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1. Discricionariedade técnica e suas fontes geradoras

1.3. Discricionariedade técnica

1.3. Discricionariedade técnica 1.3. Discricionariedade técnica 1.3. Discricionariedade técnica 1.3. Discricionariedade técnica

A concepção original do termo discricionariedade técnica, cujo desenvolvimento alcançou seu ápice na doutrina italiana, era a de que, por se referir a decisões com alta carga de complexidade técnica, balizava atos administrativos que eram retirados do controle jurisdicional. A justificativa de seu surgimento foi a consideração de que certas decisões administrativas supunham tal grau de especialização que somente aquele órgão ou autoridade investidos da devida competência (legal e técnica), por gozar de extrema especialização, poderiam realizar a necessária valoração. Em decorrência, era negada ao Poder Judiciário qualquer margem de controle sobre essa categoria de decisões administrativas, excetuando- se os casos de erro manifesto. Firmou-se, pois, a tese de que a Administração tinha liberdade técnica de decisão.32

Um dos maiores estudiosos sobre o tema da discricionariedade técnica foi Renato ALESSI. Sua doutrina sobre o tema fundamenta o estudo do direito italiano e serve de parâmetro para o estudo da discricionariedade técnica em outros países, especialmente na Espanha e em Portugal.

ALESSI aponta a nota distintiva entre a discricionariedade administrativa e a discricionariedade técnica. Enquanto a primeira é observada nos casos em que a apreciação do interesse público diz respeito à utilização exclusiva de critérios administrativos, a segunda

modo de atuar do poder estatal; atividade discricionária, enquanto função estatal, expressão dinâmica desse poder; e ato discricionário, resultado qualificado do exercício dessa função.”(p. 36)

32 No Brasil, Eros Roberto GRAU explora a contradição existente entre os termos

discricionariedade e técnica. Discricionariedade nos remete à margem de escolha dentre indiferentes jurídicos conferida legalmente ao administrador, a fim de que possa adotar a melhor solução diante do caso concreto. Já o termo técnica se relaciona ao meio de análise preciso de uma situação e determinação de uma única solução, estabelecendo-se, em face de certa ciência, a opção dita correta para o caso concreto. Esse autor explora a contradição existente entre a não vinculação a nenhum standard, linha característica da discricionariedade, e a vinculação a standards, típica das decisões técnicas. Em face disso, afirma ser insustentável a tese da discricionariedade técnica, de onde conclui que, enquanto atividade técnica, a dita “discricionariedade técnica” não seria discricional. GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e O Direito Pressuposto, São Paulo: Malheiros Editores, 3ª edição: 2000, p. 159 e 160.

se verifica na existência e solução de questões técnicas para apreciação do interesse público, posterior ou concomitantemente.33

Entretanto, ocorre grande variação na situação jurídica, conforme haja ou não ligação da questão técnica a uma questão administrativa. Verificada a ligação, a administração realizaria verdadeiro juízo de valor, havendo que se falar efetivamente em discricionariedade técnica. Verifica-se que há discricionariedade técnica nas hipóteses em que critérios técnicos estão efetivamente ligados a critérios administrativos, e questões técnicas ligadas a questões administrativas, de forma tal que os primeiros ficam absorvidos pelos segundos. Somente pode ser revista a solução técnica por meio de uma impugnação da solução da questão administrativa.

A discricionariedade técnica pode ser, então, verificada nas seguintes hipóteses. Primeiramente, quando a solução da questão técnica é pressuposto para a solução da questão administrativa, o que sucede no caso em que seja necessário comprovar, com base em regras técnicas, a medida de uma qualidade ou atributo técnico, de forma que, comprovada esta qualidade ou atributo, corresponda à autoridade administrativa, conforme critérios administrativos, estabelecer se dita medida é ou não suficiente para justificar a ação administrativa. A questão técnica, neste caso, fica absorvida pela questão administrativa, sendo que a revisão da primeira só ocorre com a revisão da segunda. É o que se passa, por exemplo, ao se decidir sobre a demolição de um prédio.

Em segundo lugar, quando a questão é única, mas deve se resolver com critérios técnicos e administrativos ao mesmo tempo. Tal sucede em todos os casos em que a atividade administrativa deva se desenvolver por meio de uma atividade de natureza técnica. Há, então, valoração conjunta do interesse público concreto e do meio para sua satisfação, sendo que a autoridade deve levar em consideração as exigências do interesse público, adaptando a estes os ditames da técnica. Por exemplo, eleição de critérios de construção de um prédio, ponderando-se, conjuntamente, sobre as técnicas e as necessidades,

33 Cf. ALESSI, Renato. Instituciones de Derecho Administrativo – tomo I, Barcelona: Bosch

conforme conveniência e oportunidade, que podem ser satisfeitas por cada técnica distinta.

Por conseguinte, somente há que se falar de discricionariedade técnico-administrativa nos casos em que os critérios técnicos estão necessariamente ligados a critérios administrativos. Conclui-se, então, que a discricionariedade técnica é a junção de análise discricionária com matéria técnica, sobre a qual são exercidos os juízos de conveniência e oportunidade, havendo apreciação do interesse público em concreto para justificar a ação administrativa.34

Por outro lado, há casos em que os critérios técnicos independem de qualquer critério administrativo. São as situações em que a técnica é o único pressuposto para determinar a ação administrativa. Nesses casos, não há margem para valoração do interesse público. Cabe apenas ao administrador decidir em conformidade com as condições técnicas estabelecidas.

A revisão de solução técnica, nesse caso, não traz nenhuma implicação sobre a solução de questões administrativas e, portanto, sobre a valoração de um interesse público. O que se verifica é a independência entre critérios técnicos e administrativos. Há mera comprovação da existência fática de uma qualidade de natureza técnica para aplicação de certa solução fixada normativamente, sem implicar alteração na valoração do interesse público, como, por exemplo, a constatação de doença contagiosa em animais para determinar seu sacrifício.35 Nessas situações, discricionariedade e técnica são, efetivamente, inconciliáveis, pois não haveria discricionariedade propriamente dita. O ato carece de valoração de conveniência e oportunidade. Então, sendo a questão meramente técnica, sua solução advém exclusivamente da aplicação de regras técnicas, sem que haja faculdade alguma na apreciação diante do caso concreto.

Nesse contexto, conforme a solução de certa matéria seja determinável, ou não, tão-somente pela aplicação de critérios técnicos,

34 Cf. ALESSI, Renato. Op. Cit., p. 197 e 198. 35 Cf. ALESSI, Renato. Op. Cit., p. 197 e 198.

a atividade do administrador é variável. No primeiro caso, sua atividade é de mera constatação da ocorrência dos parâmetros técnicos fixados normativamente, sendo, portanto, vinculada. No segundo, em que a norma não fixa parâmetros técnicos previamente, deixando-os a cargo da administração, cabe falar de discricionariedade técnica.

A primeira das hipóteses, como ensina ALESSI, é verdadeira vinculação, tendo em vista que a própria norma traz em si o parâmetro técnico a ser utilizado para a subsunção dessa mesma norma (que comporta em si a solução) e a atividade do administrador se restringe à mera constatação desse critério para posterior aplicação da conseqüência prevista previamente. Assim, a presença de um conceito, método ou técnica não é suficiente para caracterizar a discricionariedade técnica, apesar de ser tomado como sua nota característica.36

Desse modo, a discricionariedade técnica está presente na aplicação de conceitos técnicos ou métodos não unívocos, sendo indispensável, pois, que o entendimento e/ou aplicação da técnica em jogo permita margem sobre a qual se possa exercer juízo discricionário.37 Deve haver, pois, associação de critérios técnicos a critérios administrativos para a tomada de determinada decisão.