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O REINO DE DEUS: REALIDADE TRANSCENDENTE

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2 REINO DE DEUS NO PENSAMENTO DE RENÉ PADILLA

2.1 O REINO DE DEUS: REALIDADE TRANSCENDENTE

A importância do conceito de reino de Deus na teologia de René Padilla fica muito evidente, visto que a todo momento em seus escritos o autor faz menção dessa realidade, e suas referências tanto são para afirmação de seu estabelecimento quanto para declaração da esperança que este termo produz na vida daquele que crê. Para ele, não há dúvidas que o reino de Deus é uma realidade dinâmica a ser estabelecida pelo próprio poder de Deus, que traz todas as coisas para o seu juízo e as subjuga sob o Senhorio de Jesus Cristo, como podemos constatar em algumas passagens abaixo, que exemplificam o que se diz:

“A esperança no triunfo final de Jesus Cristo está na essência da fé cristã: o que Deus fez através da morte e ressureição de seu Filho, isto completará no final do tempo (...) A vitória de Jesus Cristo sobre o mundo e os poderes não é uma mera doutrina que pede consentimento intelectual: é um fato que tem de ser concretizado na experiência cristã por meio da fé. Se Jesus Cristo é o Senhor, os homens devem ser confrontados com autoridade sobre a totalidade da vida (...) A entrega a Jesus Cristo é entrega a ele como Senhor do universo, o rei diante do qual todo o joelho se dobrará, o destino final da história humana. Mas a consumação do reino de Deus é a obra de Deus”. (PADILLA, 2014: 53, 62)

A realidade do reino de Deus para René Padilla é, primeiramente, uma realidade divina, ou seja, transcendente: tem sua origem, manifestação, estabelecimento e consumação em Deus, e nele somente, “o reino de Deus não será estabelecido pelo homem. Muito enfaticamente, ele é o reino de Deus (...) O homem não é exaltado, mas degradado quando se torna vítima de ilusões acerca de seu poder”.17 (PADILLA, 2014: 223)

A noção de que o reino de Deus é o reinado de Deus, pode não parecer uma grande novidade ao se tratar de teologia protestante evangélica, e aproxima René Padilla da teologia evangélica protestante ortodoxa, mas ao mesmo tempo dá a ele o que ele precisa para criticar a Escola de Fuller em sua tentativa de objetificar a missão e seus resultados.

Se o reino de Deus é uma realidade divina, ela não é passível de quantificação, de medição, ou de qualquer tipo de controle por parte do ser humano, sob sua razão, ou utilização de qualquer técnica ou metodologia, pois é uma realidade complexa e transcendente. Mesmo que haja ação humana presente e conjugada nessa realidade, ela é meio e não fim, pelo simples fato de não ser divina.

Quando René Padilla afirma que o fim de todas as coisas é o reino de Deus que se estabelece, tudo aquilo que faz parte da fé cristã é meio e instrumento para que este objetivo se concretize, e que se concretize de forma encarnada, ou seja, na história (como será demonstrado no próximo capítulo). Ele estabelece um ponto de partida no seu pensamento e na argumentação: até mesmo a missão da igreja é meio para manifestação do reino de Deus.

A insistência de Padilla quanto à realidade do reino de Deus, como realidade divina e fim último da fé cristã, deve-se ao enfrentamento que este faz acerca do que ele chama de ‘cristianismo secular’18

e ‘cristianismo-cultura’19. Se outrora o problema da fé cristã girava em torno do dualismo, a relação espírito e matéria, hoje, afirma o teólogo, enfrenta-se o secularismo:

17 Referência que Padilla faz dos ensinamentos de Pannenberg sobre o estabelecimento do reino de Deus.

18 O cristianismo secular é o cristianismo que ao lidar com o pensamento científico, segundo Padilla, adota o

abandono de todo o sobrenaturalismo da fé, o despojamento de qualquer resíduo de transcendentalismo e a expressa em termos seculares, objetificada, passível de comprovação e medição e repetição, sob os auspícios da filosofia cartesiana. (PADILLA, 2014: 54, 55)

19 “É a identificação do cristianismo com uma cultura ou expressão cultural determinada” (PADILLA, 2014: 56).

Tem um caráter negativo, dentro da teologia de René Padilla, pois decorre do fato de que uma expressão cultural é adotada como se o evangelho fosse em detrimento de toda outra expressão cultural e normalmente se dá a absorção de características que não são comunicáveis com o evangelho propriamente. Um exemplo é entender a cultura da sociedade americana, “americanismo”, como uma cultura essencialmente cristã em toda sua concepção.

“o conceito de que o mundo natural representa a totalidade da realidade e que, portanto, o único conhecimento possível seja o ‘científico’ (...) Fica descartada a existência de Deus como ser transcendente que tem o poder para atuar na história e na natureza”. (PADILLA, 2014: 223)

Padilla observa que o conceito de uma realidade somente passível de conhecimento objetivo, mediante o método científico é uma visão incompleta da realidade e baseada em premissas filosóficas que não podem ser comprovadas, o dualismo de sujeito pensante e objeto do pensamento (PADILLA, 2014: 54). Além disso, ele adverte que

“A ação é a característica fundamental da realidade pessoal. Mas se o homem é somente um sujeito pensante e o mundo nada mais que o objeto de seu pensamento, completamente determinado dentro de um sistema fechado de causas e efeitos, segue-se que o homem não é uma realidade pessoal e não se pode falar de um agente ativo. O senso comum nos diz, no entanto, que de fato somos seres vivos e atuantes no mundo e que, portanto o conceito da realidade como algo que somente pode ser conhecido ‘objetivamente’ mediante o método científico é uma visão incompleta da realidade baseada em premissas filosóficas que, como tais, não podem ser comprovadas cientificamente. Em suma, o cristianismo secular não é uma mera ‘reformulação’ do evangelho, mas uma falha em favor de um conceito distorcido da realidade que faz parte do secularismo moderno”. (PADILLA, 2014: 55)

Desta forma, seguindo o pensamento de René Padilla, sendo o estabelecimento do reino de Deus o fim da fé cristã e realidade divina, e tendo a realidade natural um aspecto pessoal, ambos impossíveis de ser abrangidos pelo método científico, o teólogo latino-americano estabelece sua crítica à Escola de Fuller, que ao assumir o conhecimento das ciências humanas, no sentido de razão humana, transforma o cálculo como instrumento de medição da ação de Deus na realidade natural.

Além disso, diante da mesma linha de argumentação, Padilla, procura demonstrar a impossibilidade de se estabelecer um nexo de causalidade entre ação e benção divina, pela contabilização de conversões e pela constatação de crescimento numérico de igrejas. O que não necessariamente significa fidelidade ao evangelho de Cristo, como exposto no capítulo um.

Ele ainda nega a possibilidade de se simplificar a complexidade do ‘acontecimento divino na história’, concebendo como unidade de medição da fé cristã “corpos convertidos” na ação missionária e a utilização desses dados como fonte para orientar onde tais ações devam ser realizadas para que obtenham melhor sucesso, maior número de conversões. Como declara McGravan em sua lógica de pensamento:

“Jesus Christ, our Lord, came to seek and save the lost. The lost are always persons. They have countable bodies. As Scripture says, ‘We have this treasure in earthen vessels’ – vessels that can be numbered. Again, ‘that the life of Christ may be manifested in our mortal flesh’ – flesh that is distributed among persons numerous as the sands of the sea. Our Lord would have rejected the thought that the number of those found has no bearing on the direction of the search”. (McGRAVAN, 1990: 28)

Padilla então expõe a tensão do pensamento de McGravan e o faz demonstrando seu pensamento como uma contradição lógica, visto que, se o mesmo afirma que o reino de Deus é uma realidade divina, e como exposto no capítulo um chega até mesmo a afirmar que a própria missão antes de tudo é divina (missio Dei), como é possível resumir toda essa realidade divina a contabilização de igrejas e de números de membros ativos em igrejas? Isso seria objetificar Deus à pessoalidade humana ao cientificismo moderno, o que para Padilla é um absurdo.

Contudo, se tanto Padilla e McGravan são cristãos evangélicos protestantes e consideram que a realidade do reino de Deus é divina, e também o fim da fé cristã, como podem chegar a conclusões tão distintas acerca de como se pode abordar esta realidade? A resposta está na relação que eles fazem entre reino de Deus e igreja e que ao final do capítulo três será trazida à luz.

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