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O mínimo existencial, ou o mínimo vital, está ligado à própria sobrevivência do homem e, em seu desenvolvimento histórico, é uma matéria muito abrangente.

Será feito um corte epistemólogico, o qual analisar-se-á apenas a corrrelação entre o mínimo existencial e o Direito Previdenciário. Como método, apenas será estudado o mínimo existencial, como vetor para o adequado enquadramento do trabalhador volante, ou bóia-fria no ordenamento pátrio e será util na busca da classificação do trabalhador volante, como segurado da Previdência Social.

Serão mencionados os direitos positivados no rol abrangente do artigo 6º da Constitituição Federal, bem como os artigos 194 e seguintes, que tratam da Seguridade Social, temas que estão intimamente ligados ao mínimo existencial.

As lições do Professor Ricardo Lobo Torres46 são de fundamental importância para

se compreender a amplitude e profundidade do tema. O problema do mínimo existencial confunde-se com a questão da pobreza e tem importância muito grande na história e na afirmação dos Direitos Humanos.

No Estado Patrimonial, os pobres não eram imunes aos tributos. Daí resultava uma estrutura impositiva essencialmente injusta, prejudicial à liberdade e à dignidade do homem e, permanentemente, deficitária, pelo pequeno aporte de recursos dos impostos indiretos pagos pela população carente. A Igreja incumbiaaos cristãos ricos, com uma parcela dos

dízimos,dar assistência social aos pobres, o que acabou por gerar o estímulo à mendicância. O relacionamento entre a fiscalidade eclesiástica e os pobres estava intimamente ligado ao elogio da pobreza e à condenação da riqueza feitos pela Escolástica. Tal atitude foi invertida a partir do iluminismo e do liberalismo, transferindo-se a assistência à pobreza para o Estado, imunizando-se o mínimo existencial contra os tributos e incentivando-se a riqueza suscetível de imposição fiscal.

No Estado Social Fiscal, correspondente à fase do Estado de Bem-estar Social ou Estado-Providência, a proteção ao mínimo existencial faz-se por mecanismos paternalistas e a respectiva ideologia se aproxima da concepção de justiça social. Hoje, no Estado Democrático de Direito, aprofunda-se a meditação sobre o mínimo existencial, sob a ótica da teoria dos direitos humanos e do constitucionalismo.

Há um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas. O direito ao mínimo existencial não tem dicção constitucional própria. A Constituição de 1988 não o proclama em cláusula genérica e aberta, senão que se limita a estabelecer que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”47, além de imunizá-lo em alguns casos contra a

incidência de tributos.48

No art 6o da CF 88, que define os direitos sociais, há espaço para o mínimo existencial,

tendo em vista que este se aproxima dos direitos fundamentais sociais ou, em outro giro, o mínimo existencial marca a jusfundamentalidade dos direitos sociais. Mas só o caráter topográfico da Constituição de 1988, que abre no Título II, dedicado aos direitos e às garantias fundamentais, o capítulo II, que disciplina os direitos sociais (arts. 6o a II),

separando-os, entretanto, dos direitos individuais e coletivos, de que trata o capítulo I (art. 5o), não autoriza a assimilação dos direitos sociais pelos fundamentais, como bem observado

por Ricardo Lobo Torres (2009). Jorge Reis Novais observa que:

[...] há uma estratégia de último reduto que identifica o mínimo social con o mínimo existencial a que deveriam poder aceder todos os que, por sí sós, por incapacidade próprias ou razões circunstancias, não disponham do necessário a uma sobrevivência condigna e que, de reto, reduz a esse

47BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 3o, III. São Paulo: Vade

Mecum. 7. Ed. RT, 2012.

48BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5o, itens XXXIV, LXXII,

mínimo prestações materias e de estruturação de estabelecimentos e serviços públicos essenciais todo o alcance jusfundamental, positivo e negativo, dos direitos sociais.49

Preceitua o artigo 6ª de Constituição Federal 50: Art. 6º São direitos sociais a

educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,

na forma desta Constituição

Sendo Direitos Sociais o trabalho e a Previdência Social, o núcleo mínimo para a dignidade da pessoa humana, sobressai como integrante da Previdência Social, obedecido ao mínimo existencial, o trabalhador volante rural, aquele que exerce atividade temporária e eventual, para os fazendeiros, arrendatários e donos de terra, pois caberia a estes o recolhimento das contribuições previdenciárias devidas.

Em termos de História recente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948)51 afirma o seguinte:

Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para assegurar a sua saúde, o seu bem-estar e o de sua família, especialmente para a alimentação, o vestuário, a moradia, a assistência médica e para os serviços sociais necessários, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle" (art. XXV); “todo homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelos menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnica profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito (art. XXVI).

O homem do campo, trabalhador volante, carece de educação e tem como único meio de sobrevivência vender a sua mão de obra para quem quiser, para o fazendeiro, por exemplo, que a utiliza de forma eventual, embora do plano do trabalhador, seja de forma contínua e com subordinação por apenas um dia, ou um pequeno período de tempo.

Como houve o trabalho, caberia ao tomador de serviços, quem se beneficiou da utilização de seu trabalho, de sua mão de obra, recolher a contribuição previdenciária, já que surge uma vinculação obrigatória ao regime da Previdência Social, obedecida a regra implícita do mínimo existencial.

Desenvolvendo a ideia, a proteção do mínimo existencial, sendo pré-constitucional,

49NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais: Teoria Jurídica dos Direitos Sociais enquanto Direitos Fundamentais.

Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 194.

50BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 6º. Vade Mecum. 7. Ed.

São Paulo: RT, 2012.

está ancorada na ética e se fundamenta na liberdade, ou melhor, nas condições iniciais para o exercício da liberdade, na ideia de felicidade, nos direitos humanos e nos princípios da igualdade e dignidade humana e do primado do trabalho, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.

As mais importantes características da Teoria do Mínimo Existencial, da mesma maneira que acontece com a dos Direitos Fundamentais, encontram-se as de ser normativa, interpretativa, dogmática e com liame moral.52

A Teoria do Mínimo Existencial é normativa porque não se preocupa com a explicação de fenômenos, à moda das ciências sociais da realidade, mas com a concretização, a eficácia e a validade do mínimo existencial. Não é uma teoria filosófica, tampouco eis que alia aos aspectos axiológicos os deontológicos; e interpretativa, pois funciona como um dos vetores para a interpretação dos direitos fundamentais. A natureza interpretativa acompanha hoje, de um modo geral, a própria ciência do direito.

Por ser interpretativa, deve-se levar em consideração que o trabalhador rural volante, face as característica do seu trabalho, sempre eventual, indo de um sítio para outro, de uma propriedade rural para outra, prestando serviços para terceiros, sempre no meio rural, é filiado obrigatório da Previdência Social, nos termos do artigo 201, da CF:53 “Art. 201. A

previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de

filiação obrigatória [grifo meu], observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro

e atuarial.”

A estrutura normativa do mínimo existência é de regra; não é valor e nem princípio. Embora esteja impregnado pelos valores e princípios jurídicos os mais relevantes. O mínimo existencial não é um valor, por não possuir a generalidade e a abstração de ideias como as de liberdade, justiça e igualdade. Além disso, o mínimo existencial pode traduzir-se, para a sua garantia, em regra jurídica, o que jamais acontece com os valores. Mas o mínimo existencial deixa-se tocar e imantar permanentemente pelos valores da liberdade, da justiça, da igualdade e da solidariedade.

O mínimo existencial também não é princípio jurídico por não exibir as principais características dos princípios, que são as de ser objeto de ponderaçãoe de valer prima facie. De feito, o mínimo existencial não pode ser ponderado e vale, definitivamente, porque constitui o conteúdo essencial dos direitos fundamentais, que é irredutível por definição e

52 TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar. 2009, p. 26.

53 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 201. Vade Mecum. 7.

insuscetível de sopesamento. O mínimo existencial não pode ser ponderado. É tudo ou nada, conforme diz Dworkin. Sendo assim, o mínimo existencial é regra, porque se aplica por subsunção, constitui direitos definitivos e não se sujeita à ponderação.

Como bem observado por Ana Paula de Barcellos54 em relação ao princípio da

dignidade da pessoa humana e o mínimo vital:

[...] há um núcleo de condições materiais que compõe a noção de dignidade de maneira tão fundamental que sua existência impõe-se como uma regra um comando biunívoco, e não como um princípio. Ou seja: se tais condições não existirem, não há o que ponderar ou otimizar, ao modo dos princípios; a dignidade terá sido violada, da mesma forma como as regras o são.

O conteúdo essencial é o núcleo intocável e irrestringível dos direitos fundamentais (da liberdade ou sociais). Constitui limite para a atuação dos poderes do Estado. O tema do conteúdo essencial desenvolve-se, sobretudo, em torno das questões ligadas às restrições a direitos fundamentais.

A fixação do "mínimo vital" variará de acordo com o conceito que se tiver de necessidades básicas. O problema é tormentoso, pois concerne à decisão política do legislador. Este deverá basear-se, à falta de normas constitucionais específicas, no que, numa sociedade dada, razoavelmente se reputar "necessidades fundamentais do indivíduo e de sua família". Conclui- se este que o mínimo existencial é um conteúdo do direito fundamental, e é uma proteção pré-constituicional, inerente à pessoa humana, cujo fundamento reside na dignidade da pessoa humana e nas condições da liberdade e varia de acordo com o espaço e o tempo.

Em relação ao trabalhador volante, a regra do mínimo existencial é diretriz de intepretação para o reconhecimento do mesmo como segurado da Previdência Social, em virtude da sua atividade atividade laborativa, vender sua mão de obra para terceiros: consequentemente, ser remunerado.

Esta regra, pode muito bem substituir o falso princípio do in dubio pro misero, ou in

dubio pro-operário, na aplicação da Jurisprudência dos Tribunais, criando a norma concreta

e individual, na aferição e enquadramento do trabalhador volante, junto a previdência social. Exerce o trabalhador bóia-fria sua atividade laborativa no meio rural em caráter eventual em relação ao empregador, mas, para si, em caráter permanente. Ao exercer seu labor, tem-se que o trabalho, como valor social, é sua única forma de sobrevivência, e todos aqueles que trabalham – em tese – são filiados da previdência social; portanto, devem ser

54 BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 3.ed,

cobertos pelo seguro social. Prestigia-se, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana e a regra do mínimo existencial funcionará perfeitamente, para a interpretação sistemática, do que o mesmo é Segurado da Previdência Social, substituindo assim o falso princípio do

in dubio pro misero, que é estranho ao Seguro Social, pois, na realidade, engloba um grande

número de necessitados e miseráveis. A maioria dos segurados rurais da previdência social é pobre, quase abaixo da linha da miséria, recebendo, em média, um salário mínimo para a sua sobrevivência e a de sua família.

Assim, a regra do mínimo existencial vem ao encontro dos desígnios dos Objetivos da Seguridade Social, e em especial, da Previdência Social. Como regra, deve ser aplicada, sem nenhuma ponderação, em busca da proteção do trabalhador volante rural.