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CAPÍTULO I – LEITURA E ESCRITA: ENTRE O PASSADO E O PRESENTE

1.4 A democratização do ensino brasileiro: histórias da História

1.4.1 De 1920 a 1935

Os anos 1920 e 1930 podem ser identificados, em educação, como referência histórica fundamental, apresentando-se, na memória brasileira educacional, como uma época heróica. De fato, é inegável que se trata de um grande momento educacional, nascido do processo de modernização geral da sociedade brasileira, iniciado em consequência da Primeira Guerra Mundial. O grande debate em torno da educação que ocorreu nesse período tem como pano de fundo o antagonismo entre o capitalismo, representado pelos Estados Unidos da América (USA) e o socialismo, pela Rússia, ou União Soviética (URSS), cuja fórmula de consenso, inicialmente, foi encontrada na necessidade de modernização do país.

Pode-se afirmar, ainda, que, a partir de 1922, em virtude do centenário da independência, instalou-se um clima de estudos e discussões críticas acerca do Brasil, contexto no qual se insere a Semana de Arte Moderna, que focaliza a situação da cultura brasileira, buscando libertá-la dos padrões externos, especialmente dos europeus. Nesse clima de efervescência, as ideias dos reformadores educacionais vieram acompanhadas, ou acompanhando, as ideias dos participantes da Semana de Arte Moderna, aproximando, inclusive, alguns de seus participantes.

Os educadores brasileiros envolveram-se nesse processo de modernização da sociedade, e, ao se organizarem para discutir e formular propostas pedagógicas para a renovação do ensino no Brasil, constituíram-se pela primeira vez como uma categoria profissional autônoma. Assim, associados a outros grupos de intelectuais, esses educadores criaram, em 1924, a Associação Brasileira de Educadores (ABE) que funcionava como um fórum de debates livre e qualificado que também cumpriu função crítica e combativa em relação ao governo estabelecido. Essa atuação

representou um passo importante em direção à estruturação de uma política nacional de educação, regulada a partir do poder central.

A partir de 1927, a ABE realiza uma série de Conferências Nacionais de Educação. É sempre oportuno frisar o papel extremamente importante que a ABE teve na história contemporânea da educação brasileira, por ter, através reuniões, conferências e documentos, contribuído para demarcar a autonomia da esfera educacional. Entre os documentos, o mais famoso é, sem dúvida, o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova de 1932. (BUFFA & NOSELLA: 1997, p.61).

Assim, a Revolução de 1930 deu início a um processo de regulação nacional da educação, tendo sido estabelecidas normas que iriam determinar a homogeneização dos diversos níveis de ensino e a formação dos agentes do sistema. A criação do Ministério da Educação e Saúde, ainda em 1930, marcou, institucionalmente, essa nova fase, em que também foram criados o Conselho Nacional de Educação e o Conselho Consultivo do Ensino Comercial, com a missão de estabelecer as diretrizes para o ensino, em todos os seus níveis, e de promover sua unificação a partir do poder central.

A despeito do que pode parecer à primeira vista, esse contexto não implicou a concretização dos ideais dos Pioneiros, visto que, muito ao contrário, o processo econômico implantado, a partir da Revolução de 1930, destruiu os seus sonhos educacionais, inclusive com o desmantelamento do sistema, ainda nascente, de educação, implantado por Anísio Teixeira.

As lutas ideológicas em torno da educação, que marcaram todo esse período, foram acirradas em 1930, justamente por causa do conteúdo das reformas educacionais iniciadas pelo governo de Getúlio Vargas, as quais feriam alguns dos princípios professados pelos educadores integrantes do movimento renovador de educação, entre eles o da laicidade no ensino. Tal fato levou à formação de dois grupos que se opunham mutuamente: o do movimento renovador, por um lado, e o dos que, em sua maioria, católicos, combatiam as ideias reformistas: laicidade, obrigatoriedade do Estado de assumir a função educadora e co-educação, por outro.

Todavia, apesar da consistência do movimento reformador, acumulavam-se, sem objetividade, diversas doutrinas educacionais, gerando uma falta de definição no campo teórico, que ficou exposta, quando reunidos em 1931, na IV Conferência Nacional de Educação. Os membros do movimento reformador não conseguiram elaborar as diretrizes para uma política nacional de educação, com sagacidade, solicitada pelo então Presidente Getúlio Vargas.

Diante disso, os líderes desse movimento decidiram tornar precisos e públicos seus princípios através de documento dirigido ao povo brasileiro e ao governo: o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”. Esse documento, publicado em 1932, com grande repercussão, além de definir a ideologia dos reformadores, aprofundou o debate que perdurou pelos anos que seguiram, inclusive por ocasião da elaboração dos projetos das Constituições de 1934 e 1937.

Apesar da importância histórica desses debates, alguns estudos apontam para o fato de que centrados, em grande parte no Movimento da Escola Nova, continham, além de ideias progressistas, certa ingenuidade ou idealismo, visto que se sustentavam sobre a premissa de que a educação, por si mesma, produziria as transformações necessárias à sociedade brasileira:

[...] este idealismo se expressa em duas formas principais: evolucionismo econômico e ingenuidade política. De fato, existia entre os educadores um pressuposto generalizado de que o desenvolvimento econômico apoiado na nascente industrialização levaria, fatalmente, a uma crescente democracia econômica, suporte necessário às propostas renovadoras. Não pensaram que o capital industrial, antes mesmo de se generalizar homogênea e racionalmente no país, pudesse ser atropelado pelo capital financeiro monopolista, produzindo graves desequilíbrios sócio-econômicos [...] (BUFFA & NOSELLA: 1997, p.65).

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, coerentemente com o que pedia o momento histórico, afirma a educação como um direito, cuja garantia deveria ser dada pelo Estado, fazendo, portanto, uma reivindicação em prol da escola pública, ao apresentá-la, pela primeira vez, como um problema social. O documento ainda

preconiza as mudanças de métodos educacionais com fundamentação nos novos conhecimentos da Psicologia.

Vemos então, que, antes de tudo, o Manifesto refere-se a uma tomada de posição ideológica, que sintetiza as necessidades educacionais/sociais de um momento histórico, sob a perspectiva dos educadores, sem, no entanto, questionar a nova ordem que ia se implantando, o que não diminuiu as importância histórica desse ato:

Representa, portanto, a reivindicação de mudanças totais e profundas na estrutura do ensino brasileiro, em consonância com as novas necessidades do desenvolvimento da época. Representa, ao mesmo tempo, a tomada de consciência, por parte de um grupo de educadores, da necessidade de se adequar a educação ao tipo de sociedade e à forma assumida pelo desenvolvimento brasileiro da época. É a tomada de consciência da defasagem já então existente entre educação e desenvolvimento e comprometimento do grupo numa luta pela redução dessa defasagem.” (ROMANELLI: 2005, p.150).

Na esteira dos acontecimentos, a Constituição de 1934 apresenta pontos contraditórios em relação à educação, resultantes da tentativa de conciliar interesses antagônicos de católicos e escolanovistas, e confirma, pela primeira vez, a responsabilidade do Estado pela oferta obrigatória e gratuita da escola primária – embora não tenha sido capaz de impedir a contínua violação desse direito.

As ações do Estado que, pela cooptação e pela repressão, esvaziaram o debate institucional dos educadores, acabaram elaborando um novo debate, desta vez não institucional e não inscrito no Estado. Esse debate aproximou-se das alternativas socialistas e ganhou espaço entre os educadores e a sociedade civil. Tratava-se de uma crítica radical ao Estado brasileiro que resultou em movimentos, tais como: o Movimento Tenentista, a Coluna Prestes, a fundação da Associação Trabalhista e da Aliança Nacional Libertadora e a realização da Intentona Comunista, tendo esta – que serviu de justificativa para o desencadeamento de repressão política de Getúlio Vargas, atingindo também os educadores. Encerrou-se, assim, em 1935, o debate educacional iniciado pelos Pioneiros.