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Assim, o futuro de que falávamos inicialmente tem sido – pelo menos na Inglaterra – sempre um aliado da tirania. O inglês comum tem sido despojado de suas antigas posses, sejam quais forem, e sempre em nome do progresso. Os destruidores das abadias tiraram-lhe o pão e deram-lhe uma pedra, certificando-lhe de que se tratava de uma pedra preciosa, o seixo branco do eleito do Senhor. Tiraram-lhe o mastro enfeitado de 1º de Maio e a vida rural e prometeram-lhe a Idade de Ouro da Paz e do Comércio, inaugurada no Palácio de Cristal. E agora estão levando o pouco que resta de sua dignidade como dono da casa e chefe da família, prometendo-lhe em lugar disso utopias a que chamam – de maneira bastante apropriada – “antecipações” ou “notícias de lugar nenhum”. Na verdade, estamos voltando ao ponto capital que já mencionamos. O passado é comunal; o futuro deverá ser individualista. No passado estão todos os males da democracia, da variedade, da violência e da dúvida, mas o futuro é puro despotismo, pois o futuro é puro capricho. Sei que ontem eu era um homem tolo, mas amanhã poderei facilmente tornar-me o super-homem.

O inglês moderno, contudo, é como um homem que, por alguma razão, deveria ser mantido fora da casa na qual pretendia iniciar sua vida matrimonial. Esse homem – chamemos-lhe Jones – sempre desejara as coisas divinamente ordinárias; casou-se por amor, escolheu ou construiu uma casinha que lhe caiu como uma luva, estava preparado para ser um grande avô e um deus local. E, justamente quando estava avançando, algo deu errado. Uma tirania, pessoal ou política, súbito privou-lhe da casa e o obrigou a fazer as refeições no jardim da frente. Um filósofo que por ali passava – e que, por mera coincidência, foi quem o botou para fora – detém-se e, inclinando-se elegantemente sobre as grades, explica a Jones que ele está agora levando uma vida dura graças à generosidade da natureza e que aquela será a vida do futuro sublime. Jones acha a vida no jardim mais dura que generosa e vê-se obrigado a mudar-se para um alojamento da rua próxima. O filósofo – que o botou para fora de casa –, ao passar por esse alojamento com a provável intenção de aumentar o aluguel, detém-se para explicar a Jones que ele agora está vivendo a verdadeira vida do esforço mercantil; a luta econômica entre ele e a senhoria é a única coisa donde poderá advir, no futuro sublime, a riqueza das nações. Mas Jones é derrotado na luta econômica e vai então para a casa de trabalho. O

filósofo – que o botou para fora e que calhava de estar naquele exato momento inspecionando a casa de trabalho – assegura-lhe que agora ele está finalmente na áurea república que é a meta da humanidade, está numa comunidade igualitária, científica e socialista, pertencente ao Estado e governada por funcionários públicos; de fato, a comunidade do futuro sublime.

Não obstante, há sinais de que o irracional Jones ainda sonha à noite com seu antigo ideal de ter uma casa normal. Pediu tão pouco e ofereceram-lhe tanto! Subornaram-lhe com mundos e sistemas: ofereceram-lhe o Éden, a Utopia e a Nova Jerusalém, quando tudo o que ele queria era um lar; e justamente isso lhe foi recusado.

Esse apólogo não traz nenhuma exageração dos fatos ocorridos na história da Inglaterra. Os ricos literalmente botaram os pobres para fora da velha casa e mandaram-nos para a estrada, dizendo-lhes muito brevemente que aquela era a estrada do progresso. Literalmente

obrigaram-nos ao trabalho nas fábricas e à moderna escravidão assalariada, garantindo a todo o tempo que aquele era o único caminho para a riqueza e a civilização. Assim como tiraram o rústico da comida e da cerveja do convento, dizendo que as ruas do céu eram ladrilhadas com ouro, também agora o tiraram da comida e da cerveja da aldeia, dizendo que as ruas de

Londres são ladrilhadas com ouro. Os pobres, assim como entraram pelo lúgubre pórtico do puritanismo, também entraram pelo lúgubre pórtico do industrialismo, e ouviram dizer que ambos eram os portões para o futuro. Até aqui, só têm saltado de prisão em prisão; mais ainda, têm caído em prisões cada vez mais sombrias, pois o calvinismo ao menos abria-lhes uma pequena brecha para o céu. E agora vêm-lhes pedir, com o mesmo tom educado e

impositivo, que entrem por outro pórtico sombrio, onde terão de entregar seus filhos, seus poucos bens e todos os hábitos de seus pais a mãos invisíveis.

Se esta última abertura é ou não mais convidativa do que as antigas aberturas do puritanismo e do industrialismo, poderemos discuti-lo mais tarde. Mas – creio eu – não há dúvida de que, se se impuser à Inglaterra alguma forma de coletivismo, será imposta, como tudo o mais, por uma classe política instruída a um povo em parte apático, em parte hipnotizado. A aristocracia estará tão inclinada a “administrar” o coletivismo quanto estava a administrar o puritanismo ou o manchesterismo. Em diversos sentidos, um poder político assim centralizado é-lhes necessariamente atrativo. Induzir o honorável Tomnoddy a responsabilizar-se pelo

fornecimento de leite assim como pelo fornecimento de selos não será tão difícil como alguns socialistas inocentes parecem supor – contanto que lhe aumentem o salário. O senhor Bernard Shaw observou que os ricos são melhores que os pobres em conselhos paroquiais, uma vez que estão livres da “timidez financeira”. Ora, a classe governante da Inglaterra está bastante livre da timidez financeira. O duque de Sussex estará perfeitamente disposto a ser o

administrador de Sussex com o mesmo salário. Sir William Harcourt, típico aristocrata, formulou-o de maneira bastante sensata: “Todos nós [isto é, a aristocracia] somos hoje socialistas.”

Mas não é com essa nota fundamental que desejo terminar. Meu argumento principal é que, necessários ou não, tanto o industrialismo quanto o coletivismo foram aceitos como

necessidades, não como idéias e desejos nus. Ninguém gostava da Escola de Manchester. Ela só foi aturada como a única forma de produzir riqueza. Ninguém gostava da escola marxista. Ela só foi aturada como a única forma de evitar a pobreza. Ninguém de fato concorda com a idéia de impedir um homem livre de ter sua própria fazenda, ou uma velha de cultivar seu próprio jardim, do mesmo modo que ninguém concordava com a batalha sem coração das máquinas. O propósito do presente capítulo cumpre-se adequadamente com a indicação de que esta proposta também é um pis aller, um mal menor, assim como a abstinência de álcool. Não me proponho demonstrar aqui que o socialismo é um veneno. Basta dizer que ele é um

remédio, não um vinho.

As idéias de uma propriedade privada universal, mas ainda assim privada, de famílias livres, mas ainda assim famílias, de uma domesticidade democrática, mas ainda assim doméstica, e a idéia de uma casa para cada homem continuam a ser a visão real e o ímã da humanidade. Pode ser que o mundo aceite algo mais oficial e geral e menos humano e íntimo;

mas o mundo será então como uma mulher de coração partido que entra num enfadonho casamento de conveniência por medo de não conseguir um casamento feliz. Pode ser que o socialismo represente a libertação do mundo, mas ele não é o que o mundo deseja.

7 Alfred M ilner (1854-1925), estadista e administrador colonial inglês de origem alemã.

8 Caleb Saleeby (1878-1940), médico, escritor e jornalista inglês, famoso advogado da eugenia.

9 George Cadbury (1839-1922), industrial inglês, quaker. Preocupado com a qualidade de vida de seus trabalhadores, construiu um vilarejo para os operários de suas fábricas, oferecendo-lhes também horários de descanso, facilidades para os idosos e cursos de espiritualidade para os quakers.

10 Epíteto de William Shakespeare.

11 Edmund Crosse e Thomas Blackwell, proprietários da empresa de produtos alimentícios Crosse & Blackwell.

12 Edward Wood (1881-1959), político conservador britânico. Era anglo-católico devoto.

13 Referência ao “Dong” do poema The Dong with a Luminous Nose, de Edward Lear.

14 Ultranacionalista belicoso, defensor do jingoísmo inglês. No Brasil, é costume empregar um termo de sentido muito semelhante, mas de herança francesa: chauvinista.

15 No original, “Blue Water School” e “Blue Funk School”, respectivamente.

16 “Two-power standard”, ou “padrão de duplicação da força” foi uma medida implementada pelo parlamento britânico em 1889 que impulsionou a M arinha Real britânica a buscar atingir uma frota militar tão forte e numerosa quanto a soma das duas maiores marinhas do mundo.

17 William Ernest Henley (1849-1903), poeta, editor e crítico britânico.

18 Alfred Beit (1853-1906), magnata alemão, mudou-se para Londres em 1888, de onde passou a controlar seus negócios, dentre os quais destacava-se a exploração de diamantes e ouro na África do Sul.

19 John Dillon (1851-1927), político irlandês, último líder do Partido Parlamentar Irlandês.

20 Bairro do subúrbio de Londres.

21 Charles Edward Stuart (1720-1788), jacobino e “jovem pretendente” aos tronos de Inglaterra, Irlanda e Escócia.

22 William de Tracy (?-1189), um dos assassinos de São Tomás Becket.

23 M atthew Hodder e Thomas Wilberforce Stoughton eram sócios da editora britância Hodder & Stoughton, fundada em 1840.

24 James M arshall e John Snelgrove eram sócios de uma loja de departamentos em Londres.

25 Aerated Bread Company (A.B.C.) foi uma empresa britânica especializada na produção de pães, mas que também ficou conhecida por suas casas de chá, a primeira delas inaugurada em 1864.

26 O original traz goose, cujo sentido primeiro é “ganso”, mas que coloquialmente é empregado para designar pessoas tolas e apatetadas. Optamos por traduzir o termo por “pato”, na tentativa de manter a duplicidade de sentido.