• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2 REVISÃO DE LITERATURA

2.4 ESTRESSE

2.4.1 Estresse

“Depois de Brasil x Cuba, primeira vez que o Brasil consegue ganhar de Cuba na história da modalidade, em um ginásio lotado com quase cinco mil pessoas, a dupla de arbitragem entra no vestiário após o jogo, enquanto todos lá fora comemoram a vitória com aplausos, abraços, risos, autógrafos, um árbitro olha para o outro e um deles só consegue dizer: Acabou, nós conseguimos! E derramam lágrimas...”.

Que esportista é este que vibra sozinho pelo simples fato de ter conseguido terminar a partida? Como controlar tanta pressão emocional e ainda ter que decidir sobre as situações que definem os resultados, ou melhor, as emoções que cada equipe vai sentir? Que emoção é esta que não é pela vitória e nem pela derrota? É neste mesmo estado emocional que a pessoa tem que decidir em lutar ou fugir?

Segundo Hockenbury e Hockenbury (2003), emoção é um estado psicológico que envolve uma experiência subjetiva, excitação física e uma resposta comportamental ou expressiva. Para Strongman (1987), a emoção está associada com os sentimentos subjetivos - os sentimentos que são agradáveis ou desagradáveis, suaves ou intensos, e que realçam ou interferem com o próprio comportamento.

As emoções são percebidas pelas pessoas de forma diferente (subjetivo), aquilo que provoca um tipo de emoção em um, pode provocar outro tipo de emoção completamente diferente em outra pessoa. A característica do ambiente cultural interfere na forma de organização das emoções. Russell (1989) comparou os rankings emocionais de várias culturas diferentes e descobriu que as emoções percebidas pelas pessoas de diferentes culturas são de forma bastante semelhantes aos norte-americanos. Já Scherer e Wallbott (1994), citados por Hockenbury e Hockenbury (2003), descobriram um consenso entre as culturas no tocante à experiência subjetiva de emoções básicas como alegria, raiva, medo, tristeza, repugnância.

Dentro de qualquer sociedade cultural o esporte é um fator desencadeador de emoções, nem que seja para quem o pratica, o esportista. E segundo Samulski (2002), após uma análise da situação atual da investigação de emoções, chega-se à conclusão de que, são poucas as pesquisas sistemáticas com relação à importância das emoções no esporte.

A compreensão das emoções no esporte parte da análise de um contexto situacional de interação entre a pessoa, tarefa e meio ambiente. As funções básicas das emoções são de organizar, orientar e controlar as ações dos esportistas orientando e planificando na superação do fracasso e do êxito, e a de função energética e de ativação motivando para o rendimento e superação de metas.

As emoções podem ser diferenciadas entre positivas e negativas (DE PAULO, 1992; DIENER; EMMONS, 1984; HACKFORT, 1993; HANIN, 1999; NITSCH, 1985; SAMULSKI, 2002; dentre outros). Emoções positivas são as experimentadas com sensações de alegria, felicidade, satisfação, orgulho, realização. Já as emoções ditas como negativas são relacionadas às experiências que levam a sentir medo, ansiedade, raiva, tristeza, chateação, aflição, tensão. Quando as emoções são comparadas, elas podem ser organizadas em duas dimensões: quão agradáveis ou desagradáveis elas são, e o grau de excitação que elas provocam (HOCKENBURY; HOCKENBURY, 2003). Como exemplo, as emoções menos agradáveis e de menos excitação são: chateação, cansaço, tristeza, depressão; menos excitação e mais agradáveis: felicidade, calma, satisfação, relaxamento, contentamento; mais agradáveis e mais excitação: alegria, estímulo, excitação, choque; e mais excitação e menos agradáveis: medo, tensão, aflição, irritação, raiva .

As emoções percebidas no esporte têm uma relação com o nível de rendimento, mas não uma relação simples de um “U” invertido (HANIN, 1999). Esta relação deve ser analisada em nível mais profundo, considerando os aspectos descritos por Nitsch (1985):

- Em que situação ela é percebida? (constelação pessoa-meio ambiente-tarefa); - Que efeito? (positivo ou negativo);

- No rendimento? (qualidade/ quantidade, gasto/ efeito).

Estas perguntas são bases para regulação e otimização do rendimento nas fases competitivas em que as emoções são percebidas, interferindo no rendimento de forma positiva ou negativa: pré-competitiva, durante a competição e após a competição.

O objetivo deste capítulo, em abordar o tema das emoções no esporte, se faz na comparação de dois modelos tridimensionais que tratam de emoções e estresse como produtos de um processo de interação entre os mesmos sistemas: psíquico, social e fisiológico/ biológico. Não se pretende aqui classificar o estresse como uma emoção, negativa ou mesmo positiva, mas, sim, deixar claro que, dentro do contexto subjetivo do estresse, na configuração do ambiente e pela característica da tarefa, o mesmo estímulo (estressor) que altera o nível de rendimento de uma pessoa para cima, para melhor, pode inibir ou diminuir o nível de rendimento de outra. A base da percepção do estímulo está no conhecimento e na experiência em lidar (coping) com a tarefa, no ambiente numa dada situação, como já exposto nos capítulos anteriores (teoria da ação e percepção).

O ponto comum na relação entre estresse e emoção se encontra no nível de ativação que pode ser alto ou baixo, mas que tem uma zona ótima entre as extremidades, onde se encontram a alta performance, o equilíbrio, a estabilização, a regulação, substantivos estes presentes nas definições de estresse e emoções.

Para Weinberg e Gould (2001), ativação (arousal) é em geral uma ativação fisiológica e psicológica variando de um contínuo do sono até a excitação intensa. Cada esportista com suas características pessoais, para Hanin (1997; 1999) no modelo chamado individualized zones of optimal functioning (IZOF,) possui uma zona ótima de estado de ativação na qual

produz seu melhor rendimento. Fora desta zona ótima de ativação, os níveis de rendimento são baixos.

Assim então, para Hackfort (1993) emoção é um sistema complexo de inter-relações entre o sistema psíquico (processos cognitivos), o sistema fisiológico (nível de ativação) e o sistema social (relações sociais). Para Nitsch (1981), o ponto principal da análise do estresse é o organismo, a personalidade ou o sistema social, podendo compreender o conceito de estresse como um produto tridimensional, ou seja, biológico, psicológico e social (FIG. 08). Para os dois autores os processos sociais e psicológicos são os preferencialmente considerados numa interdependência mútua e que, por sua vez, influenciadores no processo biológico.

FIGURA 08

Estresse como produto tridimensional (NITSCH, 1981, p. 53).

Atualmente, na sociedade brasileira, as pessoas, no senso comum, abordam sintomas de cansaço, trabalho em demasia, falta de tempo, ou mesmo a chamada popularmente correria do dia-a-dia, sempre dizendo “estresse”. Segundo De Rose Jr. (2002) estresse é, muitas vezes, confundido e vinculado a outros aspectos como a ansiedade, o conflito, a frustração, o distúrbio emocional, o trauma e a alienação.

Sistema Social “Grupos/organização”

Sistema Psíquico

“Personalidade”

Sistema Biológico

“Organismo”

ESTRESSE

Para De Rose Jr. et al (2002), o estresse, diferente do que se possa imaginar, não atinge somente pessoas de um determinado nível social, econômico ou mesmo escolar. É um fenômeno que está presente em muitos momentos da vida das pessoas, em diferentes atividades, em qualquer idade e outras condições pessoais. Para Samulski e Noce (1999), estresse, em certa medida, faz parte da vida para manutenção e aperfeiçoamento da capacidade funcional, autoproteção e conhecimento dos próprios limites.

Segundo Levi (1972) e Selye (1981), citado por Samulski (2002) estresse pode ser compreendido como a totalidade das reações de adaptação orgânica, as quais objetivam a manutenção ou restabelecimento do equilíbrio interno e/ ou externo.

Para o desencadeamento de qualquer reação, que poderá ser compreendida em uma dada situação como estresse, é necessário que se tenha um estímulo. Este estímulo é o estressor. Um estressor é qualquer coisa do ambiente que tira o corpo da homeostase e a resposta ao estresse é uma série de adaptações fisiológicas que culminam com o restabelecimento do equilíbrio(SAPOLSKY, 2003).

A resposta ao estressor corresponde a um conjunto de mudanças hormonais (catecolaminas e corticosteróides), dentro de uma estimativa de ameaça – resposta lutar ou fugir (CANNON, 1932, citado por HOCKENBURY; HOCKENBURY, 2003). Estes hormônios agem em velocidades diferentes em antecipar ou avaliar a situação. A adrenalina age na ação, no fazer e os glicocorticóides desenham, planejam o esforço na situação (SAPOLSKY, 2003).

Nas pesquisas de Selye (1956, 1976) citado por Hockenbury e Hockenbury (2003), descobriu-se a segunda via endócrina (corticosteróides) que é ativada quando lidamos com estressores prolongados ou crônicos. Com base nestes achados desenvolveu-se a Síndrome da Adaptação Geral – SAG que possui três estágios (SELYE, 1976, 1981, citado por

HOCKENBURY; HOCKENBURY, 2003 e SAMULSKI, 2002): fase de alarme, fase de resistência e fase de esgotamento.

A liberação das catecolaminas pela medula supra-renal ocorre durante a fase de excitação intensa no início da fase de alarme, mobilizando recursos físicos internos para atender à demanda da situação estressante.

Na fase de adaptação, o corpo ativamente tenta resistir ou ajustar-se à situação de estresse contínuo. Os sinais corporais característicos da reação de alarme desaparecem totalmente, e a resistência eleva-se acima das condições normais, e a resistência a novos estressores é enfraquecida.

Na terceira fase, os sintomas da fase de esgotamento reaparecem, mas agora de forma irreversível. O esgotamento aparece à medida que as reservas de energia do corpo são reduzidas, levando aos distúrbios físicos e eventualmente à morte.

Esta visão biológica do estresse deve ser pensada numa dependência recíproca entre o sistema psíquico e o social, lembrando estresse como produto tridimensional.

A interação das pessoas com seus contextos ambientais e a relação entre os fatores externos são causas de estresse que pode ser compreendido como uma das duas classes mais comuns de transtornos psiquiátricos: a ansiedade e a depressão, cada um afetando, anualmente, cerca de 20 milhões de americanos (SAPOLSKY, 2003). Assim, podemos perceber o alcance do estresse na sociedade e seu estudo como patologia pela psiquiatria.

Da linguagem psiquiátrica e cotidiana, caracterizada pelos estados de excitação e tensão emocional partiu a pesquisa do estresse psicológico (SAMULSKI; NOCE, 1999). A primeira aplicação psicológica do termo ocorreu a partir de estudos com militares, mostrando que os efeitos do estresse no desempenho de soldados em combate poderiam aumentar a vulnerabilidade às lesões ou até mesmo à morte e enfraquecer o potencial de combate individual ou do grupo (LAZARUS; FOLKAM, 1986 citado por DE ROSE JR et al, 2002).

As modificações do bem-estar decorrem das funções cognitivas e da execução da ação. O aspecto central ficou relacionado com os processos de aprendizagem influenciados pelas estruturas cognitivas e motivacionais (SAMULSKI, 2002). As decisões sobre o nível de importância de uma situação são pré-formadas através de processos de aprendizagem e de acordo com o estado atual da motivação.

As descrições sobre o fator psicológico do estresse estão envolvidas na subjetividade da análise do estressor na situação, com base na percepção (conhecimento e experiência). A forma que cada um vê, se relaciona, lida (coping) com o estímulo, estressor que aparece em um determinante momento, fica registrada na memória, e o mesmo estímulo em outra situação (ou na mesma) pode ser observado como conseqüência do primeiro estressor. As situações em que o estresse não foi bem controlado e que registrou algo como ameaçador ou fator difícil de controlar, de dominar a situação pode ser estresse do próprio estresse, ou seja, conseqüência do estresse (FIG. 09).

FIGURA 09

Estrutura básica do estresse psicológico (NITSCH, 1981, p. 89).

Pioneiros no estudo do estresse descrito por Sapolsky (2003) nas décadas de 50 e 60 começaram a identificar facetas importantes do estresse psicológico. Descobriram que o

Processos Subjetivos de Avaliação (prospectiva / retrospectiva)

Estímulos

de Estresse

Estresse

Reação

estresse se torna exacerbado, se não houver uma saída para a frustração, um sentido de controle, suporte social e a impressão de que alguma coisa melhor poderá acontecer. O controle ou domínio da situação estressante acontece na avaliação subjetiva do sujeito em ter alternativa, em acreditar que ele pode, por exemplo, diminuir o volume apertando um botão, a qualquer momento, quando exposto a um barulho alto e doloroso.

Os componentes dos processos de avaliação subjetiva (cognitive appraisal ) não atuam somente como intermediários na seqüência do estresse, pois podem interferir na estrutura temporal. A relação da avaliação do que pode ser feito, antecipando a situação futura, avaliação prospectiva, com as reflexões dos acontecimentos vivenciados em situação de estresse passada, avaliação retrospectiva, resultam nos processos subjetivos de avaliação.

Suponha-se que não existam facilidades neste processo, e que não existam alternativas viáveis, então, as ameaças repetidas podem exigir vigilância repentina. Em algum momento, essa vigilância pode tornar-se super generalizada, levando o indivíduo a concluir que ele precisa se manter sempre em guarda – mesmo na ausência do estresse. É assim que se adentra no reino da ansiedade (SAPOLSKY, 2003).

Para Hackfort e Schwenkmezger (1993), a ansiedade é considerada uma emoção típica do fenômeno estresse, entendendo emoção como um processo em que os aspectos cognitivos, motivacionais, volitivos e neurofisiológicos interagem.

Segundo Spielberger (1989), o conceito de estresse e ansiedade pode ser dividido em três elementos: o estressor, estímulo objetivo, real, presente na situação, com circunstâncias caracterizadas por algum nível de perigo físico ou psicológico; a avaliação da situação como perigosa ou prejudicial ao indivíduo acontece pela percepção de ameaça do estímulo subjetivo; através da reação emocional, que consiste de sentimentos de tensão, apreensão, nervosismo, preocupação e nível de ativação (arousal), instaura-se a ansiedade de estado, vivenciada subjetiva e conscientemente.

O mesmo autor classifica a ansiedade diferenciando-a em ansiedade de traço e ansiedade de estado. De acordo com Hackfort e Schwenkmenzger (1993), ansiedade de traço (trait anxiety) “é definida como predisposição adquirida no comportamento, independente do tempo, que provoca um indivíduo a perceber situações objetivamente não muito perigosas como ameaça, ou seja, tendência para perceber um amplo espectro de situações perigosas ou ameaçadoras”. Ansiedade de estado (state anxiety) “pode ser descrita como sentimentos subjetivos percebidos conscientemente como inadequados e tensão acompanhada por um aumento da ativação (arousal) no sistema nervoso autônomo, ou seja, uma condição emocional temporária do organismo humano que varia da intensidade e é instável no decorrer do tempo”.

Assim, o desafio dos pesquisadores de estresse é o desenvolvimento de um conceito mais explícito em que se separa ansiedade de estados afetivos negativos (ex: medo), estes como efeitos que debilitam o rendimento, do estado afetivo positivo (desafio, autoconfiança) este facilitando o rendimento (BURTON; NAYLOR, 1997 citado por LONSDALE; HOWE, 2004). O primeiro passo neste processo é fazer a distinção entre o desafio e avaliação da ameaça/estresse (LONSDALE; HOWE, 2004).

Um outro fator de análise do estresse é o contexto social originando o estresse social que Samulski (2002) define como reações ligadas ao aspecto social e, por outra parte, com a competência social para o controle do mesmo. A configuração do ambiente social que contém numerosa quantidade de estressores resulta, por conseqüências reflexas, nas condições culturais e socioeconômicas da vida e do trabalho das pessoas desse ambiente.

A influência dos fatores culturais, assim como mudança sociocultural tem indicado uma relação com os acontecimentos do estresse (NITSCH, 1981). No processo de aprendizagem social são estudados padrões de comportamento, os quais estruturam a percepção subjetiva de si mesmo e do meio ambiente, assim como a relação entre eles.

O estresse social chama a atenção para a importância das sanções, normas e valores embutidos na caracterização da ação ou papel (função, profissão) dentro da sociedade. Esta avaliação que o outro pode ter de você cria uma imagem das capacidades e habilidades de interagir com as exigências dos grupos de relacionamento: família, escola, trabalho dentre outros.

Segundo Nitsch (1981), o estresse pode originar-se especialmente de prejuízos sociais, de determinados motivos individuais, como também da influência negativa das auto-avaliações:

• Quando não se consegue, através da comparação social, realizar uma exata auto-avaliação;

• Quando se prejudica a sua auto-realização, por exemplo, através da dificuldade da ascensão social, coloca-se em perigo um melhoramento da auto-avaliação;

• Quando se é impedido de alcançar sua auto-avaliação para o correspondente comportamento e conseqüentemente a auto-avaliação (confirmação).

Para Samulski (2002), estresse social é quando se limita uma pessoa socialmente à sua identidade, mas quando ela é ameaçada na sua existência social, sua competência social e identidade são influenciadas negativamente.

A mesma sociedade que pode ser causadora de estresse pode conter alguns fatores redutores do estresse baseados no nível das relações sociais: informações que outras pessoas passam de uma forma clara e precisa dando um apoio instrumental; ou mesmo, a segurança/ tranqüilidade que uma pessoa competente pode transmitir com sua presença. De conversas com amigos, compartilhando os anseios, poderão vir informações de ajuda como um apoio social. Avaliar o estresse, comparando-o com uma situação já vivenciada ou exemplificada, faz a relativização do estresse através da comparação social.

Concluindo, segundo esta abordagem tridimensional do estresse, os fatores que desencadeiam esse processo são biológicos, psicológicos e sociais. Mas, será que o estresse percebido por uma pessoa, caracterizada na sociedade pelo contexto de sua prática (tarefa e ambiente), poderá ser compreendido como somente bi fatorial, sendo o geral para as situações vivenciadas também pela sociedade como um todo e o específico pelas atribuições de sua tarefa no dado ambiente? Ou estresse é somente estresse e mais nada?