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Das relações entre os críticos à análise crítica

5 A FORTUNA CRÍTICA DE O AMANUENSE BELMIRO

5.9 Das relações entre os críticos à análise crítica

Com relação às duas primeiras leituras críticas, percebemos que há uma convergência geral entre Antônio Candido e Lafetá. Aqui, sem dúvida, há uma certa influência de Candido sobre Lafetá. Assim, percebemos que Lafetá seguiu a interpretação de Candido e reconheceu o caráter estratégico da obra. Candido assinalou o laborioso trabalho da narrativa, que se estrutura numa estratégia orquestrada pelo movimento de báscula entre a realidade e o sonho que se dá em dois níveis: no amor – através da oscilação entre o amor da real Carmélia e o amor pela figura mítica obtida pelo arranjo da Donzela Arabela e das lembranças da namorada morta –, na narrativa – por meio da oscilação entre o diário e o livro de memórias e, por consequência, pela oscilação entre presente e passado.

Lafetá endossa o mesmo caráter estratégico, porém ressaltando que este se constrói através do desenvolvimento dos dilemas de Belmiro, que também aparecem em dois níveis: o dilema narrativo – através da prosa que recua e avança, volta ao passado e retoma o presente – e o dilema da vida – que se processa em arrancos e fugas, entre querer viver a realidade e fugir para o mundo dos sonhos. Na visão de Lafetá, estes dois dilemas se sobrepõem um ao outro e conferem ao romance um equilíbrio entre o projeto estético e o projeto ideológico, sem que um se sobressaia ao outro. A leitura crítica de Ivan Marques também endossa o movimento de báscula de Candido, definindo-o como uma oscilação do personagem entre seu “eu” que deseja a verdade e a ironia desejada pelo outro. Esse movimento é o que ressalta as intensas contradições de Belmiro, sua vontade de entregar-se à vida e pelo oposto, a renúncia à ela.

No que diz respeito à leitura de Schwarz, pode-se dizer que, de certo modo, trava um embate com as leituras de Candido e Lafetá. Focalizando no que considerou ser a inação do protagonista, Candido examina essa característica como o ponto de equilíbrio entre duas forças contrárias: de um lado o lirismo e, de outro, a ironia e o ceticismo. Já Lafetá, vê essa inação como absolutamente relativa, uma vez que ela se dá no nível da realidade – destoando completamente da interpretação de Schwarz, como veremos. Segundo a concepção de Schwarz, a inação de Belmiro possui uma ligação intrínseca com a estratégia adotada pelo narrador-personagem de omitir os fatos, colocando panos quentes em qualquer conflito. Essa omissão desencadeia um grau exagerado de conformismo que se estabelece nos níveis social, amoroso e ideológico, levando o crítico a enquadrar a escrita de Belmiro numa estética da acomodação. Por essa razão, Schwarz encara a imobilidade de Belmiro como um modo de entrar em acordo com o mundo – uma forma negativa de conciliação – desencadeadora de uma inação do personagem que contamina toda a narrativa e, por isso: “Nada leva a nada, – é este o horror do livro”.

No entanto, Lafetá não vê nas palavras de Belmiro uma omissão, mas sim desvios constantes em sua argumentação, que ao desviar-se para temas mais amenos – em contraponto aos questionamentos existenciais que percorrem toda a narrativa –, deseja equilibrar os problemas tão austeros a que alude. O procedimento consiste em apenas esboçar os problemas que posicionam as suas dúvidas diante da realidade conflitante. Outra questão a que esta “inércia” se relaciona – e que é apontada por Marques – é à responsabilidade que assume por dar ao romance uma estrutura circular: “Ela primeiro incita a escrita para depois ser a sua própria substância, e ao fim causar o seu encerramento [...]”. Silviano Santiago viu na inação e no conformismo de Belmiro uma ligação com sua estrutura familiar. O narrador- personagem não herda nenhuma das características marcantes e glorificantes dos pais. Não é delicado e fino como os Maias (família da mãe) e nem viril como os Borbas (família do pai). Ao contrário, Belmiro não se definiu em nenhuma das duas linhagens, tornando-se um indeciso no tempo, na genealogia e, consequentemente, no seu caráter.

Concordamos com a teoria da estética da acomodação de Schwarz, que acentua o conformismo de Belmiro. Contudo, esse conformismo está longe de ser integral, pois ele se manifesta, sobretudo, na omissão de Belmiro de iniciar qualquer tentativa para sair de sua situação de pequeno burocrata. Trata-se de uma inação, se a considerarmos como o plano da ação na realidade objetiva, no mundo real, assim como Lafetá apontou. No entanto, Belmiro não é simplesmente um conformista. Ele apresenta uma relativa inatividade, visto que, mesmo não tomando nenhuma atitude perante a vida, se deixando levar pelos acontecimentos e pelas

forças esmagadoras da realidade, vimos que a ação de Belmiro se concentra no seu processo reflexivo. Como ele mesmo diz: “Em mim, algo destrói sempre os caminhos, por onde se manifestam as puras e ingênuas emoções do ser, e a agitação que me percorre não encontra meios de evadir-se” (ANJOS, 2001, p. 35-6).

Portanto, se no plano da ação Belmiro é um ser que apresenta extrema inatividade, o mesmo não acontece no plano da sua consciência. E é assim que ele chega a um impasse, a que os conformistas não chegam. Sendo assim, acreditamos que Schwarz não está certo ao dizer que em Belmiro há uma “ironia de segundo grau, [que] mal se distingue do conformismo simples”, uma vez que o impasse de Belmiro, exposto no final do romance, não cabe dentro da ironia. Ao contrário, o Belmiro final está desarmado de tudo, reconhecendo a sua impossibilidade de optar por um rumo ou conduta qualquer. Ele sabe que não conseguiu chegar a uma solução para seus dramas e assume isso.

Ainda nos remetendo à estética da acomodação, percebemos que Luís Bueno, Roberto Schwarz e Ivan Marques, convergiram suas leituras na identificação da acomodação como característica fundamental na construção do perfil de Belmiro. Ambos visualizaram a incapacidade de Belmiro de enfrentar uma compreensão real e verdadeira de qualquer situação. Da mesma maneira que Bueno afirmou que Belmiro foge obsessivamente de ir fundo em qualquer divergência, Schwarz assente que o narrador-personagem se abstém de qualquer exame crítico para se poupar, evitando um confronto radical. Segundo Marques, a intenção de Belmiro é de sempre “amenizar as coisas”, agindo como um pacificador – uma consequência desse temperamento do personagem seria a distância que Belmiro instaura entre ele e os conflitos políticos do período. Dessa forma, prevalece a inércia do personagem, que tem explicação em sua preferência pela imersão em seus próprios pensamentos, em detrimento de tomar qualquer atitude.

Para Bueno, a intenção de Belmiro, em sua escrita diária, é apenas tergiversar sobre os assuntos, sem buscar um aprofundamento dos mesmos. Nesse sentido, essas anotações, diariamente relatadas, têm a intenção de agir apenas como um pacificador interno para o personagem, que vê o diário como um modo de mostrar-se olímpico para si mesmo. No entanto, aqui é preciso integrar as dimensões do romance e do diário. As anotações do diário fazem parte do processo que leva Belmiro ao seu impasse final. Nesse viés, a leitura de Bueno do diário como auto ilusão não é convincente.

No que concerne à inserção do Amanuense no cenário modernista, observamos as seguintes inter-relações. Tanto Luís Bueno quanto Silviano Santiago, convergiram suas análises a propósito das diferenças entre a prosa cyriana e a prosa modernista. Ambos veem

na narrativa de Cyro um rompimento com a estética promulgada pelo modernismo de 22. Silviano Santiago credita essa mudança à filiação com a prosa francesa, que é a primeira a reagir contra a “desordem” do movimento vanguardista, disto resultando numa linguagem castiça e num “estilo coloquial e enxuto”. Propondo uma solução complexa para a maneira de representar o outro, como destaca Luís Bueno, temos outra razão para seu afastamento do movimento anterior. Cyro focalizou sua narrativa na preocupação com o indivíduo, em detrimento da sobreposição da linha social. Como o próprio autor afirmou em entrevista: “procurei retratar um indivíduo, não uma classe. Na classe, o indivíduo se perde, e o que me preocupa é o homem, na sua solidão.” (STEEN, 2008, p. 106).

Uma questão importante, levantada por Ivan marques, refere-se à relação que Belmiro estabelece com sua roda de amigos. Para este crítico, essa relação é o reflexo da impossibilidade de Belmiro de estabelecer um vínculo entre seu mundo interior e o mundo exterior. Dessa forma, Marques vê soar como falsa a importância que Belmiro conclama a todo instante a este círculo, uma vez que os amigos seriam projeções do próprio Belmiro. Destarte, Belmiro só escreveria sobre os amigos, no intuito de realçar a si próprio. Todavia, questionamos, será verdadeira essa suposição? Vemos que Belmiro se interessa pelos outros, a ponto de espionar seus diários. Além disso, vimos que a relação que Belmiro trava com seus amigos é de suma relevância para o desenvolvimento de seu perfil humano.

E ainda, como já ressaltamos no capítulo 2 de nosso estudo43, os perfis dos amigos de Belmiro, assim como os perfis de amigos apresentados pelo narrador de A menina do sobrado, podem ser lidos como representações de posturas intelectuais do contexto de 1930. Da mesma maneira que, os próprios narradores também refletem essas posturas, que convergem com os relatos de Drummond a esse respeito. Desse modo, a relação que traçamos sobre as opções políticas e intelectuais da geração mineira da década, assinala a convergência dos traços que a caracterizam, segundo os prismas de Drummond e Cyro dos Anjos. Sendo assim, é evidente a importância que os amigos assumem para o narrador de O Amanuense, na medida em que cumprem este objetivo formal e ideológico.

Nesse contexto, também se inserem as relações estabelecidas por alguns críticos entre a homologia presente entre o narrador-personagem do romance e o intelectual de 1930. Segundo a posição de Antônio Candido, a relação entre o narrador-personagem do romance e o intelectual brasileiro se estabelece na medida em que ambos vivem uma mesma situação: a realidade sufocante que os impede de adotar qualquer posição, levando-os a engendrar _____________

processos de abstração dessa realidade, como a contemplação excessiva do passado, o excesso de reflexão, introspecção e prática filosófica. Já Luís Bueno diverge da posição de Candido, ao apontar para a impossibilidade de ambos se isolarem do momento conflitante. Nesse sentido, a escrita do diário indicaria a impossibilidade de se estar à margem dos acontecimentos do período. Outro argumento apontado pela leitura de Antônio Candido, fora a discussão sobre o destino desejado pela sociedade para o intelectual, de confinamento à introspecção, diante de um período sufocante e rico em dialéticas. A perspectiva desse crítico indica a visualização dos conflitos vividos por Belmiro como análogo aos vividos pelos intelectuais. Do mesmo modo que Lafetá vê nos embates internos do narrador-personagem, a representação dos conflitos do homem moderno.

Essa perspectiva movera a análise que empreendemos no capítulo 2, aliada à hipótese de ver as ideologias filosófico-políticas dos personagens do Amanuense como reflexo do momento intelectual do contexto de 1930. Também vimos como estes momentos de tensão levaram os escritores a pensar sobre os problemas desse contexto e as soluções possíveis para encará-los, sobretudo, com o entendimento de Drummond acerca desse processo, retratado em Confissões de Minas. Assim, em nossa abordagem, Drummond e Cyro retratam as suas dúvidas sobre qual seria a atitude a ser tomada diante da vida, diante dos insolúveis problemas de seu tempo. Nossa abordagem põe em cheque a afirmação de Bueno de que só com o distanciamento dos anos de 1930 é que fora possível ler o Amanuense como uma possibilidade de representação que o intelectual fizera de si mesmo. Não apenas esta, mas também a afirmação de Bueno de que Cyro só conseguiu construir um panorama de sua linhagem e de seu passado em A menina do sobrado. Essas afirmações podem ser contestadas se levarmos em conta todos os comentários que fizemos, quando realizamos uma abordagem comparativa das duas obras.

Ao longo de todo o capítulo 2 de nosso estudo, ficou bastante evidente que o Amanuense se constrói partindo do panorama exposto em A menina do sobrado. Ademais, como vimos, Cyro e Drummond foram capazes, na época de 30, de constatar os dilemas e as alternativas que se apresentavam aos intelectuais em sua própria época. Este viés também é reforçado pela leitura crítica de Gledson, posto que afirme a inação de Belmiro como expressão da dissolução de seu espírito, razão que o tornou incapaz de agir no plano do real. Sendo esta dissolução a mesma a que Drummond se refere para retratar um estado de espírito – o “brejo das almas” –, comum à década de 1930. Convergente também é a leitura crítica de Marques, mas não se restringe à relação entre Drummond e Cyro, posto que aponte a unicidade entre todo um grupo de escritores mineiros, que partilham certa inaptidão e inércia

em relação aos problemas da década de 1930 – caracterizando uma espécie de crônica geracional no modernismo de Minas. O gauchismo de Belmiro seria reflexo das tensões estéticas e históricas vividas nos anos de 1930 e que são comuns a este grupo.

Nessa configuração do perfil do narrador-personagem que converge com o perfil do intelectual, vimos que a “inércia” e imobilidade são um traço comum. Todavia, outro traço comum é o papel que o funcionalismo público desempenha nesta configuração. Segundo Gledson, o sentimento de imobilidade do intelectual está expresso no Amanuense, e o cargo público e burocrático que o narrador-personagem ocupa é o símbolo maior dessa imobilidade. Para Ivan Marques, o ambiente burocrático fora essencial para compor o universo que ressalta a indecisão e imobilidade de Belmiro. A burocracia convém para quem vê na escrita a única possibilidade de vida e, não por acaso, a maioria dos grandes escritores tinham o funcionalismo público como profissão – como é o caso de Cyro e Drummond. Todavia, é preciso assinalar que, num país sem leitores e inciativas culturais, o funcionalismo público é a única opção para o escritor brasileiro, nessa época. Schwarz, em 1964, já estabelecera essa correlação, vendo na burocracia a maneira de garantir ao personagem que ele possa oscilar entre os vários opostos e permaneça em estado de dúvida. Por essa razão, a Seção do Fomento lhe cai como uma luva.

Já apontamos essas observações no capítulo 244, acerca da relação entre o ofício de Belmiro e a sua constituição psicológica. De acordo com Pécora, a ironia residente no nome de sua repartição consiste na burocracia, que alimenta o ócio de Belmiro, ou melhor, alimenta a possibilidade de viver através da literatura, assim como vários dos escritores brasileiros. Assim sendo, percebemos que o funcionalismo público endossa o perfil do narrador-personagem, tanto quanto o perfil dos intelectuais. E como já dissemos, este ofício se revela como única opção para aquele que quer se manter escritor. Nesse momento, trataremos das relações estabelecidas no modo como cada leitura crítica trata da constituição do diário de Belmiro. A maioria das leituras aqui expostas converge no que diz respeito à função que o diário assume para o narrador-personagem. Para Antônio Candido, o diário constitui-se como um modo de autoanálise pelo qual o narrador-personagem buscará o seu equilíbrio. Da mesma maneira, Lafetá vê na escrita do diário a necessidade de Belmiro em processar a realidade através da autoanálise. No entanto, vimos que Schwarz ressaltou as várias omissões praticadas por Belmiro nessa autoanálise.

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Além dessas acepções, Gledson destaca também que o diário de Belmiro, além da necessidade de análise de si mesmo, apresenta a necessidade de análise do meio, provando a sua crença na escrita como expressão e conhecimento de si, mesmo quando ironiza esse processo. Para Bueno, o diário é um modo de inserção no mundo e, de certa forma, tentar fixar o presente, para que a realidade se torne menos árdua. Escrevendo o presente, este se tonaria uma espécie de passado, menos complexo e mais aprazível. A mesma associação é feita por Pécora, pois para este crítico, a escrita é a tentativa empreendida por Belmiro de combater a realidade e não se curvar ao impossível que prefigura a rememoração de seu passado. No mesmo sentido, caminha Silviano Santiago ao propor o diário como forma de estruturação simbólica da realidade para que, desse processo, o narrador-personagem possa fugir do contato com o real. É também, assim como os demais já apontaram, uma necessidade de existir através da reflexão. Além disso, Ivan Marques apresenta o diário como modo de “masoquismo espiritual”, no qual Belmiro tem a intenção de submeter-se ao rigor de sua própria crítica. No entanto, vemos que, além de autoflagelação, o diário também funciona como confissão e, também, como meio de exibição.

De acordo com as acepções aqui apontadas sobre a função do diário, fica evidente que este não cumpre apenas um objetivo. Assim, acenamos no capítulo 3 de nosso estudo45, para o fato de que o diário, na verdade, cumpre várias funções dentro da narrativa. Ele é uma espécie de preparação para o projeto de memórias, desejado pelo narrador-personagem; põe em evidência a necessidade de escrever e de acompanhar o fluxo do tempo; é um modo de isolamento e fuga da realidade, através de um exame de consciência; é um meio de busca de equilíbrio; e é também uma possibilidade vislumbrada pelo “eu” de preparar-se para uma ação no plano da realidade. Em resumo, o diário assume várias funções, que muitas vezes são contraditórias. Cabe ressaltar que, diante da riqueza de empregos que o diário cumpre no romance, pode-se perceber a limitação da leitura de Schwarz a esse respeito, uma vez que o crítico viu no diário apenas um gênero capaz de mostrar o que encara como limitações da narrativa e do herói, sem nenhum prejuízo. O que vimos vai muito além disso.

Com relação à leitura de Pécora, cabe fazermos uma distinção acerca de sua afirmação de que O amanuense apresenta uma construção narrativa em que as oposições e dilemas vividos pelos personagens produzem o efeito de “um insolúvel de gêneros dentro de gêneros bem conhecidos como o romance, o diário e o memorial”. Nossa interpretação parte de um prisma bastante divergente. Não consideramos que a obra seja um insolúvel de _____________

gêneros, mas sim que diário e memorial formam uma combinação de gêneros que a estrutura do romance, como gênero aberto, permite. Nosso encaminhamento interpretativo se baseia em Bakhtin, para o qual o romance permite a incorporação de outros gêneros. Desse modo, fica evidente que quando Pécora enumera os gêneros, acaba por desconsiderar as formulações de Bakhtin – já explicitadas no capítulo 1 de nosso estudo – sem confrontá-las. De acordo com Bakhtin, o romance constitui-se como um gênero aberto e inacabado, que por estar em constante transformação, não possui uma ossatura rígida e calcificada.

Outra relação com as formulações de Bakhtin, encontramos em sua afirmação de que o romance é a possibilidade que Belmiro toma para si para dar conta de sua existência no presente, sendo este o tempo complexo e inacabado. Com efeito, o tempo do inacabado remete ao inacabamento semântico que Bakhtin confere ao romance. Segundo este teórico, o inacabamento semântico é a característica essencial que o romance adquire como único gênero do presente inacabado. Logo, o romance é o gênero associado ao curso da realidade, por isso, em constante evolução. Assim sendo, Bakhtin justifica a modificação essencial que o romance propõe à representação do homem, que por ser matéria deste gênero inacabado, será apresentado como um ser complexo, incapacitado de plena realização. Todos os seus aspectos subjetivos ganham relevância em sua exposição no gênero romanesco.

Gênero que adaptado ao presente e ao seu inacabamento está sempre aberto à experimentação e “que melhor representa a experiência da vida diária, o que justifica a utilização consciente da multiplicidade de linguagens e consequente heterogeneidade” – justificando, desse modo, a sua abertura ao diário e ao memorial e sua incorporação na