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Deputado Provincial pelo Partido Liberal

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Capítulo 3 – Trajetória política de Campos Salles

3.3. Deputado Provincial pelo Partido Liberal

A partir da compreensão do estreito relacionamento de Campos Salles com a imprensa, apresentado no panorama geral acima, é possível entrar com mais subsídios na discussão e análise da trajetória política e das estratégias de comunicação do ex-presidente.

Logo após receber o diploma de bacharel em Direito, em 1863, Campos Salles deixa São Paulo e dirige-se para Rio Claro, juntando-se a seu pais que haviam partido de Campinas para lá fazia pouco tempo. Seu pai, o tenente-coronel Paula Salles, tinha feito esta opção devido aos comentários sobre o fato de Rio Claro ser uma terra promissora, sendo uma cidade onde o café poderia ser cultivado com relativo lucro.

Mesmo não tendo passado muito tempo ali, Campos Salles lembrou da importância de sua passagem por Rio Claro num discurso proferido em 18 de dezembro de 1902, naquele

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Sodré, citando Laurita Pessoa Raja Gabaglia, escreve sobre Campos Salles: “Se não houvesse feito calar a grita dos jornais, não teria levado a termo a obra de salvação financeira do país” (SODRÉ, 1966, p. 317).

mesmo município, praticamente quando já estava deixando o cargo de Presidente da República:

Agradeço à generosa população do Rio Claro o carinho com que me acolheu.

Há cerca de quarenta anos dei aqui o meu primeiro passo na vida pública; aqui encontrei outrora uma poderosa agremiação de forças em luta sem trégua contra a monarquia; aqui encontro agora, forte pela tradição de suas glórias, imponente pela sua vigorosa organização e irresistível pelo seu ardor de combater, uma falange dos mais devotados servidores da República. (CAMPOS SALLES, 1998, p. 206)

Voltou para Campinas em meados de 1865, casando-se no mesmo ano com D. Anna Gabriela de Campos Salles, sua prima-irmã, filha de José de Campos Salles, irmão do tenente- coronel.

Instala seu escritório de advocacia logo em seguida, e inicia seus trabalhos como profissional liberal. Sobre isso, Raimundo de MENEZES (1974, p. 29) escreve:

A advocacia abre-lhe a entrada na “vida pública”. O renome vem fácil. Na labuta diária nos cartórios, e principalmente no tribunal de júri, alcança os primeiros triunfos da palavra. “Fixam-se-lhe, desde logo, as qualidades de orador, no tom, na sonoridade da voz, sobretudo na clareza das idéias”. Da advocacia para a política não há mais que um passo. Logo se decidirá por essa. O terreno lhe agrada e satisfaz.

As informações contidas nas obras biográficas sobre Campos Salles não são unânimes sobre o início de sua vida pública. De acordo com DEBES (1978a, p. 50), “ao que tudo indica, Campos Salles não foi Juiz Municipal, mas apenas, suplente”, em sua opinião não é possível afirmar se de fato, em 1865, o ex-presidente assumiu a cargo de Juiz Municipal em Campinas. Mas com certeza, como consta no Correio Paulistano de 15 de outubro de 1865, apresentado por DEBES (1978a, p. 51), ele foi nomeado pelo Presidente da Província como 1º suplente daquele cargo.

No ano seguinte, Campos Salles assume o cargo de Delegado de Polícia de Campinas. Porém não permanece muito tempo, poucos dias antes de fazer seu pedido de exoneração do cargo, nasce- lhe a primeira filha, Adélia, em 5 de junho de 1866.

Pedido de exoneração feito por Campos Salles.

Naquele mesmo ano de 1866, Campos Salles iniciaria seu engajamento na vida política, começando efetivamente a trabalhar sua imagem pública e definindo uma linha de conduta para seus esforços de comunicação política. “Além da advocacia e das atividades correlatas, a militância política o atrai. Participa das lutas partidárias, integrando as hostes liberais” (DEBES, 1978a, p. 53).

O Partido Liberal encontrava-se bem estruturado naquela época e disputava, de maneira acirrada, as posições nas pugnas eleitorais contra o Partido Conservador. Entre os liberais encontravam-se os políticos partidários do capitalismo comercial e também aqueles ligados às chamadas profissões liberais.

Dentro da agremiação Liberal existiam algumas facções (vide Capítulo 2), entre elas estavam os Históricos, os quais viriam posteriormente a constituir o embrião do Partido Republicano. Campos Salles estava alinhado aos ideais daquela facção, a qual tinha como órgão de expressão o jornal Opinião Liberal e se declarava:

Pela extinção do Poder Moderador; pelo sufrágio direto e generalizado; pelo ensino livre, quer quanto à escola, quer no tocante ao professorado; pela abolição da guarda nacional; pela polícia eletiva; pela temporariedade do Senado; pela substituição gradual do trabalho escravo pelo livre; “pelas franquesas provinciais sobre o princípio electivo” e pela emancipação da lavoura por meios de instituições de crédito que se adaptassem às suas condições de existência” (DEBES, 1978a, p. 57).

Em 1867, ocorreriam as eleições para a Assembléia Legislativa da Província de São Paulo. Campos Salles, quatro anos após sua formatura em Direito e contando então com 26 anos, decide participar pela primeira vez de uma disputa eleitoral. Inicia sua campanha ao lado de Jorge Miranda.

De acordo com MENEZES (1974, p. 41), “em 1867, (...) Campos Salles entra em luta por uma cadeira na Assembléia Provincial pelo 7º distrito eleitoral da Província de São Paulo”. Nas próximas eleições, que serão apresentadas ao longo desta pesquisa, o 7º distrito aparece como correspondente da região de Campinas, e será a arena na qual o ex-presidente solidificará todo o início de sua carreira política. Entretanto, na carta encontrada no acervo do Museu Republicano “Convenção de Itu”, também reproduzida por Célio DEBES (1978a, p. 58) como sendo um manifesto de 1867, elaborado por Campos Salles e Jorge Miranda, é dirigida aos eleitores do 3º distrito e não do 7º. Naquela peça são apresentados os propósitos de seus signatários:

Aspiramos a honra de representar o 3º districto eleitoral na Assembléia Provincial de São Paulo; e para o bom êxito deste intento – declaram – solicitamos o vosso muito valioso apoio na eleição prévia, a que tendes de proceder para o fim de organizar-se a chapa definitiva que será oferecida ao corpo eleitoral do 3º districto na eleição de outubro próximo.

Não foi possível encontrar outros documentos capazes de sanar esta dúvida com relação ao número do distrito pelo qual Campos Salles concorreria àquela vaga de Deputado Provincial. Fica aqui a informação registrada como sendo 7º distrito para Raimundo de Menezes e 3º distrito para Célio Debes.

Ainda naquela época, as eleições eram realizadas nas igrejas, em duas etapas, e baseadas no número de paróquias de cada Província, como foi apresentado no segundo capítulo deste trabalho. Segundo afirmação de DEBES (1978a, p. 58), “a Província estava, para fins eleitorais, dividida em três distritos. (...) a representação de São Paulo na Câmara dos Deputados era constituída de nove membros e a Assembléia Legislativa Provincial compunha-se de trinta e seis deputados”. Neste sentido, parece mais coerente considerar que Campos Salles só poderia estar representando mesmo o 3º distrito, provavelmente a Província de São Paulo seria dividida em maior número de distritos somente a partir de 1881, com a Lei Saraiva.

No entanto, considera-se como sendo mais importante, neste momento, relembrar o mecanismo da chamada eleição prévia e, em seguida, reproduzir o restante daquele manifesto, independentemente do exato número do distrito eleitoral de Campos Salles.

A prévia era a primeira etapa da eleição total, nela a massa de eleitores definiam os votantes que reunidos em assembléia provincial escolheriam os representantes de cada distrito para assumir as cadeiras da Câmara dos Deputados e da Assembléia Legislativa. O manifesto de Campos Salles e Jorge Miranda era direcionado aos eleitores daquela primeira etapa, outros trechos do mesmo serão reproduzidos a seguir de acordo como foram registrados por DEBES (1978a, p. 59-60):

Em nossa pretensão – afirmam – não levamos outro incentivo que não o mais decidido desejo de juntar os nossos esforços aos daqueles que trabalham pela prosperidade e engrandecimento de nossa Província.

Na ordem dos melhoramentos, merecerão nossa especial atenção a lavoura, a mais fecunda origem de nossa riqueza e conseguintemente o principal degrau da escala que há de levar o país à sua maior altura; e bem assim a instrução pública, que na ordem moral é a grande riqueza do espírito humano e a condição base da civilização moderna. E, pois, o que for em geral para o bem da Província, e em particular da lavoura e instrução, atualmente peadas e desfavorecidas de meios eficazes para seu regular desenvolvimento, serão os estímulos de nossos constantes esforços.

No que toca propriamente à política, declaramos leal e francamente que tomamos por guia a bandeira sob a qual militam os denominados hoje “liberais históric os”, porque é nela que se acha inscrita a bela legenda que sempre guiou o velho Partido Liberal nas lutas heróicas de outros tempos.

Alimentando, como idéias capitais, as que ficam resumidamente expostas e firmes no dever de nunca transigir com elas, solicitamos como fica dito, o vosso valiosíssimo favor de nossa pretensão, assegurando que à nossa gratidão será sempre presente o bom serviço, que, para esse fim, vos dignardes de prestar-nos.

A seguir será apresentada a imagem obtida no Museu Republicano “Convenção de Itu” com a carta original de Campos Salles e Jorge Miranda transcrita acima.

Manifesto político de Campos Salles e Jorge Miranda.

A comunicação política de Campos Salles, em parceria com seu colega Jorge Miranda, foi muito eficaz naquele momento. Pois, mesmo não contando com o apoio efetivo dos dirigentes da agremiação liberal e dos chefes locais, que inclusive chegaram a preteri- los “substituindo-os por outros nomes não sufragados pelo eleitorado” (DEBES, 1978a, p. 60), conseguiram ser eleitos pelos votantes na segunda etapa daquela disputa eleitoral.

Já naquela época, Campos Salles demonstrava intensa preocupação com a opinião pública, aspecto que caracteriza os mais célebres políticos. Este traço, seria marcante em suas estratégias de comunicação. Segundo POYARES (1998, p. 16), conseguir uma boa imagem pública é o objetivo de todo político, pois, desse modo, é possível deixar sua marca: “Em qualquer das faces do cenário, verifica-se a mesma preocupação, aliás compreensível: a busca de imagem pública. Importa aparecer, se possível no proscênio, para ser reconhecido, avaliado, apreciado”.

É possível supor, que as estratégias de comunicação de Campos Salles, apesar de eficazes, ainda eram intuitivas. Somente alguns anos depois, com a sua entrada no movimento republicano e o contato com as obras de seu irmão, Alberto Salles, e outras de fundamentação positivista, é que sua propaganda política iria ganhar maior consistência teórica.

Mesmo assim, na campanha de 1867, os eleitores foram sensibilizados e convencidos pelas propostas apresentadas, nomeando votantes favoráveis a Campos Salles e Jorge Miranda. Dos dezoitos votantes da paróquia de Campinas, quinze escolheram entre aqueles candidatos. Entre os doze Deputados Provinciais eleitos no distrito da região de Campinas, representando um terço do total da Província, Campos Salles recebeu 183 votos, ficando em 4º lugar, a frente de Jorge Miranda e Prudente de Morais.

De acordo com DEBES (1978a, p. 63), Campos Salles fez sua estréia na tribuna da Assembléia Legislativa em 29 de fevereiro de 1868, justificando um projeto de lei de sua autoria, no qual fixava as divisas entre os municípios de Brotas e Rio Claro. Sua primeira passagem como Deputado Provincial foi marcante, garantindo um início de carreira política bastante sólido. Esse aspecto está registrado nos Anais da Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo, nas impressões do deputado Leite de Moraes, reproduzidas na obra de Célio DEBES (1978a, p. 64):

Discurso brilhante e eloqüente que acabamos de ouvir de uma das mais belas esperanças da geração que passa. (...) o 3º distrito, honrando-o com seus sufrágios, não fez mais do que colocar no seio da representação provincial uma das nossas mais brilhantes inteligências, um dos nossos mais robustos talentos.

É interessante também expor neste momento o relacionamento existente entre Campos Salles e Prudente de Morais. Ambos ingressaram e se formaram na mesma época no curso de Direito do Largo São Francisco, ocuparam o cargo de Deputado Provincial pela primeira vez também no mesmo ano e fariam parte do movimento republicano. Prudente seria eleito Presidente da República em 1894 e Campos Salles em 1898. Entretanto, divergiam em muitos pontos com relação as questões políticas.

Retratando Prudente de Morais e Campos Salles, o historiador Aureliano Leite confronta os dois temperamentos. Do primeiro se pode acrescentar que cultiva a paixão da glória, enquanto o segundo se entrega à escravidão do dever. Ambos vingam mais ou menos a mesma meta por veredas diferentes. Campos Salles está para Prudente como um espanhol para um inglês: impulsivo, amante da vida, brilhante, barulhento, violento (MENEZES, 1974, p. 27).

Embora, estando muitas vezes em lados opostos, como foi o caso daquele primeiro discurso feito por Campos Salles, Prudente de Morais reconheceu que estavam além de suas próprias capacidades “fazer um eloqüente discurso como aquele que acaba de ser proferido pelo honrado deputado pelo 3º distrito” (DEBES, 1978a, p. 65).

Em seus primeiros anos como parlamentar, Campos Salles marcou presença, participou de debates e teve uma atuação brilhante. Ao lado de Jorge Miranda e Benedito Ferreira Coelho apresentou um projeto de lei com inovações para o ensino na Província, cumprindo uma importante proposta de sua campanha eleitoral. Infelizmente, aquele projeto foi considerado muito avançado para a época. Promovia o ensino particular ao lado do oficial, era uma tentativa de implantar o ensino livre. Uma emenda substitutiva foi oferecida pela própria bancada Liberal, acabando por descaracterizar essencialmente o projeto inicial.

A reforma no ensino foi uma preocupação constante de Campos Salles, sendo freqüentemente abordada em sua comunicação. Muito provavelmente, neste ponto, ele recebeu uma forte influência de Auguste Comte, pois a idéia do ensino livre encontra raízes no positivismo e, segundo VITA (1965, p. 147), foi defendida na “Política republicana”, de Alberto Salles:

Para êle [Alberto Salles], “a intervenção do Estado, em relação ao ensino superior, não deve ser senão indireta. A ciência é uma idéia fundamental, corresponde a uma das esferas da atividade social, e como tal necessita de certas condições que assegurem, não somente a sua completa independência ao lado de outras esferas da atividade humana, mas também a livre expansão de tôda a sua energia progressiva. (...) A ciência deve permanecer sempre na mais completa independência, girando constantemente em uma esfera distinta da atividade religiosa ou política, e nunca subordinada à influência exclusiva de qualquer outra esfera da atividade social. A liberdade de ensino deve ser um corolário da liberdade de aprender”.

Muitos fatos marcaram a vida de Campos Salles no ano de 1869. Em julho perdeu seu filho Vítor, que não contava ainda com dois anos de idade. Por outro lado, amenizando a tristeza, nasce José Maria em setembro. No final do mesmo ano é fundada a Gazeta de Campinas, jornal onde teve grande participação. Através daquele veículo, passou a fazer efetivamente suas primeiras manifestações anti- monárquicas, em boa parte motivadas e baseadas em textos de intelectuais revolucionários franceses. Em sua própria autobiografia, ele mesmo afirma ter encontrado em Auguste Comte o estímulo para defender o movimento contrário a monarquia, iniciado no Brasil com a Conjuração Mineira:

É um fenômeno incontestável, pois que a história o atesta, o contágio das idéias entre os povos, nas épocas em que se operam os grandes abalos sociais. Já A. Comte havia observado que, em cada momento da história, o povo, cuja evolução é mais adiantada, representa a humanidade inteira (CAMPOS SALLES, 1998, p. 13).

Em 1870, Campos Salles participa do lançamento do Manifesto Republicano, o qual dá início propriamente ao período da propaganda republicana, abordado com maiores detalhes no segundo capítulo deste trabalho.

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