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CAPÍTULO III- DESCENTRALIZAÇÃO DA SAÚDE E A CRIAÇÃO DAS UMS EM

1. Descentralização, poder local e atuação de proximidade

Neste ponto procura-se compreender de que forma as ideias subjacentes à criação das UMS foram implementadas pelas autarquias, num quadro político de descentralização

de competências induzidas por políticas de saúde nacionais e internacionais. Legalmente, é a partir do ano de 1999, através da Lei 159/99, de 14 de Setembro,

que se estabelece a transferência de atribuições e competências para as autarquias, embora sem total concretização. Tal como destaca Gonçalves (2011, p. 6),

a descentralização de poderes efetua-se mediante a transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, tendo por finalidade assegurar o reforço da coesão nacional e da solidariedade inter-regional e promover a eficiência e a eficácia da gestão pública assegurando os direitos dos administrados.

No art.º 13 da Lei 159/99, as atribuições e competências das autarquias incidem sobre os domínios do equipamento rural e urbano, energia, transportes e comunicações, educação, património, cultura e ciência, tempos livres e desporto, saúde, ação social, habitação, proteção civil, ambiente e saneamento básico, defesa do consumidor, promoção do desenvolvimento, ordenamento do território e urbanismo, polícia municipal e cooperação externa. Destaca-se ainda o art.º 22, o qual remete para as competências dos órgãos municipais em matéria de saúde: Participação na elaboração e construção da rede de equipamentos de saúde dos concelhos; Construção e manutenção dos CS; Participação na definição das políticas de saúde das delegações de saúde dos concelhos; Participação no quadro da comunicação e informação do cidadão; Participação na prestação de cuidados de saúde continuados no âmbito do apoio social à dependência, tendo como parceiros o Estado e estruturas locais; Cooperação no sentido da compatibilização da saúde pública com os planos de desenvolvimento dos concelhos.

Para o Estado, a descentralização de competências para as autarquias tinha como grandes objetivos a participação política e social dos stakeholders e cidadãos, a ação coletiva local e o estabelecimento de uma democracia participativa, de modo a possibilitar

o ecodesenvolvimento, a satisfação das necessidades e aspirações das populações, a proximidade de serviços às populações e a melhoria das suas condições de vida (Fernandes, 1987). Neste processo de descentralização, como destaca Fernandes (1987), era esperado e necessário que o Estado proporcionasse autonomia administrativa e financeira às autarquias. Contudo, segundo a Constituição portuguesa, o princípio da descentralização e da autonomia das autarquias locais é tutelado, na medida em que as decisões finais competem sempre ao Estado. Deste modo, a descentralização contrapõe a

liberdade e a autonomia das autarquias locais à autoridade do Estado. Era fundamental que o Estado neste processo de descentralização, concebesse uma

função coordenadora dos interesses e planos nacionais, no sentido de dirigir a nação para níveis elevados de desenvolvimento e de bem-estar social, de forma a garantir a equidade dos recursos, a participação das populações e a disposição dos meios financeiros e técnicos necessários, quer da sua parte quer da parte dos municípios. Contudo, em Portugal e em vários países europeus, a realidade é a redução dos meios ou recursos financeiros transferidos para as autarquias e o aumento dos recursos próprios através da tributação local (Gonçalves, 2011).

De acordo com Ruivo (2004), o fenómeno da descentralização em Portugal ficou aquém do esperado, na medida em que não teve um alcance aplicativo tendo demonstrado “velocidades discrepantes entre a normatividade e a realidade, bem como, consequentemente, as descoincidências entre os ‘produtos’ legalmente pretendidos e os ‘produtos’ realmente obtidos” (Ruivo, 2004, p. 3).

No processo de atuação da descentralização, a mesma adquiriu também interesses individuais do que interesses coletivos que pudessem conduzir efetivamente à governança (Ruivo, 2004). Entende-se o conceito de governança como um fenómeno pluridimensional que incorpora a ideia de participação dos atores chave nas questões públicas, coordenação dos atores, partilha do poder e ação coletiva (Gonçalves, Gerry & Aliste, 2011).

Neste contexto de mudança, não foi somente a descentralização que apresentou problemas. O poder local também demonstrou limitações na promoção efetiva do desenvolvimento local a partir da descentralização. De entre as principais limitações destacam-se as seguintes, segundo Portas (1988, p. 64),

transferência de competências para o poder local, especialmente sensíveis às políticas limitadoras das últimas décadas, como o aumento de recursos humanos e o aumento do investimento e a lentidão dos progressos do associativismo que impediram o entendimento entre grupos e o estabelecimento de ações e objetivos.

Ainda em relação às limitações do poder local, Felicíssimo (1992, p. 14), afirma que “não é fácil mudar, de um dia para o outro, comportamentos e práticas adotadas por longo tempo. O ‘descongelamento’ e a ‘descolonização’ fazem parte do problema, mas se desfazem no processo de recriar”.

A descentralização de competências ocorrida em Portugal demonstrou tratar-se de uma questão política, em que a estratégia consistia na redistribuição do poder do Estado através da transferência de competências para o poder local, através de argumentos de participação social, democratização e ação coletiva. Contudo, no quadro da descentralização é importante salientar o surgimento de ações e preocupações positivas por parte do Estado e não só, relacionadas com o novo modelo de governança local, coletiva e organizada, que se traduzia na disseminação de práticas administrativas territoriais, contrárias às práticas centralizadoras da administração pública, inspiradas no autor Ruivo (2004). Tais práticas englobavam a criação de parcerias ou redes de associativismo que visassem o planeamento de atuações em vários domínios da proteção social, a articulação do centro com a periferia e a criação de plataformas de políticas facilitadoras do envolvimento e interação dos stakeholders e dos atores como as autarquias, regiões e organizações não-governamentais. No novo modelo de governança local, os princípios defendidos eram a participação, a integração, a articulação, a corresponsabilidade e o trabalho em parceria (Gonçalves, 2011).

Concluindo, a verdadeira razão da descentralização de competências deveu-se ao fato de o Estado-Providência não possuir recursos financeiros para conseguir gerir os vários campos relacionados com a saúde (encerramento de CS), educação, ação social, habitação, energia, transportes e comunicações, património, cultura e ciência, proteção civil, ambiente, ordenamento do território e urbanismo, defesa do consumidor e polícia municipal. Deste modo, acabou por sair reforçada a ideia de que o poder local tem um papel fundamental na gestão dos recursos e concretização de políticas públicas, desde logo no âmbito da saúde (Souto, 2014).

Atualmente, a Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades

intermunicipais, reitera estas competências atribuindo ao município apoiar atividades de natureza social, cultural, educativa, desportiva, recreativa e também atividades que contribuam para a promoção da saúde e prevenção das doenças (art.º 33 n.º 1 alínea u).