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4. CAPÍTULO IV – A ANÁLISE DA INTERDEPENDÊNCIA E DEPENDÊNCIA

4.1 DEPENDÊNCIA OU INTERDEPENDÊNCIA: UMA DIFERENCIAÇÃO

Levando em consideração a discussão iniciada no capítulo II sobre a Teoria da Dependência de Recursos, pode-se dizer, de maneira sumária, que a proposição central dessa teoria é a de que a sobrevivência das organizações depende da capacidade para adquirir recursos críticos a partir do ambiente externo. Diante disso, para reduzir a incerteza perante o contingente de recursos necessários, as empresas vão tentar reestruturar suas dependências com uma variedade de táticas, sendo uma delas a cooperação com outras empresas por meio de redes.

No entanto, Casciaro e Piskorski (2005) mencionam que o que uma organização deve fazer para absorver suas limitações e necessidades e o que ela realmente pode fazer para absorvê-las, muitas vezes, difere drasticamente. Eles explicam que a motivação de uma organização para gerenciar suas dependências externas não coincide, necessariamente, com a sua capacidade de fazê-lo e um fator determinante de tal capacidade pode ser explicada pelo fato da dependência a ser gerenciada ser mútua ou desequilibrada (unilateral).

Ao se aprofundar a discussão sobre dependência e interdependência, é relevante considerar os estudos precursores de Emerson (1962). O referido autor define a dependência em uma relação da seguinte forma: “a dependência de um ator A em relação a B é (1) diretamente proporcional ao investimento motivacional de A em objetivos mediados por B, e (2) inversamente proporcional à disponibilidade de tais objetivos fora da relação AB” (p.32). Emerson (1962) exemplifica seu argumento ao explicar que uma criança pode ser dependente de outra criança para brincar ou jogar com base na motivação desta para os prazeres do jogo coletivo e a disponibilidade de parceiros alternativos para o jogo ou brincadeira. Assim, a dependência é uma função da criticidade dos recursos e da disponibilidade de provedores alternativos desses recursos críticos.

Ao se analisar o framework de dependência de Emerson (1962), pode-se entender que o poder do ator B em relação ao ator A é o inverso da dependência de A em relação a B. A dependência de uma das partes fornece a base para o poder do outro. Casciaro e Piskorski (2005) explicam o framework de Emerson (1962) da seguinte forma: um ator i depende de um ator j (1) na proporção em que i necessita de recursos que j pode proporcionar e (2) na proporção inversa da disponibilidade de agentes alternativos capazes de fornecer os mesmos recursos para i. Por outro lado, a dependência do ator j com o ator i varia (1) na proporção da necessidade de j para os recursos que i pode fornecer e (2) inversamente com a disponibilidade de agentes alternativos capazes de fornecer os mesmos recursos para j. Para Casciaro e Piskorski (2005), esta premissa mostra que, para se obter um retrato fiel das relações de dependência e poder em uma relação, é necessária a consideração simultânea da capacidade de poder de i em relação a j e da capacidade de poder de j em relação a i.

Central na teoria de Emerson é a noção de que “o poder é uma propriedade da relação social, não é um atributo do ator” (EMERSON, 1962, p. 32). Esta abordagem de dependência de recursos produz duas dimensões de poder em uma relação: o desequilíbrio de poder (também considerado como dependência assimétrica) e a dependência mútua (ou interdependência).

Especificamente, o desequilíbrio de poder capta a diferença de poder de um ator sobre o outro. Formalmente, este construto pode ser definido como a diferença entre as dependências entre dois atores, ou a relação de poder entre o agente mais poderoso para aquele menos poderoso (EMERSON, 1962). A segunda dimensão, a dependência mútua, refere-se à existência de dependências bilaterais na relação, independente de uma parte depender em maior ou menor proporção da outra (CASCIARO e PISKORSKI, 2005). Formalmente, esta última medida pode ser definida como a soma ou ponderação das dependências de atores entre si (EMERSON, 1962), ou seja, a soma ou a média da dependência do ator i com o ator j e dependência do ator j com o ator i.

Quanto a essas medidas de poder das relações entre atores, Casciaro e Piskorski (2005) explicam que o desequilíbrio de poder e dependência mútua precisam ser considerados simultaneamente a fim de produzir um retrato teoricamente exaustivo da estrutura de poder e da dependência em uma relação. Isto porque, para qualquer valor de desequilíbrio de poder, uma relação poder-dependência pode ser caracterizada por diferentes graus de dependência mútua. Por outro lado, para qualquer nível de dependência mútua, pode haver diferentes níveis de desequilíbrio de poder na relação.

O conceito de dependência tem recebido considerável atenção de pesquisadores que estudam as relações interorganizacionais. Muitos estudos iniciais apontam a interdependência entre atores como algo que precisa ser gerenciado, pois dependências desiguais podem gerar desequilíbrios de poder que podem se tornar prejudiciais para o ator mais fraco (GULATI e SYTCH, 2007). Mas, segundo estes dois autores, ao fundamentar-se, principalmente, em uma lógica de poder, a pesquisa sobre a interdependência omitiu outras lógicas possíveis, que, também, podem afetar a ação conjunta. Eles argumentam que, em particular, ela ignorou a lógica de embeddedness, a qual surge de uma linha de pensamento que sugere que as ações econômicas estão inseridas em relações sociais e que são moldadas por estas. Para Gulati e Sytch (2007), há um indicativo de dependência mútua que opera nessas relações.

Por sua vez, Jiang, Gao e Li (2009) distinguem entre a dependência unilateral e interdependência. Dependência unilateral refere-se a uma situação assimétrica que uma empresa depende muito de seu parceiro, mas o parceiro tem pouca ou nenhuma dependência direta sobre ele. Essa dependência unilateral por eles introduzida tem a mesma natureza que o conceito da dependência assimétrica ou desequilíbrio de poder explorado por Emerson (1962) e Casciaro e Piskorski (2005). Já a interdependência refere-se à situação simétrica em que os dois parceiros dependem mutuamente um do outro. Ela representa uma relação simétrica e bilateral, como enunciado pelos autores citados nos parágrafos anteriores.

Jiang, Gao e Li (2009) exploram esses dois tipos de dependência, relacionando-os com a estabilidade da rede. Uma das proposições por eles elaborada é que a dependência unilateral leva a uma menor possibilidade de estabilidade na aliança. Por outro lado, a interdependência entre as partes aumenta a estabilidade da rede. Essa dependência mútua cria o incentivo e o sentimento de pertença à relação.

Diante desses argumentos, enuncia-se a ideia de que, nas relações colaborativas em rede, existem ambas as noções de interdependência e dependência, mas que elas se modificam com a evolução das redes. Anderson e Weitz (1989) explicam que a percepção subjetiva da magnitude de dependência e sua simetria (interdependência) varia ao longo do tempo e pode ser influenciada por vários fatores, como o tamanho relativo das empresas, recursos, contribuição das partes para o relacionamento e o comprometimento delas para um relacionamento de longo prazo.

As características das redes em suas fases iniciais de desenvolvimento e evolução remetem a uma relação muito mais intensa de interdependência, em que ambas as partes (empresas parceiras e rede) dependem uma da outra para o alcance dos objetivos. Não se procura examinar, neste trabalho, qual é exatamente a proporção dessa relação, mas,

aparentemente, a rede tem um grau de dependência maior na sua fase inicial de formação, que tende a se tornar igualitário na fase de crescimento das redes. Já, na fase enunciada nesse trabalho de profissionalização das redes, há uma mudança nessa relação de interdependência. As empresas passam a depender da rede para o alcance dos seus objetivos e para se manterem competitivas no mercado.

A discussão iniciada neste tópico do trabalho procura esclarecer as diferenças existentes entre interdependência e dependência. Isso se torna relevante para a sequência do estudo e entendimento da proposta de análise empírica. A seguir, apresentam-se e discutem-se separadamente os fatores relacionados à dependência da rede e à dependência das empresas, mantendo em mente a noção de interdependência, ou seja, existe uma dependência mútua entre as partes, mesmo que em proporções diferentes ao longo da evolução de redes.