• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1: o problema e o método

1.4 O candomblé de Pai Pedro de Xangô

A família de Pedro frequentava esporadicamente um terreiro de umbanda em seu bairro. Os pais dele com os seis filhos ainda pequenos vieram da Bahia para Santo André, na Grande São Paulo, e ali conheceram o terreiro de Dona Lazara. Pedro e seu irmão Paulo passaram a frequentar o terreiro assiduamente na adolescência até que se tornaram filhos de santo e começaram seu desenvolvimento. Paulo continua no terreiro de umbanda até hoje e conta que chegaram a matar aula em muitas ocasiões para frequentar os trabalhos espirituais em dias de semana à noite. Pedro ficou por alguns anos – sempre problemáticos em sua narrativa.

Antes de ir chegar ao terreiro de umbanda, Pedro teve passagens por igrejas evangélicas e católica. Ele conta que sempre sentiu uma forte presença espiritual e precisava “se entender” com isso. Pedro lembra que foram muitos os episódios em que passou mal nos cultos, tendo crises de consciência e chegou a acordar diversas vezes no altar, ou

43

mesmo, do lado de fora da igreja. “Hoje eu sei que era o orixá que já me pegava naquela época. Ele que me tirava da igreja”, afirma. Pedro relata ainda fortes crises de dor de cabeça sem diagnóstico pela medicina tradicional.

Na narrativa de Pedro ficam evidentes elementos que antropólogos como Appadurai e Augè colocam a respeito da relação do homem com o lugar, como será discutido mais à frente. “Estar em seu lugar”, “ter um lugar”, “encontrar seu lugar” são elementos centrais da narrativa dele e de muitos de seus filhos de santo. Por muitas ocasiões, conversando sobre as mudanças de terreiros, os adeptos afirmavam que era preciso encontrar seu lugar. Não por acaso, os terreiros são chamados informalmente de casa de candomblé. Um filho deve encontrar sua casa, um lugar que o acolha e o faça sentir-se parte. Na trajetória de Pedro, a busca por seu lugar começa ainda antes de frequentar o terreiro de umbanda, como ele conta.

“Antes ainda da Dona Lazara, eu rodei em tudo quanto é lugar. Eu tinha isso. Não sabia que era o santo me chamando, mas eu tinha que achar um lugar, que achar alguma coisa. Fui em muita igreja evangélica e passava mal em todas, tinha dores de cabeça todos os dias” (Pai Pedro de Xangô, Santo André, fev. 2014)

Ao contar de sua saída do terreiro de Dona Lazara, Pedro lembra que fora avisado de que ali não seria sua casa definitiva.

“O baiano (entidade) da mãe me disse: “Filho, aqui não é seu lugar. Você é bem-vindo e pode voltar sempre, mas aqui não é seu lugar”. Eu fiquei perdido. Saí de lá e fui continuar procurando. Daí, fui pro kardecismo. Fiquei num centro um tempo. Mas não me adaptei. Um dia o Jerônimo Medonça – conhecido médium kardecista tetraplégico e cego – foi dar uma palestra lá e na saída pegou a minha mão e disse: “Pedro é pedra. O primeiro apóstolo do Senhor. Pedro, seu lugar ainda não é aqui. Vai procurar o seu lugar. Não desista”. Foi então que fui parar numa casa de candomblé, muito desconfiado. E descobri que era filho de Xangô”. (Pai Pedro de Xangô, Santo André, fev. 2014)

A saída da casa de umbanda não se deu nas melhores condições. Pedro diz que já não se sentia mais tão bem lá, mas foi por conta de uma fofoca que acabou se afastando definitivamente e continuou a procurar uma outra solução para sua crise espiritual.

44

Apesar de estar bem na casa de D. Lázara, ele não sentia que sua vida estava completamente organizada.

A trajetória de Pedro no candomblé não finda os conflitos de sua trajetória de vida, mas os ressignifica. A história de Pedro desde quando foi iniciado até o momento dessa pesquisa não é uma história de resolução de crises, mas de controle, de acordo com a ideia demartiniana de que o ritual é uma técnica para o controle da crise da presença. Os relatos de Pedro até o momento em que encontra o candomblé são relatos de angustia e melancolia. Ele conta como se sentia sozinho e deslocado, sem pertencer plenamente aos grupos que frequentava. A entrada no candomblé foi em um terreiro em Santo André, cidade do então futuro pai de santo. O pai de santo dele tinha ligações com Mãe Cidália, uma importante ialorixá baiana, filha de Iroko, um orixá raro, e conhecida no meio como a enciclopédia viva do candomblé. E foi depois de alguns anos que Mãe Cidália convidou Pedro a abrir sua própria casa de candomblé.

“Quando a gente é um bom filho de santo, o pai de santo coloca confiança na gente e os irmãos de santo crescem o olho porque gente de candomblé é igual gente de qualquer lugar, viu. Eu fazia tudo lá na casa do meu pai de santo, tocava o terreiro com mais liberdade que os irmãos mais velhos e Mãe Cidália, era muito esperta e logo me disse “filho, o seu pai está te abusando, você tem condições de abrir a sua casa”. Eu já estava mesmo tendo muitos problemas lá e Mãe Cidália me acolheu. Eu tomei as minhas obrigações com ela e abri a minha casa, já tem 20 anos isso” (Pai Pedro de Xangô, Santo André, fev. 2014)

A mudança de pai de santo é comum no candomblé. Quando o modo de tocar a casa de um sacerdote desagrada o filho de santo, ou este desagrada o pai de santo, ele sai, ou é expulso, e vai “tomar as obrigações” em outra casa. Não há regras absolutamente clara que conduzem este processo. Há casos em que o novo sacerdote considera o tempo e as obrigações já realizadas pelo iniciado em outra casa, em outros, o filho de santo pode precisar começar tudo do zero, a exceção da feitura que raramente é realizada mais que uma vez. “É grande o número de pessoas que mudam de um terreiro para outro em busca de melhores condições, no seu entender, para cultuar suas divindades” (Vallado, 2010).

Quando Mãe Cidália convida Pedro a abrir a sua casa e, ao mesmo, tempo abandonar seu pai de santo original, vemos claramente que o conflito não é evitado. Sequer

45

cogitam-se formas mais ou menos diplomáticas de tomar as decisões. Após a confirmação dos búzios, as decisões são tomadas sem se preocupar com o conflito que possam gerar. Pedro, mais de uma vez, disse que “o povo de santo não foge da luta”. Pedro abriu então sua casa de candomblé em um espaço que ocupava cerca de um quarto do terreno total da casa de sua família, atrás da casa de seu irmão, Sinval, que havia construído no mesmo quintal.

No começo dos anos 2000, a Prefeitura de Santo André ordenou a demolição da casa do irmão do babalorixá do terreiro Ilê Axé Xango Ayra, Pai Pedro de Xangô. Com a casa seriam demolidos também os quartos de santo, já que as construções ficavam no mesmo terreno. No terreno da casa herdada por ele e seus quatro irmãos ficava a casa dos pais, onde hoje moram o irmão dela com a irmã, o cunhado e o sobrinho. No fundo da casa construída pelo pai, fica a casa do sacerdote. Na outra lateral do terreno ficava a casa do outro irmão e, atrás dela, o barracão - lugar onde se realizam as festas - e os quartos de santo. A notícia da demolição foi uma surpresa para toda a família. A decisão foi tomada com base no argumento de que a construção era irregular. A casa era lajeada e o terreno ao lado pertence à empresa União Petroquímica para passagem de tubulação. Com a demolição da casa, foram demolidos também os quartos de santo. Construir novos cômodos era apenas uma parte do processo, já que havia uma série de rituais que deveriam ser feitos para a “mudança” dos assentamentos. Nos quartos de santo ficam os assentamentos de cada orixá, no candomblé isto é a porção física do orixá de cada filho de santo que foi construído durante sua iniciação e outros santos “da casa” que não são dos filhos de santo, mas do terreiro enquanto instituição. A demolição causou, com todos esses processos, uma mudança radical do calendário da casa naquele ano. Pai Pedro conta que muitas pessoas chegaram a sugerir que aquilo era um sinal de que ele deveria fechar o terreiro. Ele relata ainda que:

“O candomblé carrega o ranço do navio negreiro, Mãe Cidália (referindo-se à Mãe Cidália de Iroko, egbomi do Terreiro do Gantois, na Bahia, com quem Pedro tomou suas obrigações e tornou-se seu filho-de-santo) sempre dizia isso. No navio foram colocados negros de todo lado da África e eles eram inimigos até, mas foram obrigados a conviver junto. Então essa história de que preto é tudo amigo é mentira. Os escravos eram tudo unidos e tudo, isso é mentira. Agora pensa, se eles unidos, dava pra terem feito a maior revolução se juntassem

46

todos. Mas não fizeram. A união era só na hora do candomblé porque um precisava do outro. Era só na hora que precisava. Daí o povo falou na época que eu não tinha dado amalá direito (comida de Xangô preparada toda quarta-feira

no terreiro), que tinha furado com alguma obrigação, que tinha feito isso e

aquilo errado. O povo fala. Por isso que eu não faço candomblé pra povo de candomblé. Faço pro orixá, pros filhos de santo, pros amigos, pros clientes, mas não fico agradando povo de santo. O terreiro foi pro chão e subiu de novo, mais bonito e com mais axé” (Pai Pedro de Xangô, Santo André, fev. 2014)

Após a demolição, o barracão foi refeito com cobertura de telhas, que era permitido pela prefeitura. Novos quartos de santo foram construídos na lateral direita do terreno e no fundo. E o candomblé voltou a funcionar ali. Pai Pedro recorre à narrativa da guerra para contar a história.

“Não sei o que os orixás queriam, mas queriam o melhor porque o terreiro está aí firme e forte. O Sinval (irmão que teve a casa demolida) está na casa dele, tem mais espaço, as coisas estão melhores do que antes. Foi uma batalha grande, minha, da família, do axé (como às vezes se referem ao terreiro), dos filhos de santo que ficaram comigo, de todo mundo. Mas a gente passou no teste direitinho. Estamos de pé.” (Pai Pedro de Xangô, Santo André, fev. 2014)

A narrativa de Pedro é marcada pela vontade do orixá. Quando ele afirma que o orixá o tirava da igreja evangélica tomando seu corpo e sua consciência, ou quando diz que não sabe qual era a intenção do orixá no episódio da demolição do terreiro. O protagonismo do orixá nos episódios de crise são uma condição importante do relato dos adeptos. Vagner Gonçalves da Silva destaca que muitos iniciados tiveram seu primeiro contato com o orixá ao “bolar no santo”, um indício da necessidade da iniciação. Bolar no santo é a manifestação do orixá quando a pessoa não foi iniciada e o orixá não foi assentado, conforme os relatos de Pedro quando o orixá “o pegava”. Ele observa ainda que a iniciação de fato depende do desejo da pessoa e de outros fatores:

“Todavia, a expressão do desejo do orixá não significa a sua satisfação inconteste. A pessoa pode não querer iniciar-se ou, mesmo querendo, não reunir as condições sociais e materiais necessárias. Por exemplo, a opção pode não ser bem vista pela família; pode ser impossível dispor de tempo para isso, principalmente para quem trabalha e/ou estuda. Além do mais, a iniciação tem

47

custos materiais consideráveis (roupas, assentamentos, animais para sacrifícios, etc.) nem sempre compatíveis com a situação financeira da pessoa. Idiossincrasias para assentar e cultuar determinados orixás podem complicar ainda mais esse aspecto” (Silva, 1995: 123)

A decisão de iniciar-se pode levar um tempo indeterminado entre a manifestação da vontade, da pessoa ou do orixá, e a realização dos rituais. O bolar no santo do candomblé não é diferente do que De Martino chamou de “essere agito da”, ou seja, ser agido por, quando a presença se fragiliza e dá lugar a uma presença outra que passa a agir “como se” o sujeito ali não estivesse. A ação protagonizada pelo orixá, no caso do candomblé, é uma condição para o sucesso dos rituais.

“A experiência de dominação pode chegar ao ponto de uma personalidade aberrante, e em contraste com as normas aceitas pela comunidade, invade em maior ou menor grau o comportamento: o sujeito não será mais agora simplesmente um fascinado, mas um tomado, ou seja, um possuído ou um maníaco, por exorcizar” (De Martino, 1982: 8-9)

A iniciação no candomblé e a experiência adquirida com o passar dos anos é justamente para um melhor controle da possessão e não para sua cura, ou exorcismo. Ao contrário das práticas descritas por De Martino, embora em “La Terra del Rimorso” ele trate do controle da crise e não de sua solução definitiva com mais rigor, o candomblé não vê a possessão como problema, senão como caminho resolutivo. Um ritual onde não há a possessão não é considerado bem sucedido.

O pesquisador Paul Christopher Johnson, da Universidade de Chicago, publicou em 2002 os resultados de sua pesquisa sobre o segredo no candomblé. Para tanto, Johnson passou por um ritual de feitura de cabeça, mas em sua iniciação, seu orixá não chegou a “baixar”, ou seja, o ritual não foi bem sucedido. O próprio autor refere-se à sua iniciação como “versão gringo” já que foi realizada em menos tempo que o determinado porque ele não teria todos os dias disponíveis (Johnson, 2002).

A vulnerabilidade do sujeito para a possessão não é vista nestas práticas como fraqueza, mas recurso indispensável para a condução do resgate da presença.

“O ser-agido-por enquanto experiência de desagregação da personalidade inclui, como possível tentativa de defesa, a delimitação de um agente oculto, operante num plano diferente do histórico” (De Martino, 1982:89)

48

Nas festas dos terreiros é comum observar visitantes que chegam ali pela primeira vez para conhecer o candomblé e vivem uma crise, alguns chegando a assumir uma postura corporal de determinado orixá. O fato é celebrado com fascínio e preocupação pelo pai de santo. Ser possuído pelo orixá dentro do ritual é uma condição benéfica, fora dele, é um descontrole, uma doença, como foi com o próprio pai de santo antes de sua iniciação.

Em outros relatos, a manifestação do orixá e o cuidado com sua vontade, são igualmente perceptíveis. Igualmente, é um traço importante dos relatos dos adeptos do candomblé o “estar perdido” antes de encontrar a religião e o “encontra-se” após este processo. A fim de ilustrar este processo que vai do “estar perdido” ao “encontrar-se”, separei alguns trechos de relatos que Reginaldo Prandi reproduziu em seu livro Herdeiras do

Axé, de 1996, das entrevistas que fez com quatro mães de santo de candomblés de São

Paulo.

Mãe Manduê de Iansã conta que, apesar de nascida em um terreiro enquanto sua mãe dava as obrigações, ela se afastou por um longo período do candomblé, em que viveu situações de dificuldade.

“Fui presa, sofri, fiquei três meses na prisão, sofrendo. Aí que o moço, não sei porque diabo, me deixou liberta, e eu fugi. Quando eu fugi para ir atrás da minha família, me perdi, tudo isso, passei muita fome, não vou nem contar, passei fome, comia coisas da lata do lixo” (Prandi, 1996:169)

O sofrimento que precede o encontro com a religião parece qualificar estes iniciados que “já passaram por muita coisa”, “conhecem a dificuldade” – citando aqui palavras que ouvi de muitos filhos de santo – e, por isso, sabem valorizar e compreender aqueles que estão em uma situação de vulnerabilidade. Mãe Manduê conta que fazer o santo foi a solução para seus descaminhos.

“Quando eu cheguei na casa da minha vó (que era mãe de santo), fui procurar me cuidar, tratar de mim. Aí viram que eu estava precisando fazer o santo, e eu com aquela ignorância, achando que era tudo bobagem” (Prandi, 1996:170) Mãe Cidinha de Iansã ficou doente e mesmo depois de percorrer vários hospitais e terreiros continuou sem um diagnóstico. Até que “virou no santo em casa”. As entidades orientaram seu marido de que ela deveria abrir uma casa de umbanda, e assim fizeram.

49

Depois de um ano o caboclo, entidade da mãe de santo, disse que ela deveria procurar um terreiro de candomblé para iniciar-se.

Como o marido era contra matança, eles não foram para o candomblé e mãe Cidinha começou a adoecer novamente. A mudança para o candomblé foi um assunto retomado em inúmeras situações. Neste caso, observo o que já venho afirmando que o conflito não é evitado quando este é considerado necessário.

“A gente estava falando agora sobre como se resolve esse conflito da mudança da umbanda pro candomblé. Olha, o conflito eu senti logo a primeira vez nós fomos dançar pro santo. Porque aí começou: passa mal uma pessoa, passa mal outra. Porque você sabe, você chama um santo, os outros todos querem ver: “Bom é minha vez, como é que fica?” Aí eu chamei elas todas, as filhas. E eu estava muito doente na época. Eu disse assim: “Vocês querem fazer um umbandomblé, ou vocês querem só umbanda? Eu quero que vocês decidam agora”. Todo mundo levantou a mão e disse: “Eu prefiro uma mãe de santo do candomblé viva, do que uma mãe de santo da umbanda morta”. Meu marido levantou a mão e disse: “Eu quero umbanda”. Aí eu fiquei muito, bem dividida. Eu disse assim pra ele: “Você é o esteio da minha casa, você me deu isso, você me deu tudo o que eu tenho, você é meu braço direito. Só que eu não tenho condições mais de viver na umbanda. Porque eu sinto que eu não tenho condições de virar sem Iansã comandar”. (Prandi, 1996:180-181)

O caso de Mãe Cidinha demonstra como o conflito é interpretado como movimento, fundamental na prática do candomblé. A cura das doenças pode não ser em absoluto uma promessa de saúde plena, mas a boa condução da vida, para os adeptos, é ter os problemas sob controle.

Mãe Sandra de Xangô, uma das entrevistadas por Prandi, também iniciou-se no candomblé depois de um período de doença sem diagnóstico. Ela desmaiava e ficava agressiva em qualquer lugar ou situação. Um amigo de sua irmã que indicou que ela procurasse o terreiro onde foi iniciada. Depois de um médico ter dito a seu pai que ela ficara louca e não tinha jeito, ela foi levada para o terreiro de sua mãe de santo e saiu de lá raspada, ou seja, iniciada.

Paula Montero trabalha a noção de doença nos relatos dos adeptos da umbanda em seu livro “Da doença à desordem: cura mágica na umbanda”, de modo substancialmente

50

proveitoso para esta pesquisa. “Com efeito, no discurso dos adeptos, a categoria “doença” oscila constantemente, ora designando distúrbios especificamente orgânicos, ora remetendo a realidades mais abrangentes” (Montero, 1985:118).

Friso esta passagem porque a doença pode ser observada como um “segundo idioma”, no sentido que Evans-Pritchard interpretou a bruxaria entre os Azande. Ou seja, os adeptos compreendem que um distúrbio, um desajuste, que pode ser explicado como doença, mas que significa algo mais subjetivo. As doenças que ninguém pode explicar são razões comuns pelas quais as pessoas são levadas ao culto. Pai Pedro tinha crises de perda de consciência, Mãe Sandra de Xangô “desmaiava”, assim como outros casos aqui já postos e outros que estão por vir.

Há nos relatos dos adeptos do candomblé um traço fundamental: o desajuste. A busca de Pedro por seu lugar no mundo demonstra um desconforto em adequar-se a certos padrões que encontra seu equilíbrio na prática ritualística. Para seu estudo, Montero usa a noção de desordem, preocupada com a cura mágica. Seguindo minha inspiração metodológica demartiniana, usarei a crise como elemento condutor, já que me interesse aqui a tese do controle e não a da cura definitiva. Bem como, defendo aqui que o controle contempla fundamentalmente a performatização da crise em um ambiente controlado/seguro.

As histórias de adesão aqui apresentadas demonstram inadequação ao entorno caracterizadas por De Martino como “crise da presença”, trabalhada no item anterior, na hipótese de que a depressão, como categoria, é uma das características pelas quais podemos identificar a presença em risco.