar o fundamento axiológico do patrimônio de afetação, revela-se desnecessária para fim de garantia de recebimento, uma vez que, além da preferência nos pagamentos, assegurada na legislação, em especial no art. 186 do CTN, os mencionados débitos estão garantidos pelo próprio acervo patrimonial afetado, que inclui o terreno e as acessões, bem como os demais bens e direitos vinculados à incorporação imobiliária afetada. Além disso, caso decidam pela continuação da obra, os adquirentes ficam automaticamente sub-rogados nos direitos, nas obrigações e nos encargos relativos à incorporação, o que inclui, especialmente, as obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas.

Com vista a assegurar a garantia de pagamento, a título de lege ferenda, admite-se como razoável que a comprovação do pagamento dos citados débitos fosse exigida antes do ato de averbação da construção ou dos atos de registro dos títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos respectivos adquirentes, mas, jamais a imposição de um prazo tão exíguo como o que foi estabelecido na norma em comento.

Ao analisar o teor da referida norma, afirmou Melhim Namem Chalhub, que ela “viola a um s tempo os princ pios da isonomia da defesa do consumidor e do devido processo le al ”205 Com efeito, em consonância com a lição do citado autor, verifica-se que,

ao invés de buscar o equilíbrio entre as partes, de acordo com o princípio da proporcionalidade, atribuindo aos adquirentes das unidades imobiliárias, a parte sabidamente vulnerável, no mínimo, as mesmas condições de pagamento concedidas ao incorporador e às demais pessoas jurídicas, diversamente, a referida norma impõe aos adquirentes uma condição de pagamento bem mais gravosa.

Além disso, em razão da falência do incorporador, na fase inicial de assunção do empreendimento pelo condomínio dos adquirentes, geralmente, a situação orçamentária da incorporação encontra-se em situação deficitária, portanto, não dispondo de recursos para fazer grandes desembolsos de recursos financeiros, sob pena de prejudicar o desejável prosseguimento da execução da obra. Assim, em situação desse jaez, o princípio da isonomia recomendaria que aos adquirentes fosse assegurado prazo e forma de pagamento mais brandas, desigualando o tratamento em favor do condomínio dos adquirentes, pois, neste caso, o valor mais relevante a ser tutelado é o da continuidade da obra, com todos os benefícios sociais e econômicos daí decorrentes, ao invés da sua definitiva paralisação, como determina essa malsinada norma.

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Além disso, a assunção da administração da incorporação pela Comissão de Representantes será um encargo excessivamente pesado para os adquirentes das unidades imobiliárias, que estarão se empenhando pessoalmente para salvar suas economias e receber o seu sonhado imóvel, mas não para obtenção de lucro. Assim, a despeito de constituir uma tutela especial que visa proteger a vulnerabilidade dos adquirentes, a continuidade da obra também protege os demais credores do empreendimento, dentre eles, certamente, estão os trabalhadores, a previdência e o fisco. Logo, embora danosa aos interesses de todos os credores do empreendimento afetado, a paralisação da obra é particularmente desastrosa para os trabalhadores, uma vez que estes perdem o emprego e o direito de receber seus eventuais créditos diretamente do acervo patrimonial afetado, sendo obrigados a habilitá-los no processo de falência Por fim para o citado autor “a pendência de d bito não priva a pessoa do uso e da fruição de seus bens ou direitos, mesmo que estes estejam submetidos a constri ão udicial”206.

Dessa forma, a norma restritiva em comento suprime direitos anteriormente assegurados aos adquirentes das unidades imobiliárias de prosseguir na execução da obra sem a obrigatoriedade de realizar o prévio pagamento dos débitos tributárias, previdenciárias e trabalhistas, conforme se verifica nas disposições do art. 43, III e VI, da LCI.