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A DEFINIÇÃO DE EVANGELIZAÇÃO

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1 UMA UNIDADE COM RACHADURAS EXPOSTAS

1.4 A DEFINIÇÃO DE EVANGELIZAÇÃO

Com relação à evangelização, McGravan estabelece a seguinte definição: “Evangelization intends the redemption of individuals and the multiplication of Christ’s churches” (McGRAVAN, 1990: 24) que em seu conteúdo não é muito diferente de sua definição de missão, ou mesmo de evangelismo, em ambas as definições estão abrangidos dois aspectos: 1. a conversão de indivíduos, e 2. o crescimento do número de igrejas. Para ele, realizar missão e realizar evangelização são uma mesma coisa. Mais uma vez o foco de seu pensamento se encontra na extensão da igreja no mundo.

Reforçando esse entendimento está a definição, segundo o glossário de termos do movimento do crescimento de igrejas constante no livro editado por Peter Wagner15, que

15 WAGNER, C. Peter; ARN, Win; TOWNS, Elmer. Church Growth: State of the Art. Tyndale House Publisher:

determina que a evangelização deve estar focada na incorporação de pessoas convertidas a uma igreja.

Essa conversão decorre da persuasão do indivíduo para a fé cristã e tem um papel determinante em sua fé, ou seja, é o convencimento racional do indivíduo que ocupa lugar de predominância no acontecimento. E esse acontecimento deve andar lado a lado com a incorporação desse individuo a uma igreja, pois assim o reino de Deus aumenta em sua extensão no mundo e cada vez mais pessoas poderão ser convertidas, pois replicarão o modelo de convencimento.

Já, para Padilla, a evangelização tem um propósito que vai além de uma experiência subjetiva de salvaguarda da vida eterna, mais que a persuasão do indivíduo ao aceite verbal de uma lógica doutrinária, teológica. A evangelização, para Padilla, como percebe-se na citação abaixo, tem a ver como o reino de Deus e o seu estabelecimento em oposição aos reinos do mundo.

“O propósito da evangelização é, portanto, conduzir o homem não meramente a uma experiência subjetiva de salvação futura da alma, mas a uma reorientação radical de sua vida, a uma reorientação que inclui sua libertação da escravização ao mundo e seus poderes, por um lado, e sua integração ao propósito de Deus de colocar todas as coisas sob o governo de Cristo, por outro”. (PADILLA, 2014: 67)

É a realização de um testemunho que leva os indivíduos a uma reorientação de vida, a uma posição de inconformidade em relação aos padrões do mundo, ou seja, a evangelização é uma tomada de posição e, essa posição é em favor da governança de Cristo e promove a libertação da escravidão do mundo. Portanto, não é algo meramente subjetivo, mas objetivo por ser promotor de mudança de vida e na vida.

Além disso, a evangelização, que é o testemunho do evangelho de Cristo, não é, para Padilla, algo dirigido ao homem isolado, chamado a responder a Deus sem outra referência que

não a si próprio, mas sim, ao homem em relação a toda a criação e nela se realiza pelo que Padilla chama de ‘reorientação radical de sua vida’. Esses são os primeiros frutos do reino de Deus e esses frutos são objetivos, no sentido de que se expressam exteriormente e não somente no interior do indivíduo.

Padilla se coloca em oposição a uma evangelização que tem como principal preocupação o crescimento numérico de igrejas e não a ação para a transformação da vida em conformidade com a vida de Cristo. Para ele, uma igreja somente preocupada em crescer está, na verdade, ‘acomodada com o mundo’. Como assevera em sua crítica:

“Para acompanhar um evangelho truncado, temos uma metodologia de evangelização que mecaniza o ingresso das pessoas à igreja. Se na sociedade de consumo o único interesse é o constante incremento da produção, entende-se que na religião de consumo se dê prioridade ao crescimento numérico da igreja (...) A conversão não é uma mudança de religião na qual a gente se torna adepto de um culto, mas uma reorientação do homem total em relação a Deus, aos homens em relação à criação. Não é o simples acréscimo de padrões impostos sobre velhos padrões – a frequência à igreja, a leitura bíblica e a oração – mas uma reestruturação de toda a personalidade, uma reorientação de toda a vida no mundo”. (PADILLA, 2014: 95, 79)

Para o teólogo protestante latino-americano, esse entendimento de uma evangelização focada no aumento numérico da igreja é, na verdade, a faceta de um cristianismo moldado nos padrões de uma sociedade de consumo e que em nada se assemelha ao evangelho de Cristo, que está mais preocupado em ser oposição ‘aos poderes das trevas’ que comandam este mundo.

Há, portanto, duas maneiras de se conceber o ato da evangelização e, por conseguinte, duas formas de se conceber a realidade da igreja, como bem salienta Padilla, utilizando-se das palavras do teólogo católico latino-americano, Juan Luis Segundo:

“Existe aqui um fato evidente: há duas maneiras de contar os cristãos. Uma parte, para fins estatísticos, do limite mínimo: batismo, alguma prática sacramental, adesão ao cristianismo expressa em censos e ausência de heresias

no sentido de proposições já condenadas no Denzinger16. A outra maneira conta aqueles cristãos dispostos a levar a mensagem ao restante da sociedade, a suportar vitoriosamente o contato com outras ideias e concepções da vida, e a comprometer-se com uma transformação global da sociedade de acordo com a revelação de Cristo”. (PADILLA, 2014: 95)

É interessante observar que mesmo entre duas realidades teológicas distintas, como a católica e a protestante, há pontos comuns de enfrentamento com posições assemelhadas, como a que se percebe na concepção de uma realidade cristã observada a partir da técnica e outra a partir de uma realidade mais pessoal e de um compromisso mais objetivo de vivência de fé.

O conflito entre McGravan e Padilla não é um conflito entre optar por uma abordagem mais quantitativa ou mais qualitativa, respectivamente, da evangelização, do evangelho ou da conversão. Padilla mesmo não tem nada contra maiores quantidades numéricas de conversões. O que está em pé de discussão é a própria sujeição do cristianismo a uma cultura da sociedade de consumo que não é própria de si e que tem a evangelização como uma ferramenta para produção de mais adeptos religiosos, em menos tempo e com um melhor custo-benefício.

Por fim, com o intuito de trazer luz ao assunto, ressalta-se a palavra de David Bosch, citada por Padilla, em que profere uma definição sobre o que vem a ser evangelização. De uma maneira bastante conciliatória, o teólogo protestante sul-africano procura dar uma abrangência ao termo, tentando convergir as posições que aqui foram expostas e que se pode notar pela relação entre as palavras: “palavras e ação”, “Salvador e Senhor”, “membro vivo de sua comunidade e preparar-se para seu serviço de reconciliação, paz e justiça na terra”.

“Aquela dimensão e atividade da missão da igreja que, por meio de palavras e ação, à luz de condições particulares, e um contexto específico, oferece a cada pessoa e comunidade, onde quer que seja, uma oportunidade válida para ser desafiada diretamente a uma orientação radical de vida. Esta reorientação implica aspectos tais como ser liberada da escravidão e de seus poderes, abraçar a Cristo como Salvador e Senhor, chegar a ser um membro vivo de sua comunidade, a Igreja, preparar-se para seu serviço de reconciliação, paz e justiça

16 Nome comumente dado ao manual de credos e definições católico, Enchiridion Symbolorum et Definitionum,

na terra e estar comprometida com o propósito de Deus de colocar todas as coisas sob o domínio de Cristo”. (PADILLA, 2014, 26)

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