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Capítulo 2 REVISÃO DE LITERATURA

2.2. PROCESSOS COGNITIVOS

2.2.1. Processos Cognitivos da Arbitragem

No processo de formação do árbitro, o desenvolvimento das capacidades psíquicas deve estar sempre presente na articulação dos conteúdos de ensino de forma variada e flexível. A importância dos processos cognitivos tais como a percepção, a atenção/ concentração, o conhecimento, a memória, o pensamento, na tomada de decisão inclui a necessidade de se descrever os processos de percepção e sua relação com a experiência do árbitro. Para o desenvolvimento das capacidades psíquicas, diferentes autores (EYSENCK; KEANE, 1994; NITSCH, 1986; SAMULSKI, 2002; STE-MARIE, 2003; TENENBAUM,

2003) consideram os processos cognitivos como de fundamental importância para a ação humana e em especial a esportiva.

Eysenck e Keane (1994) destacam o reconhecimento de padrões como um ponto chave dentro do processo de percepção, e incorporam questões teóricas amplas como percepção inconsciente, subliminar, percepção de defesa e a visão cega no contexto do processo perceptivo.

No entanto, esses tipos de percepções, em princípio, não se constituem como parte do processo que leva à tomada de decisão do árbitro.

Dentro da corrente da psicologia cognitiva, marco referencial da proposta aqui apresentada, as teorias existentes procuram explicar que a percepção relaciona-se com as informações que podem ser utilizadas para perceber o mundo externo de forma acurada. O input sensorial é considerado como sendo o influenciador do processamento impelido pelo estímulo, pelo denominado processo de bottom-up. Atualmente, a forma mais comum de definir o processo perceptivo se dá no contexto dos processos bottom-up e o top-down (NEISSER, 1967; GREGORY, 1972, 1980; GIBSON, 1966, 1979; citado por EYSENCK; KEANE, 1994).

A elaboração cognitiva das amostras de estímulos que se processam nos órgãos dos sentidos é transmitida pelos centros nervosos e caracterizada pelos processos de seleção e codificação dos sinais (SONNENSCHEIN, 1987). A escolha e a interpretação das condições dos estímulos dependem da estrutura cognitiva da pessoa e da relação situacional (pessoa – meio ambiente – tarefa) em que ela se encontra, sendo assim, parte relevante de um processo psicológico ativo denominado percepção.

Para Roth (1986) a percepção se constitui um dos meios pelos quais a informação adquirida do ambiente através dos órgãos sensoriais é transformada em experiências de objetos, eventos, sons, gostos, imagens, etc.

A percepção é dependente, de forma complexa, das expectativas e do conhecimento prévio de quem percebe, assim como das informações disponíveis no próprio estímulo, da sua intensidade e qualidade.

O processo de percepção decorre da interação entre a pessoa e o meio ambiente (FIG. 02). A representação da pessoa no modelo cibernético desenvolvido por Sonnenschein (1987) é constituída pela inter-relação do conhecimento básico e aplicado, interagindo e relacionando informações dentro da estrutura do conhecimento, juntamente com a capacidade de percepção e o seu estado emocional atual.

FIGURA 02

Modelo do processo da Percepção (SONNENSCHEIN, 1987:46).

Estado Emocional Estrutura de Conhecimentos

Conhecimentos Básicos Aplicação dos Conhecimentos

Capacidade de Percepção

Capacidade de Seleção Capacidade de Codificação

PESSOA MEIO AMBIENTE

CONDIÇÕES

AMBIENTAIS

RELACIONADAS

À PERCEPÇÃO

O Modelo do Processo da Percepção

Outro processo cognitivo que se apresenta como importante na formação de um árbitro e com o qual este entra em contato na sua primeira etapa de formação e, talvez, o que mais o acompanha em toda sua carreira é o conhecimento. Esta é uma das estruturas que relaciona o processo de percepção à tomada de decisão. Uma pessoa só consegue perceber algo do qual ela tem conhecimento. Um árbitro só consegue perceber que foi ou não pênalti, por exemplo, se ele já traz consigo o conceito, o conhecimento, os padrões pré-estabelecidos pelas regras do que é ou pode ser considerado pênalti. Por isso, o conhecimento faz parte (deve fazer), desde os primeiros momentos, da formação de um bom árbitro e deve sustentar toda sua carreira.

Bergius (1985) define conhecimento como “uma representação de informações, que abrange aspectos específicos e gerais de uma determinada realidade ou fenômeno, que está armazenado nas estruturas da memória”. Quando o conhecimento corresponde ao saber fazer, isto é, ações motoras que estão ligadas diretamente com a formação de esquemas de comportamento, se designa conhecimento processual. A pessoa, muitas vezes, consegue fazer, porém não consegue explicar, verbalizar como realiza as ações. Assim, apresenta dificuldades no processamento da informação, geralmente não pode descrever este tipo de conhecimento, que está detido de forma unilateral na memória. Um goleiro sabe como defender aquela bola no ângulo superior direito com a mão contrária, mas nem sempre consegue, ou pelo menos é muito difícil explicar com os mínimos detalhes como ele faz a defesa, ele simplesmente consegue fazer!

O outro tipo de conhecimento é o conhecimento declarativo. É o que permite declarar, explicar, narrar como uma situação ou uma ação se constitui. O conhecimento declarativo corresponde ao saber como fazer, isto é, são informações codificadas, processadas, incorporadas na memória. Este tipo de conhecimento é de grande importância para os jogos esportivos coletivos principalmente nas configurações dos esquemas táticos. Na formação do árbitro, o conhecimento declarativo é adquirido na aprendizagem das regras do

jogo no curso específico, devendo ser transformado em conhecimento processual através da prática, ou seja, o árbitro começa a atuar, colocando em prática tudo aquilo que foi lido e ouvido. As pessoas, o árbitro, que detêm ambos os tipos de conhecimentos têm uma base sólida para sua ação, e para a interpretação objetiva das regras nas ações dos jogadores. No centro da experiência, os tipos de conhecimento interagem entre si, completando-se a todo o momento na atividade do árbitro.

O trabalho para a quantificação do conhecimento declarativo (PAULA, 2000; SOUZA, 2002) torna-se importante também no processo de seleção, detecção e acompanhamento de um talento esportivo, podendo contribuir para diminuir o tempo de formação do “expert”. Por exemplo, através das declarações de “expert referee” pode-se reconhecer e estabelecer padrões ou “sinais relevantes” daquilo que é importante perceber para tomar as decisões. Entendendo “expert referee” como alto nível de excelência esportiva. Assim, ao se ensinar a um novato o estímulo diferente significativo pode-se prever que este mesmo novato, então, conseguiria passar a perceber as mesmas informações, ou o conhecimento, sem ter que “gastar” o mesmo tempo para aprender e adquirir pelos mais experientes. Aprendendo com os experientes, os novatos poderão ater sua atenção a observar e perceber sinais e/ou padrões que sejam relevantes à tomada de decisão na situação. Nesta troca de experiência, os novatos aprendem com os mais experientes a reconhecerem padrões quase sempre explícitos, claros nas regras, mas que são percebidos com conhecimento.

A avaliação que o árbitro faz da situação está relacionada com suas vivências e conhecimentos (experiências), através dos processos subjetivos de avaliação (prospectivos e retrospectivos).

Intimamente relacionado com o conhecimento, encontramos a memória e o pensamento que formam a estrutura de processamento de informações. A memória se caracteriza por ser responsável pelo processo de armazenar informação em localizações e

setores específicos do córtex. Esta capacidade permite o indivíduo alterar, variar seu comportamento em função das experiências anteriores. A memória foi primeiramente postulada por alguns psicólogos como um sistema de múltiplos armazenadores (EYSENCK; KEANE, 1994). O modelo aceito universalmente é o de Atkinson e Shifrin (1971) composto de três armazenadores: os sensoriais, que são específicos à modalidade e sentido, e retêm a informação por um curto período de tempo; os de médio prazo, que têm a capacidade bastante limitada; os de longo prazo, com capacidade essencialmente ilimitada, que podem reter informação durante períodos de tempo extremamente prolongados.

Entre os processos cognitivos conscientes, a memória é a responsável pela transcrição dos fatos e situações que já transcorreram e os que estão acontecendo. Dois diferentes processos (EYSENCK; KEANE, 1994; GARDNER; COSTA, 1994; SCHMIDT, 1993) se inter-relacionam para proceder à recuperação da informação: a recordação e o reconhecimento. A recordação envolve os processos de busca ou recuperação que são sucedidos por um processo de tomada de decisão. Trata-se de produzir uma informação que deve ser lembrada, por exemplo, quem aprende a nadar, a andar de bicicleta, não se esquece dos mecanismos, da técnica de execução. Já no reconhecimento, o indivíduo deve decidir entre as relações das informações que se lhe apresentam, deve comparar, recordar se já as viu, à quais se assemelham etc. (GARDNER; COSTA, 1994). A memória de reconhecimento passa a ser importante nos esportes coletivos, pois estabelece as relações para a antecipação, a percepção e a procura de sinais relevantes. Desta mesma forma, na arbitragem, por exemplo, a memória trabalha no momento de reconhecer uma situação, uma jogada, uma ação esportiva que pode ser executada ou não pelos jogadores no jogo. E, juntamente com a memória de recordação, o árbitro pode tomar uma decisão mais rápida e eficientemente.

O pensamento, segundo Dorsch (1985), é a forma de elaboração e interpretação ordenada de informações. Através do pensamento os conceitos são formados. São operações

que tendem a solucionar problemas. Esta estrutura de processamento completa os processos subjacentes à TD e se apresenta de forma convergente e divergente. Para Guilford (1966) o pensamento convergente é exigido para resolver um problema que tem uma resposta definida ou uma hierarquia de alternativas de solução. Este tipo de pensamento é o que mais se assemelha ao pensamento que um árbitro deve ter. Mas, o árbitro deve estar sempre preparado para as criações ou inovações nas ações esportivas, principalmente as novas ações técnicas dos atletas. Para isto, o árbitro deve ter também um pensamento divergente que é caracterizado pelo tipo de pensamento menos analítico, o necessário para enfrentar um problema que pode ter várias respostas, mais ou menos certas, ou não ter uma única resposta correta. Como exemplo, a regra de handebol diz que o atleta só pode progredir com a bola na mão por no máximo três segundos e/ ou três passos. Sendo a maioria dos jogadores destros, o processo de progressão das passadas, normalmente se faz três em passos sendo: esquerda, direita e esquerda respectivamente. Se um atleta inova, foge de um padrão pré-estabelecido, faz uma seqüência diferente, como esquerda, direita e direita de novo, e o árbitro está pensando convergentemente não conseguirá perceber que o atleta não infringiu as regras e sim inovou, criou, uma técnica nova, então o árbitro marcará uma infração que na verdade não aconteceu.

Os fatores motivacionais de um árbitro para atuar em uma determinada partida interferem no seu nível de ativação. Quando uma partida é empolgante, motivante para um árbitro, ele consegue otimizar seu nível de ativação, conseguindo dirigir sua atenção, mantendo-se concentrado no jogo.

A atenção é entendida por Samulski (2002) como um estado seletivo, intensivo e dirigido da percepção. Para Greco (1999), a atenção faz parte da estrutura perceptiva que se encontra nos três processos cognitivos (atenção-concentração e distribuição; antecipação-imaginação e previsão; percepção-seleção e codificação) que interagem entre si, se

influenciam e condicionam-se, dependendo da forma ou momento em que direcionamos o foco da nossa atenção. Para Konzag e Konzag (1981), atenção pode ser entendida como um processo seletivo e regulado da consciência humana e que se diferencia em três tipos de concentração em relação à ação esportiva: atenção concentrativa – focalização da atenção em um determinado objeto ou ação, a capacidade de dirigir a atenção a um ponto específico (ex: atenção dos árbitros no momento da execução dos pênaltis ou sete metros); atenção distributiva – distribuição da concentração em vários objetos ou ações, sendo sua intensidade menor em comparação com a atenção concentrativa, pois são observados vários pontos ao mesmo tempo; alternância da atenção - a capacidade de orientar-se de forma rápida e adequada a situações complexas, por meio de uma boa adaptação da direção, da intensidade e do volume da atenção em virtude das exigências do meio ambiente.

Para um árbitro, a atenção ideal está muito relacionada com o nível do jogo que determina a exigência do meio ambiente, não podendo ser somente a atenção distributiva ou concentrativa, deve ser alternada em relação à situação. Se a focalização da atenção do árbitro estiver somente em um determinado ponto ou objeto (local da quadra ou atleta), sua capacidade de dirigir sua atenção estaria somente em um momento específico deixando de lado, fora do limite de sua percepção a continuidade da situação. A atenção de um árbitro também não deve ser dividida ou muita distributiva, ampliando sua concentração sobre vários pontos seqüenciais. O ideal da atenção do árbitro se faz entre a distributiva, que seria o jogo como um todo e a concentrada, que seria num momento de atenção restrita a um jogador sozinho com a bola, vindo em um ataque próximo da área, até o momento de concentração restrita, a bola no gol para conseguir perceber, por exemplo, se ela entrou ou não no gol.

A análise dos processos cognitivos da percepção do árbitro na prática exige um alto nível de reconhecimento de padrões estabelecidos pelas regras e pelas situações de jogo. A função do árbitro iniciante torna-se-ia menos árdua se possuísse os padrões para serem

reconhecidos já descritos como um “gabarito”, o que tornaria a avaliação dos árbitros, nas diversas categorias, mais objetiva.

Para a Psicologia Cognitiva, o reconhecimento de padrões envolve a identificação ou reconhecimento de estímulos bidimensionais e tridimensionais no meio ambiente (EYSENCK; KEANE, 1994). Mas, a falta de um “gabarito” para os árbitros é reconhecida como um dos maiores problemas para os pesquisadores interessados em reconhecer padrões, pois é difícil dar conta da impressionante flexibilidade do sistema de percepção do ser humano que enfrenta uma multidão de estímulos diferentes.

Mesmo com esta dificuldade de detalhar, gabaritar um padrão a ser reconhecido, um nível de padrões a ser reconhecido deve ser estabelecido de forma geral, mas, claramente, pois reconhecer padrões envolve a equiparação da situação/ ação extraída do ambiente comparada a informações armazenadas na memória. Este processo de interação, extração – equiparação, é dinâmico, contínuo e a relação do estímulo da situação com a memória, no momento da comparação, processa a decisão sobre qual a informação da memória de longo prazo se equipara melhor ao estímulo reconhecido.

É possível dividir o reconhecimento de padrões em reconhecimento de rostos, palavras, objetos, e assim por diante dentro das abordagens teóricas tradicionais de gabarito, protótipo, atributos e da gestalt (EYSENCK; KEANE, 1994).

Assim, o árbitro dos JEC deve ter especial atenção /concentração nas situações, pois existem muitos pontos relevantes, padrões de reconhecimentos que compõem uma situação de jogo. Em se tratando especialmente de que a situação/cena em que o observador-árbitro entrará também em movimento, o árbitro deve ter muita concentração para não decidir em uma situação/cena como se estivesse vendo uma foto. A cena/ situação é contínua, tem uma seqüência de acontecimentos que na foto não são revelados. Esta seqüência, ordem de acontecimentos/ ações define a qualidade da TD do árbitro no que se refere à seleção dos

acontecimentos dentro da própria seqüência. O árbitro deve ter muito controle de suas emoções (ansiedade/ estresse) para não tomar uma decisão sob parâmetros percebidos estaticamente como em uma foto.