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CAPÍTULO I- SAÚDE E DESCENTRALIZAÇÃO DE SERVIÇOS EM TERRITÓRIOS

5. Serviço social, saúde e nova geração de políticas sociais

O Serviço Social e a área da saúde possuem uma relação que é parte integrante dos próprios processos de construção da identidade da profissão de assistente social (AS). A atual conjuntura económica e financeira, diminuição do investimento e a diminuição dos benefícios em cuidados de saúde, desafia cada vez mais o Serviço Social a ter um papel mais interventivo, ativo e dinâmico na promoção do acesso às respostas, bem como no fornecimento de respostas por parte do SNS.

A principal missão do Serviço Social da Saúde reside na mudança dos modelos de saúde e cuidados médicos. Este grande desígnio reporta-se à influência do Serviço Social no “mainstream” dos cuidados de saúde no sentido de ser adotada uma conceção ampla de saúde e doença e a consciência da importância da influência da dimensão intrapessoal, interpessoal e ambiental na saúde. Influenciar paulatina e permanentemente a árdua passagem de um paradigma biomédico para um paradigma biopsicossocial e holístico (Auslander, 2001, p. 211 cit. in Branco & Farçadas, 2012).

No início dos anos 70, no contexto da reforma dos CSP em Portugal, a Organização do Ministério da Saúde e Assistência Social estabeleceu a criação dos CS locais e distritais e a previsão da existência do Serviço Social como unidade orgânica.

Posteriormente, nos anos 80, através do regulamento dos CS, a atividade profissional do Serviço Social passou a ser reconhecida nos CS. Este reconhecimento deixou de subsistir quando o novo regulamento dos CS de 3ª Geração excluiu o Serviço Social como serviço dos CS, atribuindo a direção da UCC aos enfermeiros dos CS.

Nos cuidados de saúde diferenciados (hospitalares) a presença do Serviço Social é universal, consolidada e integrada funcionalmente. Contrariamente, nos CSP a presença do Serviço Social é muito reduzida, apresentando uma configuração unipessoal e uma jurisdição profissional em construção. Esta discrepância entre a institucionalização e jurisdição do Serviço Social nos cuidados de saúde diferenciados e nos CSP é justificada pela institucionalização tardia dos CSP em Portugal, pela falta de investimento político nos CSP ao nível das políticas de saúde, pelas orientações e práticas direcionadas para a medicina familiar em detrimento da saúde comunitária e pelo elevado investimento em recursos humanos nas especialidades da área médica e de enfermagem (Branco & Farçadas, 2012).

Os profissionais de Serviço Social inseridos nos CSP desempenham um conjunto vasto de funções, designadamente: a prestação de informações aos utentes sobre os direitos, deveres, apoios e recursos existentes na comunidade; elaboração de diagnósticos de nível individual, grupal e comunitário; apoio psicossocial aos utentes e famílias; promoção da articulação e cooperação com instituições, incentivando a criação de recursos que satisfaçam as necessidades dos utentes contribuindo para a avaliação dos aspetos biopsicossociais da saúde e bem-estar; viabilização do acesso aos serviços de saúde; prestação de informações aos profissionais da área médica e outros profissionais da equipa sobre as condições sociais dos utentes, de modo a estabelecer um diagnóstico multidisciplinar; papel de mediador entre os utentes e o sistema de saúde e entre os cuidados de saúde e os parceiros da comunidade, gestão do gabinete do utente e a participação em ações de promoção e prevenção da doença destinadas a grupos de risco, nos domínios da organização, sensibilização e coordenação de serviços para estas ações e mobilização da comunidade para a participação (Branco & Farçadas, 2012).

Segundo a circular normativa n.º8 do Departamento de Modernização e Recursos de Saúde do Ministério da Saúde (2002a), as funções do Serviço Social na área da saúde consistem ainda na investigação, estudo e conceção de processos, métodos e técnicas de intervenção social; participação na definição e execução das políticas de intervenção social a cargo dos respetivos estabelecimentos; definição, execução e avaliação de programas e projetos de intervenção comunitária; realização de visitas domiciliárias para avaliação e acompanhamento de situações de risco; cooperação e articulação com os profissionais de saúde, de forma a garantir a humanização e a qualidade da prestação de cuidados.

O modelo social europeu que surgiu no após II Guerra Mundial de modo a evitar o aumento de situações de desigualdade, através da distribuição equitativa de bens e serviços, com o sistema de bem-estar e políticas sociais proporcionou o enquadramento hegemónico do Serviço Social. Posto isto, só é possível analisar as mudanças do Serviço Social tendo em conta a sua ligação direta às atuais tendências da política social (Branco & Amaro, 2011). Atualmente, na abordagem das políticas sociais, por um lado, o Estado demonstra uma atitude de confiança nas capacidades da sociedade civil para desenvolver iniciativas autónomas. Por outro lado, os cidadãos tendem a tornar-se agentes mais ativos e “competentes”. Também os serviços sociais revelam uma maior iniciativa na procura de cidadãos em risco social, uma intervenção baseada em projetos através do princípio da

gestão por objetivos e uma maior partilha de responsabilidades e envolvimento com os parceiros locais (Hespanha, 2008).

Neste quadro da nova geração de políticas sociais o grande objetivo do Estado é desenvolver políticas que ajudem os cidadãos a reinserirem-se na sociedade, em detrimento de políticas clássicas indemnizatórias (Hespanha, 2008). A inserção pretende construir um espaço intermédio entre o mercado de trabalho e a atividade social. Por isso, reconhece ao beneficiário um papel ativo na sociedade, ou seja, o de contribuir com a sua atividade para a utilidade social e reconhece à sociedade a obrigatoriedade de respeitar e efetivar os direitos dos beneficiários, bem como disponibilizar os meios e serviços necessários. O processo de inserção é efetivado através de um contrato de inserção entre o beneficiário e o administrador do programa. Este contrato pressupõe uma obrigação positiva do beneficiário mas também o reconhecimento da sua dignidade de cidadão e não de mero assistido (Hespanha, 2008). Como destaca Castel (1995 cit. in Hespanha, 2008, p. 2), “não se trata apenas de um direito a (sobre) viver mas também a viver em sociedade”.

A nova geração de políticas sociais apresenta novas tendências tais como a abordagem por projeto, territorialização, intervenção descentralizada, individualização das medidas e a ativação (Branco & Amaro, 2011). A abordagem por projeto corresponde a um modelo de regulação ou parceria entre o Estado e a sociedade assente na metodologia de gestão por objetivos. Apresenta uma duração por tempo determinado, uma administração flexível e é financiado por fundos de proveniência pública e privada sendo submetido a uma estrutura autónoma de responsabilidades (Branco & Amaro, 2011). A territorialização é uma tendência orientada para programas e medidas de política social baseadas na flexibilidade institucional e orientadas territorialmente, na medida em que favorecem a lógica de discriminação positiva das populações e territórios (Castel, 1995 & Whull, 1996, cit. in Branco & Amaro, 2011)5.A intervenção descentralizada pressupõe uma ação descentralizada e a partilha de responsabilidades com os parceiros locais e a sociedade civil. Ao nível da dimensão local das políticas sociais, destaca-se o envolvimento dos parceiros locais no desenvolvimento e gestão dos projetos e políticas

5O aspeto positivo desta tendência é a capacidade de promover medidas mais objetivas e contextualizadas.

O lado negativo centra-se no fato desta tendência potenciar fenómenos como a desigualdade, pobreza e exclusão social, no sentido em que existem diferentes interações entre beneficiários das políticas sociais, mercados de trabalho e contextos socioeconómicos (Branco & Amaro, 2011).

nacionais e uma maior margem de manobra dos parceiros locais na execução das políticas nacionais (Branco & Amaro, 2011). A individualização das medidas constitui a tendência mais reforçada nas políticas sociais e nos dispositivos de ação social, orientada para a demonstração ativa de autonomia, capacidades e responsabilidades (Branco & Amaro, 2011).

Esta tendência pressupõe que as políticas socias privilegiem medidas ajustadas ao perfil dos beneficiários. Contrariamente às políticas (top-down), os beneficiários são entendidos como agentes das políticas, dado que lhes é reconhecida competência para se pronunciarem sobre as suas necessidades e projetos (Hespanha, 2008). O principal problema da individualização das medidas recai sobre a margem de manobra (discricionariedade) que os agentes da administração social responsáveis pela criação do programa de inserção e sua aplicação à situação correta detém. Esta discricionariedade

pode ser alvo de preconceitos e enviesamentos políticos e ideológicos (Hespanha, 2008). Na análise crítica das sociedades modernas, Castel (1995, 2009), “sustenta que os

processos de individualização são bastante problemáticos, uma vez que há um conjunto de condições que são necessárias para a realização plena da individualidade” (Castel, 1995, 2009, cit. in Branco & Amaro, 2011, p. 663). Neste sentido, concetualizou dois tipos de indivíduos: o indivíduo hipermoderno por excesso e o indivíduo hipermoderno por defeito. O primeiro carateriza-se pela perda de noção de vida em sociedade, centrando-se em si mesmo. O segundo relaciona-se com a incapacidade de se tornar um indivíduo e criar recursos para a construção da individualidade. Este segundo indivíduo apresenta uma grave desconexão à sociedade, denominada de desafiliação (Castel, 2009, cit. in Branco & Amaro, 2011).

A prática profissional dos AS está orientada e observa cada vez mais situações de indivíduos hipermodernos por defeito que, para além da falta de recursos e emprego, apresentam problemas graves de ligação e estabelecimento de relações positivas com a sociedade (Branco & Amaro, 2011). O desafio que se coloca ao Serviço Social recai sobre a atenção aos processos identitários dos seus utentes, tendo em vista a reconstrução de identidades e a procura de caminhos alternativos (Soulet, 2007, cit. in Branco & Amaro, 2011). Neste sentido, a ativação surge como uma nova forma de compreender o compromisso, a solidariedade e os direitos e deveres. Esta consiste no envolvimento ativo dos beneficiários, ou seja, os beneficiários devem realizar tarefas socialmente úteis que promovam a sua inserção social (Hespanha, 2008). A ativação destina-se a prevenir

situações de exclusão que possam decorrer de uma atitude passiva dos beneficiários em relação às políticas sociais. As políticas sociais assentes neste pressuposto de ativação desenvolvem-se no sentido de associarem os direitos e as obrigações dos beneficiários: o direito a ser subsidiado implica o dever de contribuir com uma tarefa socialmente útil. Porém, isto pode originar um problema de controlo social sempre que o Estado exija algo desproporcionado em troca da sua ajuda (Hespanha, 2008).

Os países que mais cedo desenvolveram políticas sociais assentes na tendência de ativação demonstram que existem aspetos positivos e negativos. No que concerne aos aspetos positivos, permitiu a melhoria das qualificações e empregabilidade dos beneficiários através da sua participação no mercado de trabalho (Hespanha, 2008). Por outro lado, estabelece a cidadania ativa, na medida em que evita a disseminação de práticas de dependência das políticas sociais e permite a efetivação do direito ao trabalho (Geldof, 1999, cit. in Hespanha, 2008). Em relação aos aspetos negativos, salienta-se a redução do nível de bem-estar decorrente da realização de tarefas socialmente pouco valorizadas (Heikkilä, 1999, cit. in Hespanha, 2008) e, por outro lado, as elevadas obrigações para com os beneficiários, sendo que estes tendem a ser responsabilizados pela sua situação de exclusão e as empresas e outras entidades são colocadas de parte de qualquer responsabilidade por tal situação (Geldof, 1999, Berkelet al, 1999, cit. in Hespanha, 2008). A par disto, os beneficiários que participam em programas de ativação não usufruem dos mesmos direitos laborais dos outros trabalhadores, no que concerne às condições de trabalho e ao período de duração de trabalho (Hvinden, 1999, cit. in Hespanha, 2008).

Esta nova tendência das políticas sociais, tem implicado determinadas consequências para o Serviço Social relacionadas com o contrato de inserção e a negociação, tais como a existência de uma relação simétrica entre o beneficiário e o assistente social, a fragilidade moral do beneficiário, na medida em que não é capaz de gerir a sua própria vida sem necessitar de um contrato de inserção e o facto de a prática profissional do assistente social estar cada vez mais direcionada para o desenvolvimento de procedimentos administrativos e instrumentais e de apresentação de resultados (Branco & Amaro, 2011). Parece estar em curso a transformação no sentido de um Serviço Social ativo/fordista e “sem alma”: centrado nos procedimentos em detrimento da avaliação diagnóstica da situação dos utentes; na preocupação com os resultados do que com os procedimentos; na sobrevalorização da importância dos procedimentos

técnicos em detrimento dos impactos reais dos processos de intervenção na vida dos utentes e na utilização de técnicas de avaliação, planeamento e grau de eficácia e eficiência alcançados; focado na prática profissional baseada na competência ou baseada na evidência (evidence-based practice;competence-based practice); revelando insuficiente aplicação da contratualização (instrumento de responsabilização do utente); adotando sistemas tecnológicos burocráticos que dificultam a gestão das situações e exigem demasiado tempo dos assistentes sociais; e seguindo uma intervenção cada vez mais direcionada para as razões individuais de uma situação, em detrimento das razões ou condições externas (Branco & Amaro, 2011). É fundamental que os AS reequacionem a questão social e abandonem a prática profissional tecnocrática (Branco & Amaro, 2011):

O Serviço Social atravessa um tempo e turbulência. Necessita de uma nova visão que avance com uma cidadania ativa para os pobres – uma cidadania de iguais, que requer uma mudança pessoal e estrutural da ordem social existente. As atuais tecnologias de governação produziram um enorme desperdício de talento humano e causaram um sofrimento inaudito. Estes procedimentos têm que ser substituídos por outros enraizados na equidade entre pessoas que partilham recursos, se tratam mutuamente com dignidade e respeitam os recursos físicos e sociais do planeta como uma herança de todos e de cada um e da comunidade. Esta é a base de uma nova visão capacitadora do Serviço Social

(Dominelli, 2004, p. 253, cit. in Branco & Amaro, 2011). As novas tendências das políticas sociais também influenciaram e continuam a

influenciar a relação entre o Serviço Social e o empowerment. Le Bossé (2003), entende o empowerment como o desenvolvimento do poder de agir, que pressupõe a existência de capacidades e competências individuais e a existência de possibilidades individuais e coletivas de ação, disponibilidade de informações e recursos e condições de acesso a serviços (Le Bossé, 2003, cit. in Branco & Amaro, 2011). O empowerment continua a persistir no quadro de ação dos assistentes sociais, porém em vez de ser utilizado como forma de responsabilização de modo a que os indivíduos se tornem capazes de agir consoante as próprias escolhas, ele é executado como um dispositivo de controlo e regulação numa dimensão meramente individual (Branco & Amaro, 2011). Apesar da maioria dos assistentes sociais desenvolverem o empowerment numa dimensão individual de prestação de informações, disponibilização de formações e promoção da cidadania,

reconhecem que o Serviço Social comunitário é essencial para responder aos problemas sociais cada vez mais complexos (Branco & Amaro, 2011).

A partir do ano de 2008, as medidas de austeridade implementadas em Portugal colocaram em causa as políticas sociais da saúde, as mesmas têm-se caraterizado pela fragmentação e por se dirigirem a um grupo de pessoas com múltiplas carências em que se identificam casos de dependência quando a necessidade já está instalada; por serem efetivadas num contexto de fracos recursos económicos e pelo acesso controlado por mecanismos de gestão centrado na eficácia, eficiência e lucro. Deste modo, o Estado foi deixando de ter capacidade económica para dar resposta às disfunções do mercado de trabalho e foi-se afastando das suas funções de previdente (Carvalho, 2014).

Neste contexto, tendo em conta por um lado, as exigências e necessidades por parte da população do Concelho de Lago e organismos locais em relação ao aumento da satisfação da qualidade assistencial, maior acessibilidade aos cuidados de saúde e vigilância e prestação de cuidados de saúde com qualidade e continuidade e por outro lado, a débil rede de transportes públicos do concelho de Lago, o inerente isolamento e o envelhecimento da população, exigiram uma política de proximidade e legitimaram a existência do serviço da UMS de Lago no âmbito de uma política de apoio social.

Em termos legais, a implementação da UMS de Lago teve por base a Lei 48/90 de 24 de agosto -Lei de Bases da Saúde, tendo como objetivos: maior acessibilidade aos cuidados de saúde, principalmente pela população envelhecida com dificuldades de acesso ao CS; proximidade do serviço às populações; introdução de melhorias sensíveis na organização da saúde relativamente a grupos sujeitos a maior risco; aumento da satisfação dos cidadãos pela melhoria da qualidade assistencial; prevenção, vigilância e prestação de cuidados de saúde com qualidade e continuidade e a articulação entre as instituições para uma maior comunicação institucional que privilegia o utente, numa perspetiva de continuidade de cuidados. Além destes objetivos, a criação da UMS permitiu também a intervenção de profissionais de áreas distintas, entre elas o Assistente Social (AS). O parágrafo seguinte descreve de forma breve a intervenção que a AS desempenha na UMS de Lago e a sua perceção sobre a mesma. A par disto, a UMS de Lago também enfrentou e continua a enfrentar vários entraves devido ao contexto do país. No que concerne ao Serviço Social, desde o ano de 2014 até atualmente, a técnica de Serviço Social constitui a única profissional da área a integrar a UMS e os seus procedimentos de intervenção permanecem inalteráveis. A sua intervenção é realizada

diretamente nos domicílios dos utentes e não no interior da UMS, a viatura funciona somente como meio de transporte para as localidades. A intervenção na UMS às freguesias e respetivas povoações 1 vez por mês e não diariamente é considerada suficiente, uma vez que os utentes permanecem inalteráveis ao longo de todos os meses. A mesma acrescentou que quando deteta e resolve um determinado problema social de um utente de uma freguesia ou povoação num determinado mês, dificilmente esse problema social ressurge no mês seguinte (Entrevista à técnica de Serviço Social, 2016).

Sensivelmente no ano de 2013, em detrimento do contexto de crise económica e financeira ocorrida no país e consequente racionalização de recursos por parte do CS e Aprovisionamento da ARS do Norte, a UMS manifestou pela primeira vez debilidades relacionadas com a diminuição da quantidade de material clínico como agulhas e palhetas para a monotorização da glicemia, extinção da monotorização do colesterol e ausência de material de primeiros socorros como soro, material de pensos, agulhas e bisturis, dando origem á diminuição de utentes á UMS (Entrevista ao anterior enfermeiro, 2016).