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Capítulo 1: o problema e o método

1.9 De que mundo estamos falando?

A partir dessa ideia do risco perene de diversas naturezas que assola a existência do homem, voltemos a pensar em como a ideia de um mundo a construir, uma realidade

condenda pode ser apropriada para a atualidade. Até aqui me parece que a ideia da

presença do homem e do risco está relacionada a um “lugar”. O homem constrói a realidade e o mundo físico é a medida e o contraponto dessa realidade. Até aqui, procurei deixar clara a ideia de presença no mundo, mas de que mundo estamos falando?

Uma boa pista para iniciar esta etapa da discussão são os próprios títulos que De Martino escolhe para suas publicações: Il Mondo Magico, Sud e Magia, La Terra del

Rimorso, La fine dal Mondo. A dimensão histórica proposta pelo italiano faz sentido

quando associada a uma dimensão geográfica bem estabelecida. Na comparação que De Martino sugere entre tarantismo e candomblé, a conexão apontada por ele é espacial, ou seja, as origens africanas de certos aspectos do culto. As conexões históricas (temporais) em que De Martino se apoia para traçar a trajetória do tarantismo são conexões entre lugares. De Martino, ao descrever o mundo mágico fala dos povos, mas também dos lugares. O tarantismo do sul está intimamente ligado à paisagem rural, à vida no campo, de certo modo isolada. A relação do homem com a paisagem soa especialmente frutífera para a compreensão da construção da presença no mundo, e a construção, o entendimento, do próprio mundo.

Se retomarmos, ainda que superficialmente, alguns textos clássicos da tradição antropológica poderemos verificar o destaque que os lugares ocupam no conhecimento da alteridade. Alteridade que, por muito, foi entendida como quem está distante. A relação da cultura, ou seja, do fazer humano, da construção da identidade com a paisagem física, com o lugar ocupado está demarcado na história da antropologia como disciplina.

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A ideia defendida por De Martino de um mundo não-dado, mas em construção vem sendo trabalhada com diferentes abordagens por outros autores, como já mostramos anteriormente em Isabelle Stengers e Ilya Prigogine. A ideia do lugar como condição do fazer antropológico é um tema amplamente explorado por Marc Augé em seu volume Não Lugares – Uma Introdução a uma Antropologia da Supermodernidade, de 1992. Para Augé o lugar antropológico é sempre uma invenção, uma co-criação do povo nativo e do antropólogo.

“Esse lugar comum ao etnólogo e a seus indígenas é, num certo sentido (no sentido do latim invenire), uma invenção: ele foi descoberto por aqueles que o reivindicam como seu. Os relatos de fundação são, raramente, relatos de autoctonia, na maioria das vezes, ao contrário, relatos que integram os gênios do lugar e os primeiros habitantes à aventura comum do grupo em movimento. A marca social do solo é muito necessária porque nem sempre ela é original” (Augé, 2013:44)

A “invenção” do mundo, ou a fundação do mundo é uma ideia clara quando tratamos do mundo mágico demartiniano, ou o mundo indígena de Augé. Essas ideias nos parecem distantes, no entanto, quando tratamos de um mundo moderno e urbano. Vejamos, porém, a ideia de Augé sobre os limites do mundo.

“A fantasia dos indígenas é aquela de um mundo fechado fundado de uma vez por todas, que não tem, a bem dizer, que ser conhecido. Dele, já se conhece tudo o que existe para conhecer: as terras, a floresta, os mananciais, os pontos notáveis, os locais de culto, as plantas medicinais, sem desconhecer as dimensões temporais de um estado dos lugares cuja legitimidade os relatos de origem e o calendário ritual postulam, e cuja estabilidade eles asseguram em princípio. É preciso, nesse caso, reconhecer-se aí. Todo acontecimento imprevisto, mesmo que do ponto de vista ritual, é perfeitamente previsível e recorrente, como o são os nascimentos, as enfermidades e os falecimentos, pede para ser interpretado não, a bem dizer, para ser conhecido, mas para ser reconhecido, isto é, para ser passível de um discurso, um diagnóstico, nos termos já repertoriados, cujo enunciado não seja suscetível de chocar os guardiões da ortodoxia cultural e da sintaxe social” (Augé, 2013:45)

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Quando trata a noção dos indígenas e um mundo fechado e fundado de uma vez por todas como fantasia, Augé aponta o desafio mais arrojado desta pesquisa de questionar a noção de mundo do homem ocidental urbano do século XXI. Nosso argumento até este ponto foi de que a ciência e o cristianismo interceptaram-se ao longo de nossa história recente na tentativa de afirmar suas ideias de mundo fechado com limites bastantes conhecidos.

Quando Augé diz que o sujeito precisa reconhecer-se em seu mundo, nos remete imediatamente à crise da presença, na qual De Martino elabora uma crise existencial provocada por um risco de perder-se no mundo. Ou seja, a interação do ambiente externo em constante risco e mutação com o homem, também em constante mudança, provoca uma crise de auto reconhecimento. O homem que não se reconhece em seu lugar está perdido de si mesmo.

Augé ainda coloca neste breve parágrafo uma outra ideia importante que nos ajuda a compreender em outras formas o pensamento do autor italiano, a questão de previsibilidade dos fatos, mesmo os imprevistos. De Martino trabalhará o conceito, pelo qual passamos brevemente e retomaremos, de de-historificação do devir, ou seja, suspender o devir histórico e sua periculosidade, agindo nele como se se estivesse repetindo um ato cosmogônico, de fundação. Por meio do mito, o imprevisto é reconfigurado e resolvido, porque em um tempo outro (illo tempore), no mito, aquela já era uma situação prevista e foi resolvida positivamente.

A relação com o lugar é constitutiva da identidade individual, conforme propõe Augé. Para ele, os lugares possuem três características comuns: identitários, relacionais e históricos.

“Nascer é nascer num lugar, ser designado à residência. Nesse sentido, o lugar de nascimento é constitutivo da identidade individual e acontece, na África, de a criança nascida por acidente fora da aldeia receber um nome particular emprestado de um elemento da paisagem que a viu nascer” (Augé, 2013:52)

Augé faz uma observação especialmente interessante para a análise que propomos nesta pesquisa: “O habitante do lugar antropológico não faz história, vive na história” (Augé, 2013:53). Neste ponto, justifica-se exatamente a crise da presença no sentido de uma

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crise de separação da história. O resgate do sujeito é justamente sua realocação na história – e no mundo.

Em La Fine del Mondo, De Martino relata um episódio em que deu carona a um senhor pelas estradas da Calábria. O autor conta que o homem fitava o campanário de Marcellinara, sua vila, como uma referência. Ao perder de vista o campanário, o velho ficou nitidamente agitado, olhando a todo momento em direção ao horizonte buscando alguma outra referência que pudesse por fim á sua angustia. O autor afirma que “certamente a presença entra em risco quando chega o limite da sua pátria existencial, quando perde o “campanário de Marcellinara” (De Martino, 1977:480-481). O autor argumenta que ao perder seus referenciais de localização a presença precisa localizar-se no espaço e na história. Esta afirmação possa ser uma pista para compreender a angustia

existencial de viver em “não-lugares”.

Augé avança em sua reflexão sugerindo que a supermodernidade, como ele chama os tempos contemporâneos, deu lugar a um novo conceito espacial, os “não lugares”.

“Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não lugar. A hipótese aqui defendida é a de que a supermodernidade é produtora de não lugares, isto é, de espaços que não são em si lugares antropológicos e que, contrariamente à modernidade baudelairiana, não integram os lugares antigos: estes, repertoriados, classificados e promovidos a “lugares de memória”, ocupam aí um lugar circunscrito e específico” (Augé, 2013:73)

Para o autor, um mundo onde se nasce em um hospital e se morre em uma clínica é um mundo prometido à individualidade solitária. Estamos aqui falando de um mundo que pode ser o nosso mundo moderno ocidental. Para ele, os não lugares podem ser lugares de passagem: o transito, a estrada, a rua, etc.

“Ele também não concede espaço à história, eventualmente transformada em elemento de espetáculo, isto é, na maior parte das vezes, em textos alusivos. A atualidade e a urgência do momento presente reinam neles. Como os não lugares se percorrem, eles se medem em unidades de tempo” (Augé, 2013:95)

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Certas características apontadas até aqui por Augé parecem bastante propícias para a análise da crise da presença. Os não lugares são passageiros e não estabelecem um diálogo claro com o homem. A paisagem urbana é especialmente fértil para este fenômeno, já que o homem rural estabelece o diálogo com a “natureza” no longo prazo no processo que vai do preparo da terra à colheita. No mundo urbano, as relações com o mundo são imediatas e passageiras. Se chove, usa-se um guarda-chuva para deslocamentos necessários. O sujeito nos não lugares é um indivíduo sem relações, sem história, com uma frágil presença em constante risco.

Em Modernity at Large, de 1996, o antropólogo indiano Arjun Appadurai chegou a propor que todo ritual poderia ser relido como uma forma de produção de lugar. A ideia, que a princípio, me parecia estranha, soa nesse momento como uma reflexão frutífera quando pensamos o mundo em construção. Os rituais de passagem podem ser lidos pela perspectiva de produção de lugares, de localidades, como sugere o autor.

“Cerimônias de nomeação e tonsura, escarificação e segregação, circuncisão e privação são técnicas sociais complexas para a inscrição da localidade nos corpos. Olhadas com certa diferenciação, elas são maneiras de encarnar a localidade, bem como para localizar corpos em comunidades socialmente e espacialmente definidas. Ao simbolismo espacial dos ritos de passagem foi, provavelmente, dada menos atenção do que ao seu simbolismo corporal e social. Tais ritos não são simlesmente técnicas mecânicas para agregação social, mas as técnicas sociais para a produção de "nativos", uma categoria que eu tenho discutido em outro lugar (Appadurai 1988)” (Appadurai, 1996:179)

Para Appadurai, a construção de casas, preparo das terras, negociações dos espaços públicos são todas formas de construir o lugar, de “construir o mundo”, como temos tratado. As práticas rituais são, para o autor, formas de construção de localidade, como ele defende.

“Como alguns dos melhores trabalhos sobre a lógica social dos rituais nas últimas décadas mostram tão amplamente (Lewis, 1986; Munn, 1986; Schieffelin, 1985), espaço e tempo são eles próprios socializados e localizados por meio de práticas complexas e deliberadas de performance, representação e ação. Temos a tendência a chamar essas práticas cosmológicas ou rituais -

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termos que, distraindo-nos do seu caráter ativo, intenciona e produtivo, criam a impressão dúbia de reprodução mecânica” (Appadurai, 1996:180)

Essas ideias nos ajudam a pensar como a crise da presença pode ser reconfigurada em uma sociedade da era global, como chama o indiano. Preocupado com a reflexão sobre a questão da territorialidade e identidade, argumenta em um artigo intitulado “Soberania sem Territorialidade - Notas para uma geografia pós-nacional” a necessidade de pensar para além da nação.

“A produção da localidade (Appadurai, 1996), como uma dimensão da vida social, uma estrutura de sentimentos e em sua expressão material devivência da "co-presença" (Boden e Molotch, 1994), enfrenta dois desafios numa ordem pós-nacional. Por um lado, desafia a ordem e a ordenação do Estado-nação. Por outro, o movimento humano no contexto de crise do Estado-nação reforça a emergência de translocalidades.” (APPADURAI, 1997:34)

Appadurai fala especialmente de alguns contextos urbanos em que a conexão com o Estado-Nação é frágil e esses centros se tornam translocalidades, um conceito que podemos aproximar dos não lugares de Augé, apenas para efeitos de compreensão, sem pretender discutir aqui suas tensões. Na mesma linha que temos argumentado, o antropólogo indiano trata da fragilidade identitária desses centros urbanos que funcionam como uma conexão entre o global e o local sem pertencer completamente a um ou a outro.

“Muitas cidades estão se tornando translocalidades, substantivamente divorciadas de seus contextos nacionais. Estas cidades dividem-se em dois tipos: os principais centros econômicos tão profundamente envolvidos em comércio, finanças, diplomacia e mídia internacionais que se tornaram ilhas culturais com referências nacionais muito frágeis: Hong-Kong, Vancouver e Bruxelas são exemplos desse tipo de cidade. Quer por processos econômicos globais que ligam essas cidades entre si mais do que com seu país, quer por guerras civis implosivas de origem transnacional, outras cidades transformam-se em translocalidades fragilmente conectadas ao interior de seu país: Sarajevo, Beirute, Belfast e Mogadício são exemplos desse segundo tipo” (Appadurai, 1997:36)

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Apenas para validar aqui o argumento que tenho tentado defender de que a fragilidade da presença observada por De Martino em seu mundo mágico rural pode ser ressignificada para o contexto urbano, quero registrar a questão das conexões locais que De Martino observou no tarantismo Apuliano. A região parecia especialmente fértil para o desenvolvimento de técnicas de reintegração como o tarantismo por uma certa desconexão histórica daquele povo com o entorno. As influências sofridas pela região e suas indefinições políticas – a região foi uma das últimas a ser incorporada à Itália, embora nunca tenha sido autônoma – geravam as condições para uma crise, no sentido em que o mundo era um risco mais evidente por não ser propriamente definido (De Martino, 1999).

Voltemos ao pensamento de Appadurai que em muito pode contribuir para a compreensão da fragilidade da presença no contexto urbano. O indiano evoca o exemplo do problema dos imigrantes e refugiados que vem gerando crises nos Estados nacionais:

“Uma das raízes deste problema está nas concepções modernas de cidadania que, ligadas a várias formas de universalismo democrático, tendem a demandar um povo homogêneo com conjuntos padronizados de direitos.” (Appadurai, 1997:36)

Para De Martino – bem como para Lèvi-Strauss na Eficácia Simbólica – a relação do social com o mito tem um papel de reintegração social no sentido de que nele os indivíduos reconhecem seus dramas pessoais e os resolvem.

“Vamos agora considerar a questão a partir de um outro aspecto. O risco e o resgate do feiticeiro não constituem um drama estritamente individual. Através da figura do feiticeiro, através de seu drama existencial, é a comunidade em seu conjunto, ou, pelo menos, um ou mais membros dela, que se abre para as vicissitudes do ser-no-mundo que se perde e se reencontra” (De Martino, 2005:160)

Dessa forma, o que Appadurai chama de “trabalho da imaginação” nas sociedades globais pode, assim como o mito, ser um instrumento de integração e de reconhecimento. Aqueles que imaginam uma vida semelhante se identificam e agem para conquista-la.

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Para Appadurai o trabalho da imaginação é reagir. Com a ampliação do repertório social de um indivíduo ou grupo, ele será capaz de realizar ações concretas que poderão levá-lo a uma mudança de vida. Ao se confrontar com realidades sociais distintas, as pessoas passam a ter a capacidade de idealizar ações que as levem a uma mudança de status social. “Nos sonhos, finalmente, mesmo os indivíduos nas sociedades mais simples encontraram o espaço para reconfigurar suas vidas sociais, vivenciar estados emocionais e sensações proibidas e ver coisas que foram introduzidas em seu senso de vida cotidiana” (Appadurai, 1996:5).

O que Appadurai nos mostra com seu conceito de “trabalho da imaginação” é que o contato com realidades diferentes tem a capacidade de impulsionar os indivíduos a tomar atitudes rumo a um novo status social que desejam. O antropólogo esclarece que a imaginação não tem a força de concretizar realidades, mas o trabalho da imaginação é reagir. A imaginação tem um sentido de projeção, de ser um prelúdio para a ação (Appadurai, 1996:7).

O território perde a importância perante a possibilidade de realizar uma vida imaginada. Neste ponto, faz-se necessário compreender a distinção entre imaginação e fantasia. O trabalho da imaginação, no entanto, é abrangente, como sugere Appadurai. Mesmo em situações de conflito, uma vez que os indivíduos de uma sociedade tenham acesso a informações de outras sociedades, facilmente se apropriarão das mensagens dando tons locais e passarão então a criar o que o antropólogo chamou anteriormente de fato social coletivo. A ideia que se faz de um outro mundo é muitas vezes o ingrediente chave para que muitas dessas pessoas resolvam fugir de uma situação de conflito, por exemplo. No caso do ritual, o mito serve como repertório de possibilidades para imaginar as possíveis soluções dos problemas e no tempo mítico foram solucionadas, embora possa precisar de adaptações no mundo contemporâneo.

Appadurai coloca ainda que a ficção consumida por uma sociedade tem um forte peso na alimentação de seu repertório imaginário. O antropólogo sugere que ao analisarmos a literatura lida por um povo, por exemplo, poderemos compreender algumas das aspirações desse povo, já que a ficção amplia o repertório e as possibilidades de adequação social (Appadurai, 1996:58).

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A ficção, por meio da literatura, filmes, telenovelas e mesmo dramatizações teatrais influencia o imaginário na medida em que apresentam possibilidades de movimentos sociais e releituras de situações por diferentes ângulos culturais. Dessa forma, uma mulher asiática que lê um romance norte-americano poderá facilmente se apropriar daquele contexto e imprimir em seu relacionamento elementos oriundos de tal literatura. O imaginário também influencia a ficção em sua construção. Ao contar uma história fictícia e colocá-la em um tempo localizado na história, mesmo com dados a respeito da determinada época, o autor colocará ali elementos que imagina serem parte daquele contexto.

Um mundo em construção é um mundo constantemente imaginado e posto à prova. Quando falávamos do risco chegamos à beira desta ideia de um mundo possível, que parece mais clara aqui. Os argumentos apresentados parecem deixar claro que vivemos em uma possibilidade de mundo, uma possibilidade sempre posta á prova e sempre em risco de não ser. O ser-no-mundo demartiniano é também uma possibilidade, uma ideia imaginada, que deve ser garantida pelas técnicas culturais.

O risco de perder o mundo está menos relacionado ao risco do fim da paisagem, do fim do lugar, do território, do que ao fim de autorreconhecimento no mundo. A crise da presença como incapacidade temporária de objetivação do mundo é uma crise de fim de mundo no sentido de que o sujeito está no lugar, mas ele o é. As fronteiras entre homem e mundo são rompidas e não há mais distinção entre um e outro. Nesse sentido, o sujeito em crise não se reconhece no mundo porque não há mundo.

Paula Montero, na mesma linha de pensamento sobre a globalização e a questão da identidade, argumenta que vivemos um tempo de supressão física da distância. O mundo é, ao mesmo tempo, um lugar muito grande e muito pequeno. Temos acesso às informações e dados de lugares distantes que podem não nos dizer respeito, que geram certa pressão por um posicionamento, uma opinião. Montero recorre a uma ilustração interessante para demonstrar essa sensação em seu artigo “Globalização, identidade e diferença”, de 1997.

"O jornalista Clóvis Rossi, em matéria sobre a desvalorização abrupta da moeda tailandesa, o baht, em julho deste ano, expressou de maneira, a meu ver, exemplar a natureza deste mal-estar: "Quer dizer que, além de todos os

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problemas que já tenho", esbravejou ele, "preciso me preocupar também com o baht?". Rossi fala do ponto de vista de uma geração para a qual o mundo parecia imenso, inesgotável, no qual as capitais de países nunca visitados ou sequer imaginados eram "mero verbete de aula de geografia — Afeganistão, capital Cabul" (Folha de S. Paulo, 04/07/97, p. 1/2)" (Montero, 1997:48)

A autora questiona neste artigo como a questão das relações interculturais desse mundo globalizado dialoga com as diferenças. Segundo ela, a antropologia como disciplina deve se dispor a esta empresa de compreender o lugar da diferença em um mundo que, segundo o argumento de alguns, caminharia para a homogeneização. Se pensamos nos nossos objetos, o tarantismo e o candomblé, essa é uma preocupação já contida no pensamento demartiniano que entendia o tarantismo, como bem coloca na introdução de seu volume Terra del Rimorso, como um resquício de uma cultura isolada e que poderia desaparecer na medida em que essa sociedade se integrava a uma sociedade maior e