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A DEFINIÇÃO DE MISSÃO

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1 UMA UNIDADE COM RACHADURAS EXPOSTAS

1.3 A DEFINIÇÃO DE MISSÃO

A definição de missão para McGravan é essencial na tarefa de compreender a expressão de seu pensamento teológico. Como já vimos, o próprio fundador do movimento considerou que o que se está em disputa no Século XX na igreja é o que se entende por missão e como a igreja age a partir de tais pressupostos diante dos desafios que enfrenta. Nesse liame, fundamental se faz expor o entendimento de Donald McGravan acerca do que vem a ser missão:

“Since God as revealed in the Bible has assigned the highest priority to bringing men and women into living relationship to Jesus Christ, we may define mission narrowly as an enterprise devoted to proclaiming the good news of Jesus Christ, and persuading men and women to become his disciples and responsible members of his church.” (grifo nosso) (McGRAVAN, 1990: 24)

A missão, então, é definida como um empreendimento que proclama o evangelho, persuadindo o homem a converter-se e tornar-se membro ativo de uma igreja. É interessante perceber que cada um destes pontos grifados acima formam a definição de McGravan sobre missão e são centrais para a formação da teologia da colheita.

Os críticos do pensamento da teologia do crescimento de igreja, ou teologia da colheita, ressaltam uma ênfase nas ações humanas na sua construção. Há um foco na análise e observância de tudo aquilo que implica na obtenção do aumento das igrejas e de seus adeptos em números absolutos, bem como dos fatores que atrapalham tal atuação. Por isso, a missão é definida como um empreendimento, do inglês “enterprise”, que curiosamente, também pode ser traduzido como empresa, o que enfatiza o peso pragmático de seu pensamento. Neste ponto, René Padilla, como será exposto, fará uma forte crítica a esta compreensão que se vê como expressão do que ele chama de cristianismo-cultura norte-americano, conhecido como o “American-way-of-life”. (PADILLA, 2014: 93)

O estabelecimento da missão como um ‘empreendimento’ diz muito sobre a teologia do crescimento de igrejas, pois já denota sua característica pragmática, materialista e antropomórfica, conforme afirma Padilla, visto que precisa dar ao seu conteúdo a possibilidade de análise (estabelecendo nexos de causalidade entre possíveis fatores de aumento e diminuição de igrejas e membros), medição e replicação das ações onde há crescimento de igrejas e o abandono de ações onde esse crescimento não ocorre.

Outro ponto da definição que aqui destacamos, e que será alvo da crítica de René Padilla, é o exclusivo foco que a teologia da missão dá à proclamação do evangelho, a qual se resume à sua expressão verbal de comunicação de Jesus Cristo com o foco de persuadir outrem à vida

cristã. A dimensão da fé na missão se dá no discurso, esta é a ação com a qual a igreja deve se preocupar.

Além disso, a proclamação deve ser canalizada para a adesão de novos cristãos às igrejas, de modo que se tornem ativos e atuantes onde se encontrem potencializando a ação de proclamação, gerando assim um ciclo positivo e exponencial na tarefa de realização de sua missão no mundo. Todo o esforço deve conduzir a este objetivo. Se há o aumento do número de adeptos, isto significa que tal missão está obtendo sucesso e Deus está abençoando a específica igreja que cresce.

Inúmeras críticas são feitas a essa definição de missão apresentada por McGravan, dentre elas, pode-se destacar a que aponta a ênfase antropocêntrica de sua compreensão, o que não se restringe ao pensamento daqueles que defendem o evangelho social, nem dos teólogos latino- americanos da missão integral, como René Padilla, que segundo McGravan, o acusam de ensinar uma graça barata, (McGRAVAN, 1990, 8) mas se estende a outros setores da igreja protestante como a ortodoxia calvinista, que declara que o Movimento do Crescimento da Igreja omite a questão da soberania de Deus na atividade da missão. Há também outros que o criticam pelo fato de não se ressaltar em seu pensamento os sacramentos, como o batismo, ou então aqueles que têm seu interesse na liturgia, a quem McGravan chama de teólogos denominacionais.

O teólogo do movimento do crescimento de igrejas rebate as críticas ao seu pensamento declarando a universalidade bíblica de seu movimento teológico e abarca todas as críticas feitas como críticas secundárias, ou de caráter teológico particular de cada denominação, ou seja, seu pensamento não veio resolver os embates teológicos denominacionais (secundários), mas trazer à luz o objetivo divino de fazer crescer quantitativamente as igrejas no mundo. Isso é universal e perpassa qualquer teologia ou denominação cristã.

“From the beginning the Church Growth Movement has been rooted in biblical, evangelical, conversionist theology. But it has refused to take sides on issues such as whether baptism should be administrated to infants or only to believers, whether churches should be governed by a Presbyterian, episcopal, or congregational system, whether tongues proves that one has been baptized in the Holy Spirit, whether Christians should or should not drink, whether women

should be ordained to the ministry, whether Christ is truly or symbolically present in holy communion, and on any number of other areas of disagreement among theologians. (…) The decisions they make for or against Jesus Christ in this life will make the difference. Therefore, faithfulness to God implies doing our part, empowered by the Holy Spirit, to persuade all men and women to become disciples of Jesus Christ and responsible members of his church”. (McGRAVAN, 1990: 8, 9)

Como se percebe da citação acima, as críticas à teologia do crescimento de igrejas não foram debatidas em termos de seu conteúdo, mas todas foram abarcadas como críticas circunstanciais e nascidas de contextos denominacionais. Entretanto, algumas críticas não parecem estar enquadradas nesta situação, apesar de McGravan fazê-lo tal qual, como é o caso dos que argumentam que a teologia do crescimento de igreja seria mais um método do que propriamente uma teologia (McGravan não elabora uma defesa, e elenca esta crítica no bojo de todas as outras críticas- caráter denominacional). E também ressalta-se a crítica dos que argumentam que há uma contradição na teologia do crescimento de igreja, pois esta pressupõe o crescimento quantitativo como objetivo divino, e declara a Missio Dei como princípio de seu pensamento teológico, ou seja, a primazia da atividade missionária é de Deus e a ação humana fica em segundo plano, entretanto, toda a sua análise se dá nas ações de atividades humanas e nos determinantes que estas exercem sobre a missão.

No prefácio da edição de 1990 do livro Understanding Church Growth, que é considerada a publicação pilar de todo o movimento do crescimento de igrejas, Peter C. Wagner encerra sua abertura do livro, no penúltimo parágrafo, fazendo um resumo sobre a contribuição do referido movimento e declara que “It draws heavily on the social sciences because it always occurs in societies” (McGRAVAN 1990, xiv).

Muito do que foi pesquisado nos anos 60 e 70, quanto ao que se refere ao movimento do crescimento de igrejas, tiveram como fonte as ciências comportamentais, especialmente antropologia e sociologia, o que o alimentou com dados estatísticos, estudos de casos e sistematizações de abordagens para a plantação de igrejas e diagnósticos de causas para o crescimento numérico de igrejas. O que afirmou a realidade pragmático-cientifica da qual bebe na construção teologia do crescimento de igrejas, e que ao mesmo tempo a expõe às críticas sobre

a contradição de seu pensamento, visto que em última instância a missão, como Wagner mesmo afirma, é divina, tanto em origem, como em causa e efeito.

O próprio Donald McGravan afirma a necessidade de enfatizar a realidade técnica e antropocêntrica da missão focada em resultados e que para isso faz-se necessária a utilização do cálculo e estatísticas: “The numerical approach is essential to understanding church growth. The church is made up of countable people and there is nothing particularly spiritual in not counting them”. (McGRAVAN 1990, 67). Sua fala traz em si a necessidade percebida pelo autor de justificar a importância da ação de contabilização de resultados propagada por sua teologia, procurando demonstrar sua relevância aos setores mais conservadores da igreja. Tal justificativa mostra que algumas críticas não são tão denominacionais (circunstanciais) assim. Há na sua fala a necessidade de declarar que a contabilização de pessoas é uma ação espiritual sim, ou seja, há um pensamento divergente em voga.

Em diversos trechos do referido livro o autor faz sempre referência ao caráter predominantemente divino da missão e declara que tanto a causa, como a condição para realização da missão e ainda o alcance do efetivo resultado de aumento numérico de cristãos (igrejas e membros) decorre do Deus cristão, conforme se expõe abaixo. Tal fato pode ser tomado como uma obviedade, visto se tratar de uma corrente cristã, mas há algo maior em jogo, que é a aceitação desse movimento pela própria ortodoxia cristã, como um movimento que expressa a ‘verdadeira fé cristã’, a ponto de, no próprio texto, o autor declarar a sua fé e o conteúdo daquilo que acredita.

“… and this is one of the stones in its theological foundation – that the establishment of churches (assemblies of baptized believers) is pleasing to God. (…) The multiplication of churches nourished on the Bible and full of the Holy Spirit is a sine qua non in carrying out the purposes of God. (…) Church growth is no mere sociological process. (…) Humanists, believing in no transcendent source of truth, understand reality through empirical reason. But I am not a secular humanist; I am a convinced Christian. I believe in God the Father almighty, maker of heaven and earth, and in Jesus Christ his Son. (…) I am not free to indulge my prejudices or to slight any of the evidence. I must take into account what comes in through revelation and in every other way. All evidence must be weighed before the bar of truth. Therefore, I cannot consider church growth merely a sociological process. It is that, to be sure;

but much more than that, it is what happens when there is faithfulness to God and the Father of our Lord Jesus Christ. (...) In this world, mission must be what God desires. (...), the mission of God, who himself remains in charge of it”. (McGRAVAN, 2012: xvii, 6, 7, 8) (grifo nosso)

Todas estas declarações não são expressas sem uma causa determinada, mas expõem a tensão que algumas críticas provocaram no movimento; a vontade de se desvincular de qualquer proximidade com o liberalismo teológico, devido à aplicação das ciências sociais na construção de seu conhecimento; e ainda a necessidade de se provar a validade cristã de seu pensamento.

Tanto o é que, por volta dos anos 80, diferentemente do que ocorrera nos anos 60 e 70, há uma reviravolta nas publicações, como aponta McGravan, e os teólogos do movimento do crescimento de igrejas passaram a focar em escrever sobre o efeito que as orações têm sobre o crescimento de igrejas, o papel dos sinais sobrenaturais e das maravilhas que acontecem durante o crescimento de igrejas. Pode ser que, indiretamente, isto se dá como forma de responder às críticas no que se refere ao caráter reducionista e antropocêntrico desta teologia e a tentativa de se afirmar como tal: uma “teologia cristã verdadeira”.

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