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Capítulo 2 REVISÃO DE LITERATURA

2.2. PROCESSOS COGNITIVOS

2.2.2 Decisão do Árbitro

A interação entre a ação (tarefa) do árbitro (pessoa) no jogo (ambiente) tem a particularidade de ser única, pois cada momento é situacional. Em toda situação de jogo apresentam-se fatores característicos próprios que estarão sempre sendo modificados a cada novo momento/ situação, constituindo o marco referencial da tríade que sustenta a regulação do comportamento.

Segundo Nitsch (1986), toda decisão na ação esportiva é determinada pelas condições subjetivas e objetivas da ação. A comparação entre o que é real (objetivo) da ação esportiva na situação de jogo e o que é subjetivo, é o que o árbitro/ pessoa percebe (vê) da situação. Nesses dois pólos se instala o primeiro passo de grande dificuldade para a arbitragem desenvolver seu papel – a diferença entre o que todos vêem e o que o árbitro vê.

No contexto ambiental do jogo, o árbitro interage no espaço e no decurso temporal do jogo para realizar sua tarefa. Assim, na sua essência, está permanentemente realizando tomada de decisões (TD). Este é um fator diferencial, pois cada uma de suas ações significa um momento de intervenção que se faz necessária para concretizar sua função, dirimindo e diferenciando o “deve ser” com o “foi”.

Imagine-se a situação: ginásio lotado, partida com placar empatado, poucos minutos para o final da grande decisão do campeonato mundial de handebol. O árbitro de gol posicionado corretamente em cima da linha de fundo da quadra, com sua atenção voltada para o gol. Um atleta lança a bola ao gol, a bola bate no travessão do gol quica no chão e sai. Os atletas e os torcedores da equipe que lançou ao gol, envolvidos pelas emoções que definem a

avaliação subjetiva da situação, gritam/ vibram o gol. Os componentes da outra equipe, também envolvidos emocionalmente com seus interesses correm em direção ao árbitro dizendo que não foi gol. Já o árbitro, munido do conhecimento das regras do jogo (a bola tem que entrar totalmente nas balizas para ser considerado gol) já tomou sua decisão, com base na visão também subjetiva, mas próxima, igual à situação real. O árbitro não dá o gol.

Como neste exemplo, a dificuldade do árbitro em decidir nesta situação e em outras situações decresce com sua experiência, dividindo e, sendo a mesma experiência, modifica na relação entre a aquisição de conhecimento através do tempo de prática, o nível da prática e a qualidade de orientação da prática. Desta forma, a qualidade da TD depende do grau de interação destes três elementos (tempo, orientação à prática e qualidade da prática) para que o árbitro consiga desenvolver durante sua carreira - nível de experiência do árbitro.

Gimeno et al (1998), num estudo com objetivo de adaptar um instrumento que facilitasse a investigação sobre as diferenças individuais da tomada de decisão, utilizou as respostas de 131 árbitros de handebol de diferentes categorias através do questionário sobre Decision Making Questionnaire II (DMQ II). A consistência interna do questionário, utilizando o Coeficiente de Alfa de Cronbach, alcançou um valor de 0,80. A estrutura fatorial dos dados, assim como a consistência interna do instrumento, confirmam a existência de distintos padrões de conduta perante a situação de decisão no contexto da arbitragem do handebol, relacionados com: estresse na tomada de decisão, dentre outros.

Uma parte importante da TD do árbitro em uma situação de jogo consiste em avaliar e determinar qual é a alternativa correta. Para isso, é necessário entender previamente que toda situação é relativa, solicitando do árbitro o conhecimento das prováveis conseqüências, para ele saber como reagir nas diferentes situações (FIG. 03).

Vendo assim, a TD é também compreendida como conseqüência da interação de diferentes processos psíquicos divididos em cognitivos da percepção (atenção/ concentração,

memória, pensamento, conhecimento), emocionais/ motivacionais (como me sinto neste jogo, com este placar, com essas equipes) e volitivos (importância do jogo), todos dependentes dos fatores situacionais. Isso, por si, justifica a importância do desenvolvimento e treinamento das capacidades psíquicas dos árbitros.

FIGURA 03

Conflito como conseqüência da tomada de decisão (SILVA, 2004:21).

Em toda ação esportiva, o árbitro pode interferir ou não na situação de um jogo ao tomar uma decisão, que pode ser: de apitar marcando uma falta (tiro livre) ou não apitar, concedendo, por exemplo, uma vantagem na jogada (FIG. 03). Sua tomada de decisão pode, também, vir ou não a provocar um conflito, se não for aceita por uma das partes. Assim, a decisão pode trazer conseqüências pela carga de pressão psicológica da situação e de interesse que possam ter para cada grupo. A decisão pode gerar um protesto no caso de um grupo ou parte dele não concordar com a decisão tomada pelo árbitro. Conflitos são elementos constitutivos que podem ser desencadeados pela TD do árbitro presente nos jogos. O árbitro deve saber controlar todas as situações nas quais suas decisões possam provocar conseqüências que venham a ser incontroláveis, chegando a provocar um escândalo. Para isso,

Tomada de Decisão EXPERIÊNCIA INTERFERIR (apitar) Ou NÃO INTERFERIR (deixar seguir) Tempo Conseqüências Carga Psíquica Enfrentamento Divergência na Percepção (subjetividade) Aceitação + CONFLITO Protesto

-ESCÂNDALO

Prática

o árbitro deve ter consciência das conseqüências que suas ações podem provocar e basear suas decisões em observações claras, as quais não somente ele, detentor do conhecimento das regras, escolhido muitas vezes pelo seu nível de experiência para aquele jogo, possa perceber.

Assim, os árbitros devem ser treinados em observação de jogo, diminuindo a subjetividade, minimizando as emoções para assegurar maior clareza e decisão mais segura e clara.

Ainda assim, deve saber também compreender as reações dos atletas perante as decisões tomadas em cada situação de jogo para que tenha como avaliar as conseqüências, evitando chegar a um novo conflito e conseqüentemente a um escândalo (FIG. 04).

FIGURA 04

Da decisão do árbitro ao conflito.

A ação/ TD do árbitro se apóia na interação de um processo de comparação entre os dois pólos: “pode ser” e “não pode ser”. O gabarito de avaliação para estabelecer a comparação está contido nas regras do jogo. O trabalho do árbitro consiste, em toda situação de jogo, em tomar decisões comparando o que acontece no jogo (situação objetiva – real) com

DECISÃO DO ÁRBITRO

Árbitro Compreensivo Árbitro Inflexível

Nova Decisão Não Há Conflito

Sanção

Jogador Aceita Jogador Não Aceita

Conflito

Jogador Não Aceita Jogador Aceita

Não Há Conflito

o que ele carrega consigo de experiência, fazendo de sua avaliação subjetiva o mais próximo possível do “real”. Diferentes fatores (localização, condição física, nível de conhecimentos, motivação, grau de excitação na observação, estado psíquico, experiência) podem contribuir e interferir nas diferentes decisões que o árbitro pode tomar para definir o que deve ser (FIG. 05).

Assim, concluímos uma análise dos processos cognitivos básicos inerentes à TD do árbitro: a percepção, o conhecimento, a memória, a atenção e o pensamento, as emoções, todos os processos de interferência à TD possíveis de sofrerem alterações otimizadas e planejadas através de treinamento psicológico para melhoria e obtenção de rendimento.

Contudo, não se tem conhecimento de quantificações destes processos direcionados aos árbitros. Mas, muitas, também, são as dificuldades metodológicas para medir tais processos cognitivos no ambiente ecológico do árbitro que influenciem na sua capacidade de TD e se existem diferenças objetivas, reais entre a qualidade de percepção dos árbitros dos Jogos Esportivos Coletivos com Contato (SILVA; GRECO; SAMULSKI, 2004).

FIGURA 05

Decisão do árbitro em situações dos JEC.

SITUAÇÃO DE JOGO COMPARAÇÃO “Real e subjetivo”

Pode ser Regras Não pode

Deve Ser

Decisão do

Árbitro

Localização Ângulo de Visão Conhecimentos Teóricos Nível de Excitação na Observação Condição Física Atitude Motivacional Estado Psíquico Humor/ Personalidade *Estresse

Silva et al (2004a, 2004b) apresentam algumas características da quantidade de estímulos percebidos e a qualidade das respostas corretas a estes estímulos múltiplos em pesquisa laboratorial. Mas, muitas críticas são feitas a testes realizados com aparelhos em ambiente não ecológico, medindo as capacidades psíquicas.

Mesmo assim, testes laboratoriais que meçam as capacidades dos árbitros devem acontecer para contribuir na configuração das características, principalmente as psíquicas, destes agentes tão importantes do cenário esportivo. Todavia, até hoje, pouco foi efetivamente realizado pelos cientistas do esporte neste campo de constante busca da melhoria do rendimento esportivo.