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O REINO DE DEUS E SEU LUGAR

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2 REINO DE DEUS NO PENSAMENTO DE RENÉ PADILLA

2.4 O REINO DE DEUS E SEU LUGAR

A questão de onde ocorre o reino de Deus é algo que se faz de grande importância nas construções teológicas acerca da missão da igreja. René Padilla parece afastar-se do posicionamento liberal, tomado pelo que ele denominou “cristianismo secular”, ou o que McGravan vai nomear de “escola da teologia do evangelho social”, mas tão pouco se aproxima das correntes mais conservadoras (ortodoxas) do protestantismo, ou que McGravan, em termos de teologia da missão, nomeou de “teologia da semeadura” e “teologia da colheita”:

“(...) o reino de Deus não é ‘o melhoramento social progressivo da humanidade, segundo o qual a tarefa da igreja é transformar a terra em céu, e isto agora’, nem ‘o reinado interior de Deus presente nas disposições morais e espirituais da alma, com sua base no coração’. Antes, ele é o poder de Deus, liberto na história, que traz boas novas aos pobres, liberdade aos cativos, vista aos cegos e libertação aos oprimidos”. (PADILLA, 2014: 221)

Entender o reino de Deus como algo em construção no presente, dependente e expresso no desenvolvimento humano nas áreas de educação, saúde, alimentação, saneamento básico, ou seja, o ‘melhoramento social progressivo’, proporcionado pelo avanço tecnológico e de conhecimento do homem, não é o que René Padilla, entende ser reino de Deus. Se o fosse, o reino de Deus poderia ser estabelecido pelo homem, e, como exposto, para ele tal fato é impossível. Só Deus pode instaurar seu reinado, o qual é diferente de qualquer governo humano, já que não está submetido às formas de governo do mundo, portanto, o reino de Deus não é apenas o bem-estar do homem na terra, mas engloba o rompimento com a ordem de ser do mundo.

A questão de René Padilla, em relação à promoção do progresso social na terra, não se dá com o fato deste ser contra o atendimento das necessidades humanas, muito pelo contrário, “salvação é saúde, é humanização total, é vida eterna, vida do reino de Deus, vida que começa aqui e agora e atinge todos os aspectos do ser do homem” (PADILLA, 2014: 63) nas suas dimensões psicológicas, emocionais, materiais, físicas, espirituais, pessoais, sociais. Entretanto, tal atendimento e satisfação não podem ser entendidos como um fim em si mesmo, já que até mesmo a volição humana está sob a névoa do jugo opressor do mundo, e, portanto, quando se fala em reino de Deus, há um caráter de rompimento com a maneira de ser do homem. “A igreja é chamada a encarnar o reino de Deus em meio aos reinos deste mundo. O evangelho não lhe deixa alternativa. A fidelidade ao evangelho tem como concomitante o conflito com o mundo”. (PADILLA, 2014: 96)

Se, por um lado, o reino de Deus não pode ser tomado única e exclusivamente como esta terra, segundo Padilla, também não se pode projetar esse reino para o interior do homem de maneira que a salvação, redenção e reconciliação de Deus seja algo relacionável somente com o homem e suas ‘disposições interiores morais e espirituais da alma’, “A obra de Deus em Cristo Jesus tem a ver diretamente com o mundo em sua totalidade, não meramente com o indivíduo” (PADILLA, 2014: 44). Há dimensões do reinado de Deus que extrapolam o indivíduo e a consciência humana, há uma dimensão social do evangelho que deve ser considerada.

Tomando os ensinamentos de Walter Kunneth, Padilla destaca que a missão promovida pela ortodoxia cristã protestante tem um foco no indivíduo única e exclusivamente, para a salvação da alma desse indivíduo e garantia eterna de vida, por meio da aquiescência de sua

consciência a uma formulação discursiva teológica, separada da realidade encarnacional revelada em Jesus Cristo, fruto de

“uma cristologia individualista – uma Cristologia que contemple a Cristo unicamente em sua relação com o indivíduo – deixa a porta aberta para uma negação da criação uma vez que, segundo ela, é necessário entender o mundo como se ele existisse independentemente da Palavra de Deus, que lhe dá sentido”.

Para Padilla, conceber o poder do evangelho tão somente a uma realidade do indivíduo, de âmago íntimo é um empobrecimento da realização da obra de Jesus Cristo, pois a salvação é uma volta do homem para Deus e para o próximo também. Há uma dimensão social no evangelho e na salvação que precisa ser enfatizada. Se não, tem-se também o empobrecimento da teologia da igreja, que se vê repetidora de fórmulas doutrinais e garantias eternas desvinculadas e alienadas da presente realidade. É necessário entender que

“na perspectiva do Novo Testamento, a obra de Deus em seu Filho não pode ser reduzida a uma limpeza da culpa do pecado: é também um traslado ao reino messiânico que em Cristo se fez presente por antecipação (Cl 1.13). O Cristo que operou o perdão dos pecados é, ao mesmo tempo, o que operou a libertação da escravidão do mundo”. (PADILLA, 2014: 51)

Há no reino de Deus um caráter objetivo e, não somente subjetivo, de transformação e sujeição de toda a realidade criacional ao Senhorio de Jesus Cristo e a sua novidade de vida, que não é só em termos de uma vida na eternidade, mas inaugurada aqui e agora como uma nova maneira de se viver (PADILLA, 2014: 126). O senhorio de Jesus concebido além de um princípio abstrato ou mera doutrina, mas como fator determinante da vida em todas as dimensões, onde tudo será posto diante de seu juízo.

O lugar do reino de Deus é acontecimento, e acontecimento na história é a realidade encarnada de Jesus Cristo, que se insere não só na realidade privada do homem, mas na sua realidade social, pois demanda confrontação de seus valores socioculturais e é determinante para a totalidade de sua vida. Ali, em Jesus Cristo, se dá a inauguração de seu reinado, como antecipação e vislumbre da concretização que será realizada no porvir. (PADILLA, 2014: 126) “O reino de Deus, cujos recursos foram colocados à disposição do homem por meio de Jesus Cristo, toma forma no presente em termos de ação justa (dikaiosune), da harmonia com os demais (eirene) e o gozo (chara) no Espírito Santo (Rm 14.17)” (PADILLA, 2014: 113). E o que se faz é anúncio do que foi feito e ainda será feito. Essa tensão escatológica no pensamento de Padilla é importante, pois dá à igreja a tarefa de testemunho, a realização desse reinado que, segundo ele, só pode ser realizada por seu governante e nunca por seus súditos.

Mais uma vez aqui o posicionamento de René Padilla vai de encontro ao posicionamento da Escola de Fuller, pois esta concebe a dimensão interior do homem como lugar onde o reino de Deus se faz presente, onde Deus age é na consciência do homem, todas as demais coisas são consequências desta submissão, assim também a dimensão social é consequência da realização da dimensão individual. (McGRAVAN, 1990, xii) De forma ilustrativa, é como se para cada pessoa se desse a inauguração do reino de Deus, para si, e a soma de todos esses reinos gerasse o grande reino de Deus nas multitudes de igrejas.

A consideração de McGravan, acerca do vislumbre do reino de Deus nas multitudes de igrejas, faz Padilla levantar a questão de que “o crescimento numérico de nossas igrejas nos desafia a examinar até que ponto a mensagem que estamos proclamando e vivendo é o evangelho do reino de Deus e sua justiça, e não uma mensagem que reflete valores e premissas da sociedade de consumo” (PADILLA, 2014: 36), sociedade esta, que, para o teólogo, contrapõe a realidade do reino de Deus e seus valores. Cita como exemplo o pulular da teologia da prosperidade na América Latina e em todo o mundo e a constituição das megaigrejas que a acompanha.

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