• Nenhum resultado encontrado

O IMPERIALISMO OU O ERRO ACERCA DO HOMEM

1. O ENCANTO DO JINGOÍSMO

Foi-me tremendamente difícil encontrar um título para esta seção; e confesso que a palavra “imperialismo” ainda é uma versão grosseira do que quero dizer. Porém, não havia palavra melhor. “Militarismo” passaria uma impressão ainda mais equivocada e “o super-homem” converte qualquer discussão em tolice. Numa visão geral, talvez a palavra “cesarismo” chegue mais perto do meu propósito, mas quero uma palavra popular, e imperialismo – como o leitor perceberá – cobre a maior parte dos homens e teorias que pretendo discutir.

Entretanto, essa pequena confusão é acrescida do fato de que eu mesmo duvido do

imperialismo em seu sentido popular, como um modo ou teoria do sentimento patriótico deste país. Mas o imperialismo popular inglês tem pouquíssimo que ver com o tipo de imperialismo cesarista que tenciono esboçar. Divirjo do idealismo colonial de Rhodes e Kipling. Mas não penso, como alguns de seus oponentes, que ele seja uma criação insolente da aspereza e da ganância britânicas. Creio que o imperialismo é uma ficção criada não pela aspereza

britânica, mas por sua suavidade; ou, em certo sentido, pela afabilidade britânica.

As razões para acreditar na Austrália são, a maioria das vezes, tão sentimentais quanto as mais sentimentais razões para crer no céu. A Nova Gales do Sul é considerada literalmente um lugar onde os maus deixam de causar problemas e os cansados repousam; ou seja, é o paraíso para os tios que se tornaram desonestos e para os sobrinhos que já nasceram cansados. A Colúmbia Britânica é, em sentido estrito, um país das fadas, um mundo onde se supõe que uma sorte mágica e irracional assistirá os filhos mais novos. Esse estranho otimismo quanto aos confins da terra é uma fraqueza britânica; mas, para mostrar que não é frieza nem rudeza, basta dizer que não havia ninguém que tomasse mais parte nele que este gigantesco sentimentalista inglês, o grande Charles Dickens. O final de David Copperfield é irreal, não só porque otimista, mas porque imperialista. A decorosa felicidade britânica planejada por David

Copperfield e Agnes seria estorvada pelo espectro perpétuo da insolúvel tragédia de Emily ou pela ainda mais insolúvel farsa de Micawber. Por isso, tanto Emily quanto Micawber são expedidos para uma vaga colônia onde operam sobre eles mudanças sem uma causa

concebível, exceto pelo clima. Como resultado de uma simples viagem marítima e da primeira vez que vêem um canguru, a trágica mulher conforma-se e o homem engraçado torna-se

responsável.

Ora, minha única objeção ao imperialismo, no sentido mais brandamente político do termo, está em prover-nos com uma ilusão de conforto. Um império com o coração falhando sentir-se especialmente orgulhoso de suas extremidades não me parece fato mais sublime do que um velho dândi com o cérebro falhando sentir-se orgulhoso das pernas. Lendas de uma juventude formosa e de uma energia heróica em ilhas e continentes distantes servem-nos de consolo da

feiúra e apatia evidentes da Inglaterra. Um homem pode sentar-se em meio à esqualidez de Seven Dials e sair dali com a impressão de que a vida nos matagais e nas estepes africanas é inocente e divina. Assim também um homem poderia sentar-se em meio à esqualidez de Seven Dials e sair dali com a impressão de que a vida em Brixton e Surbiton era inocente e divina. Brixton e Surbiton são “novos”; estão mais “próximos da natureza”, no sentido de que

consumiram a natureza milha a milha. A única objeção é a objeção do fato. Os jovens de Brixton não são jovens gigantes. E nem todos os amantes de Surbiton são poetas pagãos, cantando com a doce energia da primavera. Tampouco são jovens gigantes ou poetas pagãos os povos das colônias quando se lhes conhece. A maioria deles são cockneys – habitantes da East End de Londres – que perderam a derradeira música das coisas reais quando se

afastaram do som dos sinos de St. Mary-le-Bow. O sr. Rudyard Kipling, homem de talento autêntico, embora decadente, lançou sobre eles um glamour teórico que já está a desbotar. Mas, num sentido preciso e quiçá alarmante, o sr. Kipling é a exceção que confirma a regra, pois tem uma imaginação do tipo oriental e cruel, mas a tem não por haver crescido num país novo, mas exatamente por haver crescido no país mais antigo da terra. Está enraizado num passado, num passado asiático. Talvez não houvesse escrito “Kabul River” se houvesse nascido em Melbourne.

E, a fim de evitar qualquer ar de evasão, digo francamente que o imperialismo em suas

pretensões patrióticas comuns parece-me igualmente fraco e perigoso. É a tentativa de um país europeu criar um tipo de falsa Europa, a qual seja capaz de dominar, oposta à verdadeira Europa, que ele só pode compartilhar. É querer viver com seres inferiores a si. A intenção de restaurar o Império Romano por si próprio e para si próprio é um sonho que assombrou todas as nações cristãs das mais variadas maneiras e em quase todas as maneiras assumiu a forma de armadilha. Os espanhóis são um povo coerente e conservador e, portanto, encarnaram essa tentativa de império por longas e duradouras dinastias. Os franceses são um povo violento e, portanto, conquistaram esse império duas vezes pela violência das armas. Os ingleses são, acima de tudo, um povo poético e otimista e, portanto, seu império é algo vago, porém

simpático; algo distante, porém caro. Mas esse sonho de estender o poderio aos mais remotos cantos da terra, embora seja uma fraqueza nativa, é uma fraqueza que esses países têm, uma fraqueza muito pior do que foi o ouro para a Espanha, ou a glória para Napoleão. Se alguma vez entrarmos em conflito com nossos verdadeiros irmãos e rivais, haveremos de deixar toda essa fantasia de lado, deixar de sonhar em lançar exércitos australianos contra os alemães, em lançar a escultura tasmaniana contra a francesa.

A fim de que ninguém me acuse de acobertar atitudes impopulares, expliquei, pois, por que não acredito no imperialismo como vulgarmente é entendido. Não creio que seja somente uma injúria ocasional infligida a outros povos, senão uma debilidade contínua, uma ferida aberta. Mas é também verdade que, se me estendi na discussão desse tipo de imperialismo, que é um doce engano, eu o fiz em parte para mostrar quão diferente ele é daquela coisa mais profunda, mais sinistra e quiçá mais convincente que neste capítulo me vi forçado a chamar de

maligno e assaz não-britânico, devemos voltar atrás e recomeçar com uma discussão mais geral das primeiras necessidades das relações humanas.