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4 DA DIFICULDADE DO ENQUADRAMENTO DO BÓIA-FRIA ENQUANTO

4.1 Aspectos diferenciais na conceituação do trabalhador rural no Direito Trabalhista e

4.1.3 Definição de trabalhador rural na legislação

O Estatuto do Trabalhador Rural, Lei 4.214, de 2 de março de 1963, em seu artigo 2ª, foi pioneiro, em termos legislativos, na tentativa de definir o conceito de trabalhador rural.

Está assim vazado: “Art. 2.°. Trabalhador rural, para os efeitos desta lei, é tôda pessoa

física que presta serviços a empregador rural, em propriedade rural ou prédio rústico, mediante salário pago em dinheiro ou in natura, ou parte in natura e parte em dinheiro.”

77 BERWANGER, Jane Lucia, op. cit, pag. 88.

78 Disponível em: <http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/60/2001/2522.htm>. Acesso em: 1º de setembro

Esta definição recebeu severas críticas. Uma delas é de Russomano que, ao comentar este artigo, anotou o desvirtuamento do conceito de empregado rural e como este preceito normativo se distanciou do conceito adotado pela Consolidação das Leis do Trabalho.

Observou que:

[...] O trabalhador rural que presta serviços eventuais não está ao abrigo do Estatuto. Essa é a regra geral. Esse é o princípio. Apenas, por exceção, quando o serviço eventual se estender por prazo superior a um ano (incluídas as prorrogações), o trabalhador eventual será considerado permanente, passando, então, a ser protegido pelas normas do Estatuto. E’ o que declara, de modo expresso, o art. 6.° do Estatuto.

Se foi necessário um dispositivo expresso para declarar que o trabalhador rural provisório, avulso ou volante, só se equipara ao trabalhador permanente, para os efeitos do Estatuto, quando sua atividade na emprêsa ultrapassar o prazo de doze meses, é claro que, fora da exceção legal, os trabalhadores eventuais (provisórios, avulsos ou volantes) não terão os benefícios da lei em vigor. 79

Constata-se que o Estatuto do Trabalhador rural traz, sem dar a definição, pela primeira vez, colocando a margem de proteção, o trabalhador volante. Em seu Artigo 6º diz: “Desde que o contrato do trabalhador rural provisório, avulso ou volante [destaquei] ultrapasse um ano, incluídas as prorrogações, será o trabalhador considerado permanente, para todos os efeitos desta lei.”

O Estatuto do Trabalhador Rural reconheceu a existência do rural volante, mas, devido ao seu caráter provisório de trabalho rural em relação ao empregador, não lhe deu proteção. É justamente a marca de provisoriedade em relação ao empregador, e o trabalho desenvolvido frente a fazendeiros, a proprietários de terra rural, que caracterizam o trabalhador volante, com a intermediação ou não de terceiros, também conhecidos como turmeiros, ou gatos. Muitos trabalhadores volantes desenvolvem a sua atividade rural, prestando serviços em caráter temporário, para proprietários rurais, não necessariamente produtor rural, podendo haver ou não intermediação desta mão de obra.

Nova definição legislativa foi dada pela Lei 5.889 de 8 de junho de 1973, que estatuiu novas normas reguladoras do trabalho rural e deu outras providências, deixando de fora da proteção, os trabalhadores volantes:

Art. 1º As relações de trabalho rural serão reguladas por esta Lei e, no que com ela não colidirem, pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943.

...

79RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários ao estatuto do trabalhador rural. 2. ed.. São Paulo: Editora

Art. 2º Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário. (destaquei)

Analisando este dispositivo legal, constata-se a exclusão do trabalhador volante, pois o mesmo presta serviços de natureza eventual, hoje em uma propriedade rural; na semana que vem, ou um lapso curto de tempo, em outra propriedade rural, a proprietário de terra, não necessariamente empregador rural.

Observa Hugo Gueiros Bernardes, um dos juristas que ajudaram na confecção da Lei 5889/73:

Interessa-nos aqui, porém, principalmente, o conceito de empregado e de empregador rural (arts. 2.°, 3.° e 4.° da Lei 5.889/73). A rigor, distingue-se o trabalhador rural do trabalhador urbano por prestar serviços em “propriedade rural ou prédio rústico”. Ao contrário do trabalho urbano, o que realmente vai distinguir a relação de trabalho rural é o conceito de

empregador rural .

O conceito de trabalhador rural, nesses termos, é mais abrangente que o de empregado: não contém exigência tão enfática no tocante a subordinação e a continuidade: a exigência de ser permanente ou temporária a prestação de serviços pode conter ou não a continuidade, admitida sempre a intermitência; a exigência de existir um explorador econômico da propriedade apenas induz a subordinação, sem torná-la condição essencial do vínculo. O empregador não o é apenas em razão de possuir propriedade rural, mas, principalmente, de explorá-la profissionalmente, mesmo que por conta de terceiros (art. 4.° da Lei 5.889/73). Mais se reforça, pois, a certeza de que o empregador rural é que é importante para a existência da relação de emprego: de sua definição é que derivam as exclusões cabíveis, segundo a lei.

Quais seriam, pois, essas exclusões? Locação de serviços, parceria, empreitada, trabalho doméstico, safrista urbano (que é empregado urbano), autônomos e avulsos (Volantes ou provisórios). Trabalhadores em propriedade familiar — são um caso à parte )80 (destaquei)

Interessante observar a Jurisprudencia trabalhista: para definir a relação de empregado, a própria proteção trabalhista, leva em consideração a figura do empregador, enquanto que a jurisprudência dos Tribunais Federais, bem como do Superior Tribunal de Justiça, leva em consideração a atividade do trabalhador, como visto na doutrina previdenciária, do emprego, a nível previdenciário, para a real proteção do trabalhador rural bóia-fria.

Para finalizar este tópico, chama a atenção à dicção do artigo 17, da Lei 5.889/73:

“As normas da presente Lei são aplicáveis, no que couber, aos trabalhadores rurais não compreendidos na definição do art. 2º, que prestem serviços a empregador rural”

Amauri Mascaro Nascimento aduz que: “A Lei 5.889 é aplicável a todo trabalhador rural e não apenas aos empregados rurais (artigo 17). Amplia-se, assim, o âmbito de proteção jurídica ao campo do eventual. Há base legal, portanto, para a construção de uma

jurisprudência protecionista do bóia-fria”. 81 (destaquei)

Com fundamento neste artigo, Eva Regina Turano Duarte da Conceição desenvolveu argumentação de que o bóia-fria pode ser enquadrado como segurado empregado:

Repete-se assim, na esfera previdenciária, a mesma polêmica que ocorre na esfera trabalhista com relação aos denominados “bóias-frias”, “paus-de-arara”, volantes ou diaristas, assim considerados aqueles trabalhadores que desempenham a sua atividade em várias localidades rurais, para empregadores rurais diversos.

Levando-se em conta que o artigo 17 da Lei 5.889, de 08 de junho de 1973, manda aplicar, “no que couber”, os seus dispositivos aos trabalhadores não empregados, a jurisprudência de nossos tribunais trabalhistas tem caracterizado a relação de trabalho como de emprego, na medida em que esteja presente o pressuposto da subordinação, mormente naquelas situações em que a prestação do trabalho é continuada, no mesmo serviço, por mais de 30 dias82

Com esta constatação de que há possibilidade da interpretação abrangente do artigo 17 da Lei 5.889, passar-se-á ao próximo tópico.