• Nenhum resultado encontrado

2. Panorama Histórico da Separação dos Poderes

2.4 Garantia de um Estado Democrático de Direito

2.4 Garantia de um Estado Democrático de Direito 2.4 Garantia de um Estado Democrático de Direito 2.4 Garantia de um Estado Democrático de Direito 2.4 Garantia de um Estado Democrático de Direito

A separação dos Poderes foi concebida como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. O professor Carlos Ari SUNDFELD27 caracteriza o Estado de Direito como aquele criado e regulado por uma Constituição em que o exercício do poder político28

24 SALDANHA, Nelson. O poder... Op. cit., p.4. 25 SALDANHA, Nelson. O poder ... Op. cit., p. 4. 26 SALDANHA, Nelson. O poder... Op. cit., p.4.

é dividido entre órgãos independentes e harmônicos, que controlam uns aos outros, de modo que a lei produzida por um deles é necessariamente observada pelos demais e que os cidadãos, sendo titulares de direitos, possam opô-los ao próprio Estado.

No entanto, o conceito de Estado Democrático de Direito é bem mais amplo. O Estado de Direito29 assegura a igualdade formal entre os homens, por meio da submissão de todos ao império da lei, o estabelecimento de garantias individuais, a divisão formal das funções do poder, o povo como origem formal de todo poder e a igualdade de todos perante a lei, na medida em que estão submetidos às mesmas regras gerais. Ou seja, todos são iguais porque a lei é igual para todos. Cumpre observar, todavia, que as normas embora genéricas e impessoais, podem ser socialmente injustas quanto ao seu conteúdo. Assim, estar submetido ao império da lei não significa a inviolabilidade de garantias individuais mínimas.

Nesse contexto, a Constituição da República de 1988 declarou ser o Brasil, um Estado Democrático de Direito pela proclamação da igualdade entre os homens, pela imposição de metas e deveres previstos em seu art. 3º30, pela observância do pluralismo político e liberdade de expressão das idéias, pelo resgate da cidadania, pela afirmação do povo como fonte única do poder e pelo respeito da dignidade humana.

27SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4ª ed. São Paulo: Editora

Malheiros, 2000, pp. 38 e 39.

28O poder político é aquele que preside, integra e harmoniza todos os grupos sociais,

possibilitando a convivência entre os membros dos grupos sociais, mediante um conjunto de regras que compõe o direito comum a todos eles. A titularidade do poder político é atribuída à comunidade, ao passo que seu exercício incumbe aos órgãos estatais que atuam como os meios de que é dotado o povo para influir nas funções do Estado. Sobre o tema, conferir Kildare Gonçalves CARVALHO. Direito Constitucional. 10ª ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2004, pp. 67 e 68.

29O liberalismo foi a doutrina política na qual se pautou a construção da teoria do Estado de

Direito. Procurava limitar, juridicamente, o Estado pela Constituição de modo que a liberdade do indivíduo e da sociedade fosse garantida perante a atuação estatal. Cf. Paulo BONAVIDES. Ciência... Op.cit., p.155.

30“Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (i) construir

uma sociedade livre, justa e solidária; (ii) garantir o desenvolvimento nacional; (iii) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (iv) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

O Estado Democrático de Direito31, portanto, é aquele que se preocupa não apenas com a submissão de todos à lei, mas com a elaboração de leis que externem conteúdo e adequação social, sob pena de a norma jurídica ser atentatória aos princípios básicos da dignidade humana.

A teoria da separação dos poderes ganhou credibilidade na doutrina do liberalismo32, ao se consolidar como instrumento de garantia das liberdades individuais ou recém-adquiridos direitos políticos da burguesia frente ao absolutismo que até então, mantinha- se predominante.

Portanto, para que o Estado respeitasse sua carta política e os direitos individuais por ela resguardados, era imprescindível dividir o exercício do poder político entre órgãos distintos, ou poderes, que se controlassem mutuamente. Nesse contexto, percebe-se a importância da separação dos poderes no controle desse poder, visto que cada órgão limita o exercício das atividades do outro, evitando o surgimento de um Estado arbitrário.

Procurava-se resguardar, sobretudo, a liberdade, entendida como a fruição pacífica da independência privada33, adotando-se a máxima que o indivíduo é melhor árbitro de seus interesses do que o Estado,

31 Maria S. Zanella DI PIETRO destaca que o Estado Democrático de Direito busca viabilizar

a participação popular (Estado Democrático) no processo político, nas decisões do Governo, no controle da Administração Pública, daí compreender a consecução da justiça material (Estado de Direito). Afirma, ainda, que o interesse público humanizou-se à medida que passou a preocupar-se não só com os bens materiais que a livre iniciativa almeja, bem como, os valores considerados essenciais a uma existência digna. O interesse público, considerado sob o prisma jurídico, passa a confundir-se com a idéia de bem comum. Sobre o tema, conferir Maria S. Zanella DI PIETRO. Parcerias da Administração Pública. 3ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 1999, pp. 23 e 24.

32 O Estado Moderno nasceu absolutista e, por muito tempo, suas qualidades foram

relacionadas com as virtudes e defeitos do monarca absoluto. Assim, já no século XVIII, predominava a idéia de que o poder público era o inimigo da liberdade individual, de maneira que qualquer restrição ao individual em prol do coletivo era vista como ilegítima. Essa, portanto, a origem individualista do Estado liberal. Ao mesmo tempo, a burguesia já iniciava sua ascensão econômica, preconizando a intervenção mínima do Estado na vida social, considerando a liberdade contratual um direito natural dos indivíduos. A esse respeito conferir Clèmerson Merlin CLÈVE. Atividade Legislativa do poder executivo no Estado contemporâneo e na constituição de 1998. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, pp. 34-44.

não havendo mal maior que o permitir que outra pessoa julgue o que convém a cada um.34 Ou seja, a economia privada é antes de tudo, assunto dos indivíduos, não estando o Estado apto a resguardá-la.

Diante do histórico traçado, percebe-se que o Estado liberal se organizou de maneira a ser o menos interventor possível, caracterizando um Estado mínimo ou Estado-polícia, com atribuições reduzidas como manter a ordem interna e proteger o Estado contra ameaças externas, de forma que o restante fosse conferido à sociedade civil.

Seguindo essa orientação política, a teoria da separação dos poderes encontrava uma utilidade incontestável, pois implicava o enfraquecimento do Estado e a preservação das liberdades individuais, vindicadas pelo constitucionalismo.

O Estado liberal permitiu, de um lado, o progresso econômico e a valorização do indivíduo e, de outro, a injustiça social, como decorrência da concepção individualista da liberdade em que se assegurava uma situação de privilégio para aqueles economicamente fortes. Como conseqüência, os princípios do liberalismo, voltados para a proteção da liberdade e da igualdade mostraram-se insuficientes para conter as profundas desigualdades geradas.

Nesse contexto, o Estado é chamado a intervir na ordem econômica e social como instrumento de implementação da igualdade, não apenas formal, entre os homens. A nova ordem preocupa-se com o bem comum e com o interesse público. O Estado mínimo passa a ter uma participação mais ativa objetivando concretizar prestações positivas.

A própria forma de pensar os direitos fundamentais deve ser revista: de um lado, os cidadãos possuem direitos de esfera privada que devem ser resguardados contra a atuação arbitrária do Estado e, de outro, adquirem direito à proteção da saúde, educação, trabalho, existência digna, que, para se efetivarem reclamam a atuação estatal.

Paralelamente, a intervenção no mercado é inevitável. A atuação do Estado na economia dá-se reprimindo práticas comerciais que comprometam o princípio da livre concorrência, participando do processo econômico, por meio de empresas estatais ou, ainda, implementando políticas públicas. Surge o Estado empresário ou social.

O Estado se transforma em prestador de serviços, não mais admitindo o lento processo legislativo35 como instrumento concretizador das demandas sociais. Alarga-se a atuação do Poder Executivo, inclusive, pela atividade normativa efetivada por outros instrumentos normativos que não a lei.

O bem estar do indivíduo, na sociedade contemporânea, está nas mãos do Estado. É obrigação do ente estatal assegurar água, energia elétrica, transporte, saúde, educação, previdência.36 Isso, em virtude de se ter estabelecido uma relação de dependência entre os indivíduos e o Estado.

A experiência demonstrou que administrar sem a atribuição legislativa dificulta, sobremaneira, o alcance de metas governamentais. Assim, uma vez reconhecida a necessidade imperiosa da legislação governamental, buscava-se legitimar a competência legislativa do poder Executivo na ordem jurídica.

35 O emperramento do Parlamento, decorrente do moroso processo legislativo, demonstrou

que o poder Legislativo não estava apto a adotar, eficazmente, as providências legislativas exigidas. Nesse contexto, o Estado é chamado a intervir na ordem econômica e social, em especial para proteger os menos favorecidos.

36 Cumpre lembrar que os serviços sociais previstos na Constituição da República, Título VII

– arts. 193 a 232 – que atendem as necessidades coletivas em áreas em que a atuação estatal é essencial, comportam também prestação pela iniciativa privada. Quando prestados pelo poder público devem ser gratuitos, não podendo ser objeto de concessão ou permissão, pois ausente a remuneração por tarifa, característica dos contratos de concessão. Como não constituem atividade exclusiva do Estado, o particular que queira atuar nessa área, deverá estabelecer parceria por convênio (contratos de gestão) ou terceirização da atividade (transferência da execução material) e não por meio do instituto da concessão do serviço público.