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CAPÍTULO I – LEITURA E ESCRITA: ENTRE O PASSADO E O PRESENTE

1.4 A democratização do ensino brasileiro: histórias da História

1.4.5 De 1983 aos dias atuais

O processo de abertura democrática foi lento e gradual, com início no governo Geisel, levando à anistia política. Nesse contexto, veio o fim do bipartidarismo e, na década de 1970, os movimentos populares e sindicais tomaram fôlego, para, em 1985, por eleições indiretas, ocorrer a escolha do primeiro presidente civil desde 1964: Tancredo Neves. Foi um fato importante no cenário da política nacional, mas, em virtude de sua morte, Tancredo Neves fora substituído por José Sarney, que cumpriu o mandato até o final.

Na sequência dos acontecimentos, a promulgação da Constituição de 1988 marcou o restabelecimento da democracia brasileira. O movimento “Diretas Já” culminou com a realização de eleições, que por voto direto, em 1989, conduziram Fernando Collor de Mello, candidato da direita progressista, ao poder; o movimento dos “Caras Pintadas” forçou a abertura de um processo de impeachment, que não se

concretizou em virtude da renúncia do então Presidente Collor, o primeiro eleito por voto popular desde 1964.

Nesse contexto, no qual a economia nacional passava por uma série de reformas, por meio dos chamados “Planos Econômicos”, visando à estabilização do país nessa área, a elaboração de uma nova Constituição e, consequentemente, de uma nova Lei de Diretrizes e Bases, canalizou o debate educacional.

No processo de redemocratização política, especialmente entre o final da década de 1970 e o ano de 1991, a sociedade civil brasileira buscou reorganizar sua representação por meio das entidades existentes e, também da criação de outras, tais como a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação (ANPED), em 1978, o Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), em 1978, a Associação Nacional de Educação (ANDE), em 1979, que, conjuntamente, assumiram a organização de um importante ciclo de Conferências Brasileiras de Educação (CBE)2. Naquela conjuntura, ainda contrária aos movimentos sociais, a realização dessas conferências representou uma retomada da luta pela educação pública e gratuita, direito de todos e dever do Estado.

Nessa direção, também foi criado, em 1986, o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP), cuja primeira grande tarefa foi contribuir com o processo constituinte (1986/1988), quando promoveu mobilizações em torno desse tema. Assim, o tratamento que a educação recebeu, na Carta Magna de 1988, reflete, em alguma medida, as demandas sociais relativas à educação que, naquela ocasião, já se mostravam mais abrangentes e diversificadas, em virtude da importância que esse direito passou a ter no interior dos movimentos da sociedade civil, trazendo à tona as primeiras discussões em torno da qualidade da educação O relatório do PREAL e Fundação Lemann (2009) ressalta essa questão – a da qualidade na educação – que emerge no texto constitucional de 1988 e em emenda posterior:

2São elas: I CBE, 1980

– São Paulo; II CBE, 1982 – Belo Horizonte; III CBE, 1984 – Niterói; IV CBE, 1986 – Goiânia; V CBE, 1988 – Brasília e VI CBE, 1991 – São Paulo.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a “garantia de padrão de qualidade como um dos princípios norteadores do ensino no país e a Emenda constitucional 53 de 2006 diz que a União, estados e municípios deverão assegurar a melhoria da qualidade da educação por meio do financiamento, com padrão mínimo definido nacionalmente. (PREAL e FUNDAÇÃO LEMANN: 2009, p. 45).

O FNEP também atuou, de forma decisiva, em outro momento importante para a política educacional brasileira: o da elaboração e tramitação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), tendo, inclusive, se antecipado ao Governo Federal, quando, em 1988, apresentou um projeto de lei ao Congresso Nacional, cujas propostas são sintetizadas por Bolimann (2010, p.660):

Esse PL foi intensamente discutido com os educadores brasileiros, com a finalidade de serem contemplados conteúdos que expressassem os princípios e conquistas da sociedade civil - concepção de educação pública gratuita, laica, democrática e de qualidade social, como direito de todos e dever do Estado, em cumprimento ao compromisso do resgate da imensa dívida social para com a educação da população de baixa renda, acumulada nos diferentes governos e divulgada pelos dados de órgãos oficiais como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A construção democrática dessa LDB foi descontinuada pela apresentação intempestiva, em fevereiro de 1975, do projeto de lei substitutivo do senador Darcy Ribeiro. A despeito de ignorar o trabalho coletivo das muitas entidades que integravam o FNEP e também dos parlamentares que apoiavam sua proposta, o substitutivo Darcy Ribeiro foi aprovado. Nascia a LDB nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996.

É necessário que se destaque que o FNEP, na década de 1990, representando parcela significativa da sociedade civil, configurou-se como espaço de síntese das discussões oriundas da sua crescente mobilização em torno educação, tendo sido incumbida de elaborar, por estratégias democráticas, uma Proposta de Plano Nacional de Educação. Após dois anos de discussão, em 1997, como resultado do

trabalho, concluído no I Congresso Nacional de Educação (CONED), foi apresentado o “Plano Nacional de Educação – Proposta da Sociedade”.

No entanto, esse movimento histórico em direção ao resgate do papel da sociedade brasileira na elaboração de propostas para a educação, sofreu um grande revés quando o Governo Federal apresentou um novo projeto de lei para o Plano Nacional de Educação, elaborado por processos menos participativos, que, apesar disso, alcançou aprovação em janeiro de 2001 (Lei nº 10.172):

A inesperada ação da sociedade forçou o governo Fernando Henrique Cardoso – que, como os fatos viriam a demonstrar, apesar da determinação constitucional e da LDB, não se interessava em nenhum PNE – a desengavetar o seu plano e encaminhá-lo em 11/2/98 à Câmara, onde tramitaria, de modo sui generis, como anexo ao PNE da Sociedade Brasileira, sob o número 4.173/98. (http://www.cedes.unicamp.br).

A despeito desses fatos, a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), em 2001, indicou o processo de mudanças positivas em que as políticas públicas de educação brasileiras vinham sofrendo, desde meados da década de 1990. Esse processo de mudanças passou pela quase universalização do acesso ao ensino fundamental, que foi bastante estimulado por iniciativas, como a criação do FUNDEF/FUNDEB; implementação de programas de transferência de renda, condicionada à matrícula e frequência à escola de crianças e adolescentes, entre eles, o Bolsa Escola/ Bolsa Família; e implementação de sistemas de Avaliação do Ensino: SAEB/ Prova Brasil, entre outras.

Embora as políticas públicas de educação adotadas, nos últimos quinze anos, tenham gerado críticas acirradas, os avanços obtidos são inegáveis, especialmente, se comparados aos pífios resultados encontrados na década anterior. Nesse contexto, merece destaque os sistemas de avaliação externa de larga escala que, a despeito das inconsistências ainda apresentadas, possibilitaram, pela primeira vez, no Brasil, a análise da produtividade do seu sistema educacional e as consequentes intervenções do poder público.

Ao longo desses anos, as avaliações externas foram sendo corrigidas/aperfeiçoadas, de modo que, além de cumprir seus objetivos básicos, também permitiram/incentivaram a elaboração do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), cujo objetivo, antes de tudo, foi o de promover a melhoria da qualidade da Educação Básica, por meio da conjugação de esforços da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em regime de colaboração, das famílias e da comunidade. Esse plano abriga 30 (trinta) ações do Governo Federal em prol da qualidade da educação, fato que levou à grande aceitação, conforme explicita Saviani (2007, p. 1242):

Em sentido positivo, a singularidade do PDE se manifesta naquilo que ele traz de novo e que, portanto, não fazia parte do PNE e também não se encontrava nos planos anteriores. Trata-se da preocupação em atacar o problema qualitativo da educação básica brasileira, o que se revela em três programas lançados no dia 24 de abril: o “Índice de Desenvolvimento da Educação Básica” (IDEB), o “Provinha Brasil” e o “Piso do Magistério”.

O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação constitui-se em um pilar do PDE, razão pela qual os dois foram apresentados, simultaneamente. Na realidade, este Plano de Metas do Governo Federal assumiu a nomenclatura e a agenda do movimento Educação Compromisso de Todos, o qual fora lançado em 2006, como uma iniciativa da sociedade civil. No entanto, para Saviani (2007), essa iniciativa diz respeito somente a uma parcela da sociedade civil, qual seja, um aglomerado de grupos empresariais que, por seus representantes, procura, por um lado, responder ao desafio do Ministro de Educação de contribuir com a melhoria da educação, e por outro, promover um ajuste dos processos formativos à demanda de mão-de-obra e aos perfis de consumidores desejáveis às empresas.

Apesar disso, o autor reconhece como positivo o fato de um grupo de empresários defender melhorias para a educação nacional, alertando, no entanto, que a proposta, tal como apresentada, geraria, em longo prazo, problemas incontornáveis para os poderes públicos, razão pela qual aponta a necessidade de seu ajustamento à realidade do país.

O Compromisso Todos pela Educação estabeleceu 5 (cinco) metas de desempenho educacional, a serem cumpridas até 2021 - divulgadas em 2022: 1. Todas as crianças e jovens de 4 (quatro) e 17 (dezessete) anos deverão estar na escola; 2. Toda criança de 8 (oito) anos deverá saber ler e escrever; 3. Todo aluno deverá aprender o que é apropriado para sua série; 4. Todos os alunos deverão concluir o ensino fundamental e o médio; 5. O investimento necessário na educação básica deverá estar garantido e bem gerido.

Nesse contexto, vemos iniciativas em direção ao cumprimento dessas metas, tanto pelo movimento, quanto pelo Governo Federal – que, no próprio ato de lançamento do Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação, em 2007, por meio de portaria MEC nº 10, instituiu a avaliação de Alfabetização, a “Provinha Brasil”, a fim de tornar exequível a meta número 2 (dois) do movimento Compromisso de Todos pela Educação. Essa avaliação visa atingir uma etapa específica da Educação Básica, num aspecto também específico, o desempenho em leitura de crianças de 6 (seis) a 8 (oito) anos, complementando a avaliação efetuada por meio da “Prova Brasil”, aplicada desde 2005.

O “Provinha Brasil” procura interferir na qualidade da educação, incidindo sobre um momento reconhecido como fundamental do processo de aprendizagem escolar que, no entanto, pode ser questionada sob o aspecto técnico, assim como a própria meta, pois juntas fixam o limite de dois anos para que as crianças sejam alfabetizadas e avaliadas acerca dessa competência. Tal questionamento refere-se à concepção de alfabetização que sustenta essas iniciativas, tida como mera decodificação do código linguístico, cujo teor é explicitado em Saviani (2007, p.1246):

Mas é ilusão pensar que a alfabetização é apenas um momento inicial do processo de aprendizagem, acreditando-se que ela se completa ao final do primeiro ou do segundo ano do ensino fundamental. Nessa fase inicial, as crianças podem chegar a dominar os mecanismos da linguagem escrita. Mas reconhecer as estruturas formais da língua não é ainda incorporá-las. Ao final do primeiro ou do segundo ano é possível que as crianças as reconheçam. A incorporação, porém, vai se dar mediante o conjunto do currículo escolar, num trabalho pedagógico que se estende pelos anos subsequentes.

Esse panorama permite identificar que a qualidade da educação, no Brasil, é o tema do momento, posto que vem mobilizando atenção e esforços dos mais diversos setores da sociedade, levando, em muitos casos, à interpretação de que a questão da quantidade já foi superada, o que não corresponde exatamente à realidade. Segundo Veloso (2009), o Brasil tem um desempenho fraco em termos de quantidade da educação; no entanto, os indicadores de qualidade da educação são ainda mais preocupantes. Os resultados das avaliações externas, nacionais e internacionais, nas quais o Brasil está inserido, têm contribuído para evidenciar essa situação.

A busca pela qualidade da educação, especialmente a pública, teve início na década de 1920, e, apesar de ter perdido a visibilidade em alguns períodos, nunca foi, de fato, interrompida. (Cf. SAVIANI, 2007). Ocorre que, neste momento, a conjuntura histórica levou a um reconhecimento do valor social da educação, por meio do qual suas implicações político-econômicas revelavam-se com maior nitidez, tanto no plano individual como no coletivo. Disso decorre o atual movimento da sociedade civil em torno do tema, no interior do qual as possíveis contradições internas, oriundas dos interesses particularizados de determinados setores sociais, ficam ocultas pelo aparente interesse comum em obter educação de qualidade para todos.

Observa-se, então, que a educação brasileira se construiu, até este momento, assentada sobre o embate de forças adversárias que polarizaram, invariavelmente, os interesses das minorias privilegiadas e das maiorias desfavorecidas, ainda que, em alguns momentos, aparentassem certo consenso. Nesse percurso, as vozes dos processos democráticos de construção, ou (re) construção da educação brasileira, foram, por vezes, silenciadas pelas ditaduras instituídas em determinados períodos históricos. No entanto, a despeito disso, vivemos um momento em que a sociedade civil, envolvida com a questão educacional, mobiliza-se para exigir que a mesma seja abarcada pelas políticas públicas do país, levando-a a alcançar patares quantitativos e qualitativos comparáveis aos dos países desenvolvidos, entre os quais pretende estar.