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Ministro da Justiça do Governo Provisório

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Capítulo 4 – Rumo à Presidência da República

4.2. Ministro da Justiça do Governo Provisório

Com a instauração da República em âmbito nacional, assume o governo de modo provisório o Marechal Deodoro da Fonseca. Consagrando assim uma das propostas republicanas com raízes positivistas, ou seja, a liderança ditatorial representada por um governante republicano. Sobre isso, COSTA (1956, p. 17), ao citar a obra “A Política Geral do Brasil”, de José Maria dos Santos, critica os membros do movimento republicano por não estarem preparados para fazer uma interpretação adequada dos conceitos de Comte:

O que tentou os republicanos históricos no sistema de Augusto Comte foi sobretudo a sua orientação ditatorial. Ele vinha exatamente servir à tática partidária por eles adotada no combate parlamentar.

(...) a grande maioria deles (dos republicanos) composta de indivíduos rudimentarmente providos de cultura geral, não estava em condições de aprofundar muito a doutrina, nem mesmo de ler, com real proveito, os livros do filósofo de Montepellier, encontrando-se na mesma situação intelectual os oficiais de tropa que depois se lhes juntaram.

Nas províncias o cenário político ficava, temporariamente, ainda mais desorientado. No caso de São Paulo, segundo DEBES (1978a, p. 293), assumia o governo um triunvirato composto pelos republicanos Prudente de Morais, Rangel Pestana e Sousa Mursa. Existia uma certa expectativa de que o nome de Campos Salles deveria naturalmente ter sido indicado para chefiar aquele governo. “Mas, enquanto a quizília provinciana não lograva superar-se, Campos Salles era convocado para assumir papel de maior relevo no cenário nacional” (DEBES, 1978a, p. 295-296).

Seus colegas Francisco Glicério e Quintino Bocaiúva, localizados no Rio de Janeiro e contando com grande influência junto ao Governo Provisório, antecipam-se ao órgão oficial e enviam telegramas comentados por DEBES (1978a, p. 296):

O primeiro despacho, recebido às 10,20 horas do dia 16, fora expedido do Rio, a 15, e consigna:

“Dr. Campos Salles

Rua Tymbiras, 5. São Paulo.

Venha amanhã pasta Justiça sem falta telegraphe Herculano Antenor.

Francisco Glycério”.

O outro, chegado às 10,35 horas, também expedido do Rio a 15, reza:

“Campos Salles.

Venha urgencia tomar conta pasta Justiç a.

Bocayuva”.

Na seqüência, DEBES (1978a, p. 296) reproduz trecho do Diario Official da Republica Federativa Brazileira, ano XXVIII, nº 315, de 16 de novembro de 1889, no qual fazia-se a “Proclamação do Governo Provisório” implantando a República no País, além da nomeação do novo Ministro:

O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório constituído pelo Exército e Armada, em nome da Nação, resolve nomear para o cargo de Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Justiça o bacharel Manoel Ferraz de Campos Salles.

Sala das sessões do Governo Provisório em 15 de novembro de 1889. – Manoel Deodoro da Fonseca.

Ministro da Justiça era o mais alto cargo político que Campos Salles assumiria até então. Novamente, fazendo uso do trabalho de DEBES (1978a, p. 297), ele afirma que a escolha para a pasta de Justiça havia ficado dividida entre Campos Salles e Rangel Pestana, prevalecendo os votos de Francisco Glicério e Rui Barbosa a favor do primeiro.

Na opinião de LESSA (1999, p. 76), Rui Barbosa e Quintino Bocaiúva eram os dois homens mais experientes da equipe governamental formada pelo Marechal Deodoro, ambos deram apoio ao nome de Campos Salles. O primeiro possuía “conhecimento teórico” sobre a “república presidencialista” dos EUA, enquanto o segundo estava familiarizado com as vicissitudes da política argentina.

Logo após seu primeiro dia no Ministério, Campos Salles escreveu, como de costume, uma carta para sua esposa, revelando sua emoção diante das homenagens recebidas (DEBES, 1978a, p. 298-299):

Anninha,

Escrevo já para ver se v. ainda póde ter amanhã noticias minhas.

Acabo de chegar, e v. não imagina o que foi a recepção que tive na estação. Uma multidão enorme, que enchia literalmente a estação e que estendia -se, compacta, à grande distancia do edifício, abraçava-me freneticamente, aclamando a Republica, os membros do Governo Provisório etc. Nunca, absolutamente nunca assisti à uma scena grandiosa como esta; mas ao sahir da estação vi ainda cousa mais comovente. De braços com o Quintino fui desde a porta da estação até o portão do quartel do Campo de Sant’Anna, por entre duas alas dos batalhões academicos, apresentando armas em continência e aclamando estrepitosamente o ministro da justiça, a republica, etc. Diversas bandas de musica tocavam a um tempo. Estou a diser que o proprio Rio de Janeiro não assistiu a um espectaculo tão imponente como este. Estes batalhões representam um todo de cerca de dois mil soldados, todos rapases das escolas. Fiquei tão emocionado, que senti cahirem-me algumas lagrimas.

Entrando no quarto fui recebido por grande nº de officiaes de todas as patentes desde generaes. Fiquei por algum tempo na secretaria da guerra, que é nos altos do edificio, até que uma commissão de officiaes veio diser-me que soldados e povo não queriam retirar-se sem ouvir a minha palavra (é sempre a mesma historia). Obedeci, falei e o entusiasmo foi delirante. Então tive liberdade de sahir e vir para o hotel, onde estou escrevendo esta com o espirito aturdido por tudo quanto vi e ouvi. Que cousa magestosa!

- Conversei com o Quintino, e elle julga consolidada a Republica. A familia imperial sahiu sem provocar incidente algum, o que aliás era para receiar-se, e as forças, exercito e armada, estão pela Republica.

- Amanhã me empossarei do meu ministerio, onde tenho muito trabalho a vencer. Vou cumprir a sua recomendação, trabalhando muito e muito para subir à altura da gravissima responsabilidade que assumi.

Por hoje é quanto posso diser. Adeus.

Rio – 17 – 9bro – 89 do C. Salles.

O texto acima é muito representativo. Por ser uma correspondência particular enviada à sua esposa, é possível perceber toda sinceridade e emoção de Campos Salles, deixando evidente sua preocupação em fazer um trabalho digno ao qual fora designado. Em outra carta enviada no dia seguinte (DEBES, 1978a, p. 299-300), ele revelou sua percepção sobre o impacto efetivo da República no país, demonstrando certo descontentamento com o fato de muitos “novos” republicanos, terem procurado-o simplesmente por interesse.

Anninha.

Escrevo da secretaria da justiça, onde estou desde as 10 horas, hora em que tomei posse do cargo. Tem sido para mim um dia interessantissimo, porque estou vendo scenas desconhecidas, porque são scenas de governo. Os pedintes já começam a apparecer, e todos elles nasceram republicanos. Tive em minha presença os empregados todos desta secretaria, a officialidade dos corpos de policia, os offficiaes dos corpos da guarda nacional, vistosamente fardados, todos elles protestando lealdade e adesão ao governo provisorio e dando vivias à Republica. Têm-me apparecido tambem muitos magistrados, presidentes da Relação, membros do Supremo Tribunal de Justiça, assegurando todos a sua sincera dedicação ao governo. Tenho sido de esmerada cortesia com todos elles.

Parece que nesta terra nunca houve monarchia, e todos disem que, se o proprio chefe da monarchia pactuou com a Republica, ninguem mais tem obrigação de ser monarchista nesta terra. Enfim, a Republica está feita e perpetuada.

Já dei algum expediente, nomeando para meu secretario particular o Lucio de Mendonça, de qm. espero bom auxilio.

São 4 horas, e retiro-me para o hotel.

Adeus. Rio – 18 – 9bro – 89 do C. Salles

Todo o entusiasmo demonstrado por Campos Salles, com relação a confirmação da República e ao fa to de não mais existirem monarquistas no país, acabou sendo contradito nos anos seguintes. Movimentos anti-republicanos apareceram, trazendo dificuldades para o Governo. Como Ministro da Justiça, Campos Salles passou por situações delicadas e constrangedoras, principalmente relacionadas com a imprensa (vide tópico 3.2). Posteriormente, durante o governo de Prudente de Morais, a República passaria por momentos ainda mais dramáticos, sendo inclusive palco de conflitos fratricidas armados. Diante deste cenário caótico, após dez anos da Proclamação, o nome de Campos Salles surgiria como melhor alternativa capaz de assegurar a estabilidade da República.

Mas certamente, sua indicação para a Presidência da República não veio por acaso, e justamente o principal objetivo desta pesquisa é demonstrar como os esforços de comunicação de Campos Salles contribuíram para sua chegada ao mais alto posto político da nação. É óbvio que aquela indicação, seguida pelo sucesso nas urnas, não ocorreu simplesmente devido às estratégias de comunicação. A vitória de Campos Salles deve ser vista a partir da conjugação de três fatores: comunicação, cenário político e sua competente atuação profissional. Sendo a primeira delas a responsável por potencializar e divulgar favoravelmente as demais.

Neste sentido, parece conveniente abordar o trabalho de Campos Salles, como ministro, diante do cenário que estava sendo desenhado naquele momento.

Segundo DEBES (1978a, p. 302), “a primeira grande contribuição de Campos Salles, no âmbito de competência de seu Ministério, levado à consideração do Conselho, foi o projeto relativo ao casamento civil”. Na verdade, era uma medida que complementava o Decreto 119- A, de 7 de janeiro de 1890, aplicado pelo Governo Provisório, promovendo uma das principais propostas do movimento republicano, em grande medida motivada pelas teorias positivistas, ou seja, a separação entre Igreja e Estado.

Seguindo as mesmas idéias formadas no período da propaganda, Campos Salles também defendeu a secularização dos cemitérios. A transformação de um bem clerical em instituição leiga, de direito público, causava certas preocupações com os sentimentos religiosos cultivados no país. Entretanto, o então Ministro da Justiça mostrou-se taxativo:

O sr. Campos Salles declara que – lê-se nas Atas – em matéria de religião, entende que as reformas devem ser radicais ou então nada fazer-se. Não convém contemporizar com o clericalismo, a quem parece o Governo temer; e, fazendo parte do Governo, não pode deixar de pugnar pelas mesmas idéias pelas quais se debateu nas orações públicas, na imprensa e no Parlamento. Está disposto a não ceder nesta questão. No Brasil, o clero não representa uma força como na França e Alemanha. Esse temor deve desaparecer e o Governo agir com toda a energia, introduzindo reformas completas e compatíveis com o programa republicano. (DEBES, 1978a, p. 303).

Ainda em 1890, após o campanha militar brasileira contra o Paraguai, o Marechal Deodoro resolveu honrar os companheiros civis do Governo com o título de gene rais. O ato fundamentado foi noticiado pelo Jornal do Comércio, em 27 de maio de 1890 (DEBES, 1978a, p. 313):

Honras do posto – É este o decreto que subiu ontem à assinatura do Sr. chefe do

Governo Provisório:

O Generalíssimo Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório constituído pelo exército e armada em nome da nação:

Considerando que ao patriotismo dos atuais Ministros do Governo Provisório, na quadra anormal que atravessamos, deve a nação extraordinários e relevantes serviços;

Que a solenidade de hoje, além de homenagem prestada a uma nação amiga, pela sua emancipação política, comemora os feitos militares da maior campanha ferida na América do Sul, na qual tomaram parte, unidas, três nações Sul-Americanas;

Que honras militares constituem a maior remuneração que excepcionalmente se pode prestar aos beneméritos da pátria e que os Ministros civis, por sua dedicação e amor à causa pública, se tornam credores dessa distinção;

(...) Conceder as honras de general de brigada aos cidadãos: Rui Barbosa, Manuel Ferraz de Campos Salles, Quintino Bocaiuva, Francisco Glicério, José Cesário de Faria Alvim e as de coronel ao cidadão João Batista de Sampaio Ferraz.

Ao lado dos demais ministros, Campos Salles contava com grande prestígio e reconhecimento junto ao Marechal. Seus trabalhos, como ministro, contribuíram para a consolidação de sua carreira política. Ele participou ativamente da formulação e instalação da primeira Constituição republicana brasileira, e poderia ter ocupado o Ministério por ainda muito mais tempo, se não fosse o caso do empastelamento do jornal A Tribuna (vide tópico 3.2). Importante registrar sua influência e a força de sua comunicação interpessoal, pois ao apresentar seu pedido de demissão, os outros ministros e Floriano Peixoto foram solidários, decidindo-se por uma demissão coletiva, como ele próprio comenta em sua autobiografia (CAMPOS SALLES, 1998, p. 34):

Os meus colegas presentes declararam-se solidários comigo e opinaram pela retirada coletiva do ministério. Nesse intuito, dirigimos ao marechal a seguinte carta:

“Exmo. Sr. Marechal Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório.

Do lamentável sucesso ocorrido ontem à noite com relação à Tribuna, resulta evidentemente para os membros do Governo Provisório uma penosa responsabilidade. Desde que se deu o atentado, a opinião pública tem o direito de condenar-nos, inquirindo de nós qual uso fazemos da autoridade de que nos achamos investidos. Em tão crítica emergência, consultando o que devemos à nossa consciência e à nossa pátria, e o que devemos à vossa própria pessoa como chefe do Governo Provisório, julgamos cumprir um dever imperioso resignando os cargos que exercemos, etc., etc. (Assinados: Floriano Peixoto, M. Ferraz de Campos Sales, F. Glicério, E. Wandenkolk , José Cesário de Faria Alvim, Quintino Bocaiúva)”.

Entretanto, o Marechal não permitiu a saída de nenhum de seus auxiliares, somente no dia 21 de janeiro de 1891, após a votação do projeto de Constituição da República e intensa mobilização dos ministros, ele entrega- lhes a dispensa.

Interessante anotar a consideração que os republicanos da Comissão, responsável pela elaboração do projeto constituinte, tinham por Campos Salles (DEBES, 1978a, p. 318):

Os republicanos históricos do Governo tinham na pessoa do Ministro da Justiça um assíduo e genuíno órgão das suas idéias junto dos membros da comissão, aos quais os ligavam os laços de cordial amizade, que vinham dos tempos desses largos períodos de propaganda republicana, que precedeu e que produziu a queda da monarquia.

Apesar dos dissabores decorrentes do pedido de renúncia, Célio DEBES (1978a, p. 329-330) afirma que, mesmo após a saída, Campos Salles e seus antigos companheiros de Gabinete continuaram a manter relações com o Chefe do Governo. O Barão de Lucena, figura central do novo Ministério, procurou apoio político em alguns de seus antecessores, chegando a considerar Campos Salles e Francisco Glicério como sendo os ministros nos negócios de São Paulo.

Em 25 de fevereiro de 1891, o Congresso Nacional se reuniu para escolher os mandatários constitucionais do país. Deodoro foi eleito o primeiro Presidente da República e Floriano Peixoto vice. Prudente de Morais também participara daquela disputa, mas apesar do empenho dos republicanos, eles não conseguiram eleger um civil para dirigir a nação. Prudente somente obteria a vitória no pleito seguinte, o primeiro com eleições diretas.

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