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Capítulo 2 REVISÃO DE LITERATURA

2.3 A ARBITRAGEM DOS JOGOS ESPORTIVOS COLETIVOS

2.3.1 Os Árbitros

Para se conseguir entender o que significa ser árbitro seria necessário primeiro entender o que é arbitragem. O dicionário brasileiro da língua portuguesa O Globo (1993) define arbitragem como um substantivo feminino que significa arbitramento; julgamento feito por um ou mais árbitros; ato de dirigir qualquer jogo esportivo. Arbitragem é mediação imparcial para resolução de um litígio; jurisdição exercida por juízes não profissionais; tarefa exercida por aquele que faz cumprir as regras de um encontro desportivo.

Becker Júnior (2000) cita arbitragem como um corpo teórico composto por um conjunto de regras e normas impressas em um código. Por sua vez, De Rose Jr (2002) comenta que a arbitragem é, sem dúvida, um dos aspectos mais polêmicos de uma competição esportiva, sendo citada por atletas e dirigentes como responsáveis por seus insucessos e fonte de estresse.

Nas federações e confederações, entidades responsáveis pelo gerenciamento de cada modalidade nos estados e respectivamente no país, a arbitragem é normalmente um departamento composto por oficiais de arbitragem que são coordenados por uma pessoa que já exerceu ou que ainda exerce a função de árbitro, e/ ou que tem conhecimento das atribuições do mesmo.

Na organização de uma partida, dentre os membros da equipe de arbitragem, existem funções específicas que os diferem em determinados “cargos”. Os responsáveis pelo registro teórico dos gols, faltas e punições em um jogo são denominados secretários ou anotadores. Os que controlam a duração da partida (com exceção do futebol de campo) com suas paradas de tempo (time out), entrada e saída de jogadores de uma suspensão temporária do jogo ou substituições e principalmente o término da partida são os cronometristas. Os responsáveis por estas funções atuam fora de campo/ quadra de jogo, mas junto a linha lateral e dentre estas e outras funções auxiliam os então chamados árbitros.

No dicionário Aurélio (FERREIRA, 2001), árbitro é definido como “a pessoa que resolve uma questão ou litígio, por consenso das partes litigantes; juiz. Autoridade suprema; senhor absoluto; o que serve de modelo ou exemplo; aquele que dirige um prelo esportivo”. O mesmo dicionário diz que o árbitro dirime questões por acordo das partes litigantes ou por designação oficial, o que na prática normalmente acontece. O árbitro é aquele que as partes litigantes nomeiam de comum acordo para resolver o pleito; aquele que pode resolver discricionariamente; senhor absoluto; indivíduo que, em competições desportivas, fiscaliza a observância das respectivas regras, intervindo sempre que estas sejam violadas; avaliador; louvado.

Considera-se árbitro aquele que dirige questões por acordo das partes designadas (SAMULSKI; NOCE, 2003). É o árbitro a pessoa no cenário esportivo que controla e executa na prática o regulamento, como elemento inerente da prática do esporte (GARCÍA, 2003).

O processo de formação do árbitro dos JEC é muito diferente daquele que um atleta deve percorrer, além de ter que ser um esportista tanto quanto o atleta. Para uma pessoa ser árbitro, a capacidade biotipológica (genótipo e fenótipo) que é determinante na escolha de uma modalidade. Não é determinante, por exemplo, para que um árbitro de basquetebol ou voleibol seja necessariamente alto. Muito tampouco ter capacidade técnica e domínio dos elementos e fundamentos do jogo, fatores que são determinantes do rendimento. Por exemplo, um treinamento da coordenação motora para uma técnica eficiente não precisa ser um aspecto relevante na sua sessão de treinamento.

Rodrigues; Ascanio (2002) estudaram as razões que levam árbitros de futebol decidir, começar, manter e mudar a prática da arbitragem. Os autores utilizaram um questionário MIMCA (Mantenimiento, Cambio y Abandono) administrado para 121 árbitros de diferentes categorias. As principais razões declaradas pelos árbitros para iniciarem a prática da arbitragem foram: “conseguir certas metas”, “divertir-se”. Entre os motivos para continuar na arbitragem, foram citados os relacionados com o desfrute da atividade, o relacionamento com o grupo e com o conhecimento técnico da arbitragem. As razões que poderiam levar a parar ou mudar para outra atividade são as relacionadas à falta de apoio dos dirigentes de arbitragem, as interferências com estudo e trabalho e as lesões.

Os pré-requisitos para uma pessoa comum se tornar um árbitro são basicamente, ter, no mínimo 18 anos de idade, o ensino médio como grau de escolaridade e efetuar o pagamento e freqüentar o curso de formação. Geralmente esse curso é composto, em sua essência, pelo conteúdo das regras oficiais de cada modalidade, e pelo regimento interno do quadro de oficiais onde se tratam as normas, os direitos e deveres de um árbitro. Após o término do curso, é feita uma prova teórica e o candidato a árbitro já se integra ao quadro de oficiais de arbitragem da federação estadual na respectiva modalidade. Em algumas federações, os árbitros devem cumprir um tempo de estágio na(s) função(ões) escolhida(s),

contabilizado como número de jogos. Esse estágio não é renumerado e somente depois de cumpri-lo, o árbitro começa a receber pelo seu trabalho. Em algumas federações/ modalidades existe também a exigência de bons antecedentes de conduta cívica e atestado médico para a prática de atividade esportiva.

Nos muitos cursos de formação de professores e profissionais de educação física, dentro das disciplinas relacionadas ou inerentes aos JEC, árbitros são convidados para explicar/ ministrar o conteúdo das regras do jogo; o qual geralmente está contido nos planos de cursos de cada modalidade. Essa iniciativa contribui para todo o sistema esportivo e principalmente na formação do primeiro árbitro – o professor - dentro do processo de ensino-aprendizado-treinamento dos JEC. Isso tendo em vista que não é necessário ser profissional de educação física para ser árbitro, mas todo processo de aquisição de conhecimento específico ou geral contribui para a formação de um bom árbitro.

Nos programas dos cursos que perfazem o processo de formação e de mudança de categoria de um árbitro não se encontra presentes conteúdos que subsidiam uma das principais exigências de sua função, a capacidade física. Estudos com temas na área da fisiologia do exercício do árbitro já se mostram presentes em publicações específicas (SILVA et al, 2001a, 2001b, 2003a, 2003b, 2004).

Nas modalidades em que os árbitros necessitam acompanhar os atletas por todo espaço de jogo (handebol, futebol de campo, basquetebol, futsal), não é exigido, no ingresso de sua carreira, nenhum teste de condicionamento físico. Nas federações pesquisadas destas modalidades, os pré-requisitos para a mudança de categoria são definidos no regimento do quadro de árbitros. Mas os testes exigidos de capacidade física (quando a modalidade exige) principalmente de resistência aeróbia, são com medidas referenciais de atletas, e são considerados como o fator mais preocupante para os árbitros e, muitas vezes, o que mais reprova candidatos na ascensão a categorias de maior nível.

Quando um árbitro é convocado/ convidado a atuar em uma competição internacional de handebol, por exemplo, ele que já compõe o quadro de árbitro da respectiva federação internacional daquela modalidade e conseqüentemente da confederação do país, tem suas capacidades técnicas e físicas avaliadas para o qualificarem à participação naquela competição. Assim, no handebol, a dupla de árbitros recebe o convite/ convocação com a data em que deve se apresentar no local da competição. Antes do início da competição, todas as duplas passam pelo processo de avaliação que contém vários tipos de provas sobre os conhecimentos das regras, das técnicas e mecânica de arbitragem, da aplicação das regras em situações variadas e de condições físicas (resistência aeróbia). Se um dos árbitros da dupla obtiver um aproveitamento menor que 75% em qualquer uma das provas, a dupla é dispensada e retorna ao seu país ainda tendo que assumir as despesas de sua viagem.

Mas, em análise realizada sobre os fatores que influenciam a prática da arbitragem (TUERO et al, 2002) os itens mais valorizados foram “concentração e atenção”, “capacidade de autocontrole”, “capacidade de resolver dificuldades” e “conhecimento das regras vigentes”. Entre os árbitros de mais experiência, os itens “ansiedade”, “atenção e concentração”, “capacidade de resolver dificuldades”, “auto-instrução”, “imaginação, capacidade de visualizar movimentos”, e “posicionamento em campo” foram estabelecidos nesta ordem.

Nos cursos de formação e de mudanças de categorias, nem mesmo são mencionados os aspectos ou conteúdos como das capacidades psíquicas (cognitivas e emocionais), inclusive de informações de como lidar com as emoções, visto que o árbitro é um ator que se relaciona com emoções do esporte, pois é ele quem avalia e determina as atitudes comportamentais, condições do atleta dentro da competição, além de lidar com torcedores dominados por emoções contraditórias, diretas ou indiretamente (SAMULSKI; NOCE; COSTA, 1999).

O que favorece a diferenciação entre os árbitros é seu nível de experiência, o que não se consegue somente com o tempo de prática em uma atividade, e sim como resultante de uma tríade entre:

a) tempo de prática; b) nível da prática;

c) orientação para a prática.

A experiência na carreira de um árbitro é muitas vezes definida pela categoria na qual ele é habilitado a exercer a função. Em cada federação existe um regimento que traça as normas que definem os pré-requisitos para o árbitro mudar de categoria. Infelizmente pode-se observar que os parâmetros utilizados para a categorização dos árbitros dentro de cada entidade gerenciadora da modalidade, sejam elas estaduais, nacionais ou internacionais, ainda não apresentam abrangência, objetividade, confiabilidade e fidedignidade necessárias. Constata-se esta afirmativa pela ausência de avaliações objetivas ou pelo menos quantificadas em pesos ou percentuais divididos entre as capacidades inerentes ao rendimento da arbitragem até mesmo pelo fato das reais capacidades inerentes ao rendimento do árbitro ainda não terem sido quantificadas em estudos científicos. As provas para mudanças de categorias são normalmente traçadas pelos conteúdos técnicos teóricos, e/ou pelas capacidades físicas, quando acontecem, pois existe a indicação do diretor/ coordenador de arbitragem através de análises subjetivas freqüentemente não registradas ou apoiadas em procedimentos, como já afirmado, fidedignos e objetivos.

Quando um árbitro chega à categoria internacional o mesmo atuou anteriormente em categorias estaduais e nacionais com nomes e fases similares a: estagiário, aspirante, amador, estadual, regional, nacional, profissional e então internacional. Todas essas categorias tentam quantificar e qualificar o nível de experiência/ rendimento do árbitro que está em direta

relação com o nível das partidas – isto é, nível de exigência e responsabilidade – para as quais ele será escalado para atuar.

No cotidiano, um árbitro leva uma vida profissional indiferente da arbitragem. A arbitragem não é uma profissão, mas uma função que requer muito profissionalismo. Na Federação Mineira de Futebol de Campo é necessário que o árbitro comprove ter um vínculo empregatício, um emprego para que o mesmo possa atuar pela Federação. Isto objetiva caracterizar que o trabalho do árbitro é puramente como uma atividade não profissional, uma função extra. Mas em outras modalidades essa obrigatoriedade não se faz presente, levando várias pessoas/ árbitros a dedicarem muito tempo de disponibilidade à Federação na qual se inscrevam, sendo que, em muitos momentos, recebem valores financeiros altos, que podem ser suficientes para o sustento de suas famílias.

No exercício da sua função, os árbitros têm uma função semanal que consiste em receber sua escala. Cada federação tem uma forma específica para a entrega da escala ao árbitro. Em todas as escalas observa-se o dia, o horário, o local do jogo, os companheiros/ parceiros com quem vai atuar. No momento em que o árbitro toma consciência de sua escala começam então seus direitos, deveres, funções e também todo seu poder discricionário. Poder este sem restrições, arbitrário, caprichoso, ilimitado.

Toda carga psíquica da função de um árbitro começa a ser percebida antes mesmo de receber a sua escala e, nem sempre termina com o apito final da partida. Essa carga apresenta componentes psicofísicos e sociais que alteram e transformam a capacidade de interação e adaptação da pessoa/ árbitro com seu ambiente familiar e social (capacidade sócio-ambiental). O meio ambiente muitas vezes é formado por pessoas vinculadas ao próprio esporte, pois os árbitros podem ser oriundos da vivência de ter uma passagem como atleta da mesma modalidade em que ele atua.

Entretanto, a formação e futura atuação do árbitro devem ser estruturadas em processo de desenvolvimento das capacidades inerentes ao rendimento esportivo. O desenvolvimento destas pode ser considerado como similar ao dos atletas. O conjunto de capacidades que conduzem um bom árbitro no desempenho da sua função é implícito no rendimento esportivo, nas diferentes modalidades.

Defendendo o esporte como manifestação da cultura de uma sociedade, é importante refletir sobre os componentes interferentes nos participantes principais e coadjuvantes deste cenário. O papel do árbitro esportivo é imprescindível neste contexto, visto que sua ausência desvirtua o caráter competitivo e regulador desta prática, sendo impossível entender o esporte formal de competição, se esse carece de regulamentações ou de uma pessoa que exerce a função específica. Portanto, em considerar o esporte, destacam-se os árbitros, do contrário poderíamos falar de atividade física ou exercício físico, mas nunca de esporte (GARCÍA, 2003).