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CAPÍTULO I – LEITURA E ESCRITA: ENTRE O PASSADO E O PRESENTE

1.4 A democratização do ensino brasileiro: histórias da História

1.4.4 De 1964 a 1983

Entre 1930 a 1964, as relações entre os modelos político (getuliano-populista) e econômico (de expansão industrial), no Brasil, mantinham certo equilíbrio interno, embora este último estivesse assentado sobre a dependência aos países industrializados, especialmente os EUA e sobre o apoio das forças armadas. No entanto, com a intensa penetração do capital internacional na economia brasileira, esse equilíbrio se rompeu e compôs um cenário tal, que, no início de 1964, recheado de contradições, levou a um impasse relativo à definição dos rumos a serem tomados para a condução do processo de desenvolvimento do país. Houve, então, uma polarização das forças esquerdistas e direitistas, solucionada com a imposição da opção pela direita, por obras das lideranças do movimento de março de 1964, que puseram fim à busca por caminhos alternativos às propostas conservadoras nos campos econômico, político e educacional.

O modelo de desenvolvimento econômico brasileiro, imposto por força do Golpe de Estado de 64, visava à modernização do país, que se expressava pela integração

centro-periferia e dominação em âmbito interno e externo. Em outras palavras, visava, antes de tudo, favorecer a uma pequena minoria interna – a elite –, economicamente privilegiada, cujos interesses se casavam com os objetivos dos países desenvolvimentos, especialmente o dos EUA, de transformar os países do “terceiro mundo” – para utilizar uma expressão da época – em grandes mercados consumidores.

O novo regime, num primeiro momento, não demonstrou perceber a educação como fator de desenvolvimento, tendo, pela repressão, apenas contido os movimentos sociais nessa direção, e, traçado, de imediato, uma política de recuperação econômica do país, na qual a educação não se constituía uma preocupação. Todavia, os resultados alcançados, no setor econômico, aumentaram a demanda social por educação – que, por sua vez, produziu um agravamento da crise do sistema educacional que já vinha de muito tempo.

Essa crise educacional, apesar do regime ditatorial, insistia em expressar-se em âmbito nacional e foi utilizada como justificativa para as reformas educacionais desse período, que atingiram não só o ensino primário, mas também o ensino superior – este com especial atenção, as quais foram levadas a efeito sob orientação/intervenção dos USA, por meio dos “Acordos MEC-USAID”. Sobre esses acordos, firmados entre 1964 e 1968, Cunha e Góes (1985, p. 33) afirmam:

Os acordos MEC-USAID cobriram todo o espectro da educação nacional, isto é, o ensino primário, médio e superior, a articulação entre os diversos níveis, o treinamento de professores e a produção e veiculação de livros didáticos. A proposta USAID não deixava brecha. Só mesmo a reação estudantil, o amadurecimento do professorado e a denúncia de políticos nacionalistas com acesso à opinião pública evitaram a total demissão brasileira no processo decisório da educação nacional.

A reforma universitária, consubstanciada pela Lei 5.540/68, contou com o suporte de conjunto de dispositivos legais que, combinados, levaram ao enfrentamento da crise, pela via da supressão, da contestação, cuja implementação deu-se sob a proteção legal do Ato Institucional nº 5, – o conhecido AI-5 que tirava do cidadão as garantias

individuais, tanto públicas como privadas – e do Decreto-Lei 477, que coibia qualquer manifestação de caráter político ou de protesto por parte de professores e alunos. A despeito disso, houve uma expansão das vagas no ensino superior, cujo processo se desenvolveu com base nos critérios da racionalidade, pressupondo o controle quantitativo dessa expansão e o direcionamento das áreas do ensino a serem priorizadas.

Nesse momento, sob a aparente modernização/racionalização do ensino superior, estruturou-se, de fato, uma real funcionalidade política da reforma universitária, por meio da qual as instituições perderam a oportunidade de interferir nos resultados de sua própria produção ou de controlá-los. Esse processo tornou a universidade mais rígida e conservadora do que antes, além de ter-lhe furtado a autonomia.

É relevante destacar que, nesse período, em nome da ampliação de vagas no ensino superior, houve um movimento do Governo Federal, por atos administrativos e legais, no sentido de facilitar a expansão do ensino superior privado que, na maioria das vezes, foi subsidiado pelo poder público, indiretamente, por meio de abatimentos permitidos em imposto de renda, ou diretamente, na forma de recebimento de recursos públicos.

A reforma do então 1º e 2º Graus teve como emblema principal a supressão do “exame de admissão”, uma vez que, unificando o antigo primário e o ginásio, viabilizou a gratuidade e obrigatoriedade do ensino aos alunos de 7 a 14 anos. Essa medida teve grande impacto social, posto que esse exame, realizado ao final de apenas quatro anos de escolaridade, representava o gargalo de um sistema educacional seletivo, tantas vezes, metaforicamente, representado pela figura de um funil.

Para o cumprimento dessa regra, houve uma reformulação em toda a estrutura do sistema de ensino, tanto em seus aspectos físicos e materiais, como na questão curricular. Todavia, é importante lembrar que por trás dos objetivos explícitos, essa reforma guardava objetivos implícitos, alguns deles previstos nos acordos MEC- USAID, entre os quais, podemos destacar a profissionalização obrigatória no então ensino de 2º Grau, que, pelo seu caráter terminal visava conter a demanda por

vagas no ensino superior; e a obrigatoriedade do Ensino de Educação Moral e Cívica, servindo aos interesses ideológicos do governo autoritário. Cunha e Góes (1985, p. 65) bem explicitam essas questões:

O papel da nova disciplina seria preencher o “vácuo ideológico” deixado na mente dos jovens para que não fosse preenchido pelas “insinuações materialistas e esquerdistas”.

A educação moral e cívica seria a maneira da escola suprir essa deficiência da educação familiar. [...] Ela deveria ser uma prática educativa, visando “formar nos educandos e no povo em geral o sentimento de apreço à Pátria, de respeito às instituições [...] (p. 74).

Essa demanda se dirigia às instituições públicas, por serem gratuitas (ou quase), já que os jovens das camadas médias procuravam caminhos para minimizar os custos de seus projetos de ascensão social. Mas o governo instalado pelo golpe de Estado não se dispunha a servir aos projetos das camadas médias. [...] Os dirigentes do Estado temiam que, se o número de formados aumentasse muito, estes não encontrariam empregos compatíveis com suas expectativas de ascensão social [...] O que aqueles conservadores homens do poder temiam é que esses “desajustados profissionais” se transformassem em agressivos contestadores do regime.

O fracasso da profissionalização compulsória, no 2º grau, não demorou a ficar evidenciado, visto que não contou com recursos, materiais ou humanos, para se transformar: comprometeu a organização anterior do curso e não alcançou plenamente seus objetivos explícitos ou implícitos. As resistências à profissionalização fortaleceram-se quando o “milagre econômico” entrou em crise, gerando uma tensão tal que obrigaram a uma reinterpretação da Lei de Diretrizes e Bases, a fim de justificar um recuo das forças autoritárias, que se concretizou por meio da supressão da obrigatoriedade da profissionalização no ensino de 2º grau, pela edição da Lei 7.044/82.

Outro grande fracasso do governo militar foi o fato de não reduzir o índice de analfabetismo de 33% para 5%, como era sua meta. O Movimento Brasileiro de Alfabetização de Adultos (MOBRAL), implementado pela esfera federal, em 1971, com essa finalidade, apesar de ter despertado, inicialmente, grande entusiasmo e de ter absorvido enormes recursos financeiros e administrativos, não foi capaz de solucionar o problema do alto índice de analfabetismo que criava constrangimentos para o país.

Se, por um lado, a perda da qualidade de ensino, tem sido apontada como a principal consequência das reformas educacionais implantadas durante o regime militar, por outro, há interpretações diferentes dessa realidade, que afirmam ter ocorrido, de fato, a democratização do sistema educacional brasileiro, por meio da extensão da gratuidade/ obrigatoriedade do ensino de quatro para oito anos, trazendo para a escola a imensa maioria de crianças oriundas das camadas populares.

À medida que o tempo avança e traz o distanciamento histórico em relação ao período imediatamente posterior à ditadura, vão se tornando possíveis novas análises que, menos apaixonadas, são capazes de inventariar os ganhos e perdas que essas reformas educacionais desencadearam. No entanto, elas não deixam de registrar que as forças conservadoras do Brasil, ainda que sob a aparência inovadora, têm conseguido se mobilizar a fim de responder às demandas educacionais, de maneira tal, que a característica mais marcante do sistema educacional brasileiro, a dualidade, tem sido mantida.