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A EDUCAÇÃO OU O ERRO EM RELAÇÃO À CRIANÇA

13. O PAI BANIDO

Há pelo menos uma coisa da qual nunca se ouviu sequer um rumor nas escolas populares: a opinião do povo. As únicas pessoas que parecem não ter nada que ver com a educação das crianças são os pais delas. Porém, o inglês pobre tem tradições bastante definidas em muitos aspectos. Estão escondidas sob embaraço e ironia e os psicólogos que as desemaranharam falam que são demasiado estranhas, bárbaras, reservadas. Mas, na verdade, as tradições dos pobres são, o mais das vezes, simplesmente as tradições da humanidade, coisa que muitos de nós já não vemos há tempos. A classe operária, por exemplo, tem por tradição usar uma linguagem grosseira para falar de coisas repulsivas, pois assim reduz-se a chance de que alguém ceda à tentação de justificá-las. Essa tradição tinha-a já a humanidade, até que os puritanos e seus filhos, os seguidores de Ibsen, começaram a espalhar a idéia oposta: não importa o que você diga, contanto que o diga com palavras e semblante complexos. Ou ainda, as classes educadas transformaram a maioria das piadas sobre aparência física em tabus. Ao fazê-lo, contudo, converteram em tabu não só o humor de fundo de quintal, mas também metade da literatura mundial sadia. Cobrem os narizes da Punch Magazine, de Bardolph, Stiggins e Cyrano de Bergerac69 com refinados embornais. Novamente, as classes educadas adotaram um costume horrendo e pagão: considerar a morte um assunto desagradável demais para ser abordado, deixando-a sobreviver sob a forma de um segredo pessoal, como um defeito físico. Os pobres, ao contrário, são espalhafatosos e tagarelas ao comunicar suas

perdas, no que têm razão. Entenderam uma verdade da psicologia que está por trás de todos os costumes funerários dos filhos dos homens. A melhor maneira de diminuir o sofrimento é

ampliá-lo; a melhor maneira de suportar uma crise dolorosa é insistir que ela é uma crise; permitir àqueles que se sentem tristes que ao menos se sintam importantes. Nisso, os pobres são simplesmente os sacerdotes da civilização universal, e seus festins embuchados e

parlatórios solenes cheiram às carnes cozidas de Hamlet, ao pó e ao eco dos jogos fúnebres em honra de Pátroclo.

O que os filantropos dificilmente perdoam (ou não perdoam) na vida das classes

trabalhadoras são apenas as coisas que temos de perdoar em todos os grandes monumentos do homem. Pode ser que o trabalhador seja tão grosseiro quanto Shakespeare ou tão tagarela quanto Homero; que, se religioso, fale tanto sobre o inferno quanto Dante; que, se mundano, fale tanto sobre bebida quanto Dickens. Se o homem pobre pensa menos na ablução cerimonial que Cristo desprezou do que na bebedura cerimonial que Ele santificou, não é porque lhe falta embasamento histórico. A única diferença entre o homem pobre de hoje e os santos e heróis da história está naquilo que em todas as classes separa o homem comum, que é capaz de sentir, do homem grandioso, que é capaz de expressar. O que ele sente é meramente a herança do homem. Ora, ninguém espera que cocheiros e carregadores de carvão possam educar seus filhos em tudo. Mas isso tampouco se pode esperar de proprietários rurais, coronéis e

mercadores de chá. Deve haver um educador especialista in loco parentis70. Mas, enquanto o

mestre de Harrow está in loco parentis, o mestre de Hoxton está contra parentem71. A política vaga do proprietário rural, as ainda mais vagas virtudes do coronel, a alma e os anseios

espirituais do mercador de chá são, na prática, transmitidas aos filhos dessas pessoas nas escolas públicas inglesas. Mas quero fazer aqui uma pergunta muito franca e enfática: pode um ser vivente ter a pretensão, por mínima que seja, de assinalar de que forma as virtudes e

tradições próprias dos pobres são reproduzidas na educação dos pobres? Não desejo que a ironia do verdureiro ambulante apareça na escola com a mesma vulgaridade com que no bar; mas ela aparece sob algum outro aspecto? A criança é ensinada a simpatizar com o admirável bom humor e os jargões do pai? Não espero que a pietas patética e ansiosa da mãe, com suas roupas e carnes fúnebres, seja fielmente imitada pelo sistema educacional; mas será que ela tem alguma influência sobre o sistema educacional? Por acaso algum mestre da escola

elementar concedeu um instante sequer de consideração ou respeito? Não espero que o mestre odeie hospitais e centros do C.O.S. tanto quanto os pais de seus alunos; mas será que ele os odeia em alguma medida? Ele ao menos compreende o ponto de honra do homem pobre contra todas as instituições oficiais? Não é certo que um ordinário mestre de escola elementar não tomará apenas como algo meramente natural, mas como um fundamental dever de consciência a erradicação dessas lendas rudes de um povo laborioso? Não tomará por princípio pregar sabão e socialismo contra cerveja e liberdade? Nas classes mais baixas, o mestre não trabalha para os pais, mas contra eles. A educação moderna significa impor os costumes da minoria e desarraigar os costumes da maioria. Em vez da caridade cristã, do riso shakespeariano e da homérica reverência pelos mortos, aos pobres impuseram-lhes cópias pedantes dos

preconceitos dos distantes ricos. Devem pensar na banheira como uma necessidade, porque para os afortunados ela é um luxo. Devem agitar bastões suecos, porque seus mestres temem os porretes ingleses. Devem abandonar seus preconceitos contra serem alimentados pela paróquia, porque os aristocratas não têm vergonha de serem alimentados pela nação.