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3. As Atribuições das Entidades Reguladoras e o Princípio da

3.1 Descentralização da atividade normativa

3.1 Descentralização da atividade normativa 3.1 Descentralização da atividade normativa 3.1 Descentralização da atividade normativa 3.1 Descentralização da atividade normativa

A perspectiva da descentralização normativa, antecipada nos itens 2.4 e 2.5 supra, deve ser vislumbrada a partir da mudança de paradigma de busca do ideal de segurança jurídica, até então, concentrado no Parlamento. De um lado, o Poder Legislativo, essencialmente político e lento, viu-se incapaz de enfrentar a complexidade e tecnicismo das matérias que demandavam sua atuação. De outro, o pluralismo social permitiu que dentro da própria produção normativa estatal, houvesse diversidade de fontes, de órgãos e entes legitimados a emitir normas jurídicas.46

46O Estado de Direito procurava vincular a produção do direito à vontade geral, de maneira

que o direito seria veiculado pela lei. Sobre o assunto, conferir Clèmerson M. CLÈVE. Atividade Legislativa... Op. cit., pp. 46-48 e 75.

O aprimoramento do exercício de funções reguladoras, pelo Estado Social de Direito, ganha importância na medida em que ele se afasta do papel de provedor para se tornar fiscalizador das atividades reguladas. Com isso, fez-se necessário intensificar a produção normativa do Executivo para que a Administração efetivasse o cumprimento dos objetivos traçados pelo ente estatal.

O Estado se utilizou, principalmente, do instituto da privatização para implementar essa nova realidade. O fenômeno permitiu a transferência dos serviços públicos, até então prestados por empresas estatais, ao setor privado, gerando a necessidade de regulação dessas atividades como instrumento de proteção ao interesse coletivo.47

Bilac PINTO48, ao antever a nova ordem do Estado Contemporâneo, de ampliação das funções estatais, destacou serem necessárias as práticas da delegação legislativa e outorga de funções jurisdicionais a órgãos da Administração, como meio de instrumentalizar a atividade governamental49, especialmente a reguladora. Esse processo foi, em grande parte, decorrente da produção de normas complexas e técnicas.

47 CASSAGNE, Juan C. La intervención administrativa. Buenos Aires: Abeledo Perreot, 1994,

p.151. Afirma o autor: “el fenómeno de la privatización al abarcar la trasferencia al sector privado de la gestión de los servicios públicos que antes prestaban empresas estatales, há generado la correlativa necesidad de regular esas actividades para proteger debidamente los intereses de la comunidad”.

48 PINTO, Bilac. Estudos de Direito Público. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956, pp. 251e

257.

49 Curioso trazer a experiência norte-americana sobre a adoção da legislação governamental.

De um lado, a crise econômica de 1929, que culminou com a grande depressão, assolava o país reclamando uma atuação célere do governo que pudesse reverter a situação. De outro, a previsão do art. I, § 1º, c. 1 da Constituição norte- americana que vedava a delegação legislativa ao Presidente dos Estados Unidos, visto que todo poder legislativo fora atribuído ao Congresso. Assim, o Legislativo passou a editar leis com a roupagem de delegação legislativa. Nesse contexto, o tema da delegação indevida foi levado à Suprema Corte, por meio do processo Schechter Poultry Corp. v. United States, 295 U.S. 495 (1935) em que se admitiu a delegação desde que a lei apresentasse standards precisos, ou seja, modelos contendo limites definidos. Com isso, impedia-se a abdicação do Legislativo no tratamento de determinadas matérias. Sobre o assunto conferir Leomar B. A. de SOUSA. A Produção. .... Op. cit., pp. 51-52. O panorama completo do caso Schechter Poultry Corp. v. United States é fornecido por Gabriel Boavista LAENDER. Cf. Introdução ao estudo das agências reguladoras nos EUA. Disponível na página do grupo de estudos em direito das telecomunicações da UnB: www.gds.nmi.unb.br/getel. Corroborando a postura norte-

A premissa é compartilhada por Vicente RÁO50 que reconhecia a necessidade de uma maior atribuição de poderes ao Estado, em decorrência da especialização e a complexidade crescente dos problemas sociais e econômicos, tornado-se indispensável seu aparelhamento para o exercício das funções, em tempo hábil e de maneira eficiente.

Sob esse enfoque, a pluralização das fontes normativas conjugada à descentralização do aparato estatal, pela criação de entes ou órgãos autônomos independentes, representam o grande paradigma finalístico do Estado moderno.51 Nesse contexto, a normatização setorial constituiu eficaz instrumento regulatório diante dos mecanismos, até então, adotados pelo Estado.

Não se pode olvidar, ainda, daqueles que declaram que apenas o Estado possui o poder normativo originário, de modo que as outras fontes de alguma maneira retiram a sua eficácia. Entre nós, Miguel REALE52elaborou a teoria da gradação da positividade jurídica, defendendo que os ordenamentos jurídicos são dotados de diferentes graus de estabilidade e coercitividade, e, apenas a instituição estatal

americana de delegação limitada, Bernard SCHWARTZ destaca que o poder legislativo pode ser conferido ao Executivo desde que a outorga seja limitada a determinados padrões. Cf. Direito Constitucional Americano. Trad. Carlos Nayfeld. Rio de Janeiro: Forense, 1966, p.350. Clèmerson M. CLÈVE recorda que a doutrina americana utiliza-se da delegação em razão de o Poder Executivo não dispor de um poder regulamentar constitucionalmente deferido, diversamente do que ocorre no ordenamento constitucional brasileiro. Atividade Legislativa... Op. cit., p. 299. Dessa forma, o princípio da separação dos poderes foi reinterpretado, pela atividade jurisprudencial, até conciliar-se com a técnica da colaboração entre os poderes na formação da ordem jurídica.

50RÁO, Vicente. As Delegações Legislativas no Parlamentarismo e no Presidencialismo. São

Paulo: Ed. Max Limonad, 1966, p.16.

51É esse o entendimento de Alexandre Santos de ARAGÃO. O poder normativo ... Op. cit.,

p.278. A descentralização normativa encontra, inclusive, amparo constitucional. Gabriel de Mello GALVÃO afirma que o legislador, ao realizar a previsão de regulamentação na Constituição de 1988, demonstra que o atual quadro normativo foi estruturado para abranger um grande número de matérias e demanda uma extensa regulação por parte do Estado. Dessa forma, não se pode afirmar que o excesso de normas afronte a segurança jurídica, sendo que esta garantia constitucional deve ser entendida à luz da conformação que deu a Constituição ao processo regulatório. Cf. Fundamentos e Limites da atribuição do Poder Normativo às Autarquias Autônomas Federais (agências reguladoras). Brasília: Editora UnB, 2002, pp.39-41.

52REALE, Miguel. Pluralismo e Liberdade. Rio de Janeiro: Ed. Expressão e Cultura. 2 ª ed.

ou as por ela reconhecidas, possuiria positividade em seu grau máximo.